A partir do dia 11 de maio, a retrospectiva Pele: os manuscritos do Mar Morto na gênese da linguagem visual de Walter Goldfarb ocupará os 410 metros quadrados de área expositiva do Palácio dos Correios de Niterói que, desde 2014, abriga o Espaço Cultural Correios. A individual celebra os 30 anos de carreira do artista plástico carioca e marca os 110 anos de fundação do prédio em estilo eclético, tombado como patrimônio histórico.
Nas sete salas e no hall de entrada, estarão reunidas cerca de 90 obras, sendo a maioria de três séries realizadas entre 1994 e 1998: “Pergaminhos”, “Iluminuras” e “Teatros bíblicos”, que serão exibidas pela primeira vez em conjunto. São pinturas (muitas em escala monumental), desenhos, aquarelas, esculturas e pergaminhos agrupados a partir de suas relações plásticas e históricas, pertencentes ao acervo do Instituto Walter Goldfarb, em fase de construção. Entre as técnicas empregadas, destacam-se processos alternativos como impressão a fogo, bordado em cânhamo e o uso de piche e couro de vaca sobre aninhagem e lona.
Nestes trabalhos, o artista discute a relação da escrita com a geometria e a figuração. A gênese de sua linguagem visual e material vem do fascínio pela caligrafia dos antigos escribas nos pergaminhos envelhecidos do Velho Testamento, bem como das iluminuras da Idade Média e das partituras escritas à mão pelo pai violinista, já falecido. A pintura de Goldfarb – exibida em diversas instituições no Brasil e em países como Espanha, Itália, Portugal, EUA, México, Venezuela e Chile – traz símbolos do cristianismo amalgamados a composições abstratas que dialogam com o inventário estético muçulmano e hebreu.
A seleção foi realizada pelo próprio artista, partindo de seu olhar sobre a coexistência entre os povos, com peças fundamentais para o desenvolvimento da linguagem visual que atravessa a sua produção até os dias atuais. A maioria já apresentada individualmente em exposições institucionais – como Projeto Macunaíma, da Funarte (1996); e Antarctica Artes com a Folha, mostra paralela à 23º Bienal Internacional de São Paulo (1996) – que marcaram o início da carreira de Goldfarb, hoje legitimada por importantes críticos como Fernando Cocchiarale, Lisette Lagnado, Luiz Camillo Osório, Paulo Herkenhoff e Reynaldo Roels.
“São obras pontuais que pautam o desenvolvimento de uma linguagem muito particular, são documentos físicos que contêm o DNA do meu processo criativo e conceitual. Foi através da pintura que busquei entendimento da minha forma de ser e estar no mundo”, afirma Walter. “Interessante que, à medida em que fui compondo essa curadoria, os trabalhos revelaram camadas muito profundas de significado. E uma série de questões, até então subtraídas pelo meu inconsciente, veio à tona. A partir daí, houve uma ressignificação que trouxe mais espessura às obras e fiz questão de reuni-las, travando um novo diálogo e criando uma fricção entre elas, tanto sob a perspectiva visual quanto pelas histórias e memórias que evocam”.
Buscando minha alma (1995), da série “Iluminuras”, em carvão, verniz, óleo, pigmentos e ação do fogo sobre lona crua, é a obra que recebe o visitante à entrada da exposição. Nas salas a seguir, chamam a atenção trabalhos de grandes dimensões como a pintura-pergaminho Mezuzá, da morte dos primogênitos (148 X 638 cm), de 1996. A peça é ladeada por um conjunto de 20 esboços preparatórios e 2 pequenos pergaminhos-objetos exibidos na 26º edição do Arte Pará, em 2007, em diálogo com obras da suíça radicada no Brasil, Mira Schendel, sob a então curadoria de Paulo Herkenhoff.
A seleção apresentada na retrospectiva inclui, também, um conjunto de 30 pinturas-aquarelas de pequeno formato, sobre partitura e papel cartão, produzido entre 2017 e 2022. Nestes trabalhos recentes, o artista se utiliza de vários materiais e procedimentos presentes nas séries “Pergaminhos”, “Iluminuras” e “Teatros Bíblicos’, que marcaram o início de sua carreira.
Há, ainda, quatro pinturas embrionárias – da época em que Goldfarb estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde mais tarde se tornou professor – e cinco esculturas sincretistas com diamantes, pedras preciosas brasileiras, ouro, prata, pérolas, cristal, seda, veludo, crucifixos, caroços de azeitonas e bala de fuzil acondicionados em redomas de vidro soprado à mão, sobre mármore de carrara.
Segundo Walter, as obras apresentadas abordam a convivência e os pontos de contato entre as três religiões monoteístas abraâmicas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, através das sagradas escrituras do Velho e do Novo Testamento, e da história dos povos árabes.
“Nas minhas pinturas, a lona crua não é tratada para receber camadas de tinta. Isso evidencia a testagem dos limites de resistência da trama desse suporte. Não por acaso, as lonas são, para mim, como peles e territórios”, revela Goldfarb, que fabrica artesanalmente as próprias tintas. “Na minha ‘cozinha de ateliê’, a tela é provocada a reagir, protagonizando tanto o resultado visual quanto físico das pinturas. Essas são as minhas escrituras, marcadas a ferro e fogo na lona crua, da qual me utilizo para pensar o passado, questionar o presente e imaginar um futuro mais afetuoso. Sagradas ou não, evocam, numa parcela de minha produção, a urgência em acreditar no Homem”, diz o artista.
Resultará da exposição um catálogo com organização e apresentação da filha mais nova do artista, Lia Mizrahi-Goldfarb, graduada em Filosofia e Estudos Teatrais pela Universidade Livre de Berlim, e mestranda em Filosofia na mesma entidade, paralelamente à sua atividade no audiovisual com foco documental. A publicação vai contemplar as conversas entre Walter e a filha, para a elaboração da análise crítica da exposição e suas percepções sobre o exercício de ateliê do pai.
“Com 60 anos, Goldfarb relembra suas origens artísticas e deixa nítida a estrutura contínua de sua obra: a lona crua, o carvão e as grandes escalas. Os diversos tons de bege trazem associações – desde um livro-antiguidade até as areias do deserto – e ajudam Goldfarb a desenhar imagens que, num primeiro olhar parecem abstratas, mas rapidamente permitem a visualização de cenas. Em O sacrifício de Isaac (série “Pergaminhos”, 1995) ou Do dilúvio a Babel (série “Pergaminhos”, 1994), por exemplo, basta se abrir aos traços desenhados, que os mesmos se tornam símbolos vinculados à temática, preservando o espaço da interpretação e fantasia”, comenta Lia. “Empolgante será ver essas obras pela primeira vez reunidas e entender como se complementam ao dividir a mesma dimensão, mantendo simultaneamente sua própria individualidade”.
SERVIÇO:
Pele: os manuscritos do Mar Morto na gênese da linguagem visual de Walter Goldfarb
Abertura: 11 de maio de 2024, das 14h às 18h
Temporada: até 20 de julho de 2024
Local: Palácio dos Correios | Espaço Cultural Correios Niterói
End: Av. Visconde do Rio Branco, 481 – Centro
Niterói | RJ
Horários de visitação:
Segunda a sexta, das 11h às 18h
Sábados, das 11h às 17h (não abre aos domingos)
Entrada gratuita | classificação livre