Chico Vartulli – Fale -nos um pouco de sua formação e atuação profissional.
Constança Carvalho – Meu nome é Constança Gonçalves Ferreira de Carvalho, nasci no ano de 1957 em Niterói, sou filha de Ernesto Ferreira de Carvalho embaixador falecido em 2003 e Maria José Gonçalves Ferreira de Carvalho.
Eu me formei pela Université Rene Descartes (Institut Universitaire de Technologie) em Relações Públicas. Tive a equivalência pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro- UERJ. Minha ida à Paris nada teve a ver com os postos de meu pai.
Quando voltamos de Genebra em 1976 -último posto que morei com meus pais, ele foi transferido para Brasília, trabalhar no Itamaraty- resolvi fazer faculdade em Paris. Apliquei pela Sorbone onde fui aceita. Formei-me em dois anos em sistema integral. Morei na Casa do Mexico na Cidade Universitária. Optei pela formação de Relações Públicas por sugestão de um amigo do meu pai que era funcionário da delegação do Brasil junto à ONU lá em Genebra. Quando voltei de Paris comecei trabalhando como recepcionista com Ana Maria Tornaghi. Logo soube de uma vaga no departamento comercial – setor educativo – relacionamento da Varig com as escolas, estudantes do mundo inteiro. Lá fiquei apenas três anos e de lá fui para a Congrex do Brasil e nunca mais deixei os eventos (ou será que os eventos nunca mais me deixaram…) Trabalhei em vários projetos como autônoma, possibilitando estar mais próxima das minhas filhas – Beatriz e Elisa – por maior disponibilidade de horários.
Em 1996 com minha amiga Marion Bronz abrimos nossa empresa C&M CONGRESSES & MEETINGS e assim seguimos a quase 30 anos. Agora atendendo eventos de menor porte, mas sempre com o mesmo interesse. Tratar de assuntos diversos com públicos mais distintos, aguçando minha vontade de saber.
Chico Vartulli – O que é ser filha de um diplomata?
Constança Carvalho – Na minha opinião e com a minha experiência, ser filha de diplomata me ofereceu um diferencial bastante rico. Conhecer como moradora o cotidiano de uma cidade, um país, na companhia da sua família é uma grande chance de vida. Na época em que meu pai começou a carreira diplomática só se ficava dois anos em cada posto (hoje em dia pode ficar até seis). Dois anos é um tempo muito curto para se integrar à cidade, ao colégio. Conhecer o país, a cultura, fazer amigos… mesmo que seja sempre considerada uma estrangeira, e ainda mais pelo fato de ser filha de um diplomata: algumas limitações, regras que precisam ser respeitadas. É difícil também deixar seu país e suas raízes, seus amigos e familiares. Minha vantagem é que somos seis irmãos, com idades muito próximas.
Chegávamos no novo posto e já trazíamos os amigos para dentro de casa – meus pais adoravam a casa cheia. Agregávamos brasileiros residentes ou visitantes ou mesmo outros estrangeiros naquela “nova” cidade facilitando nossa adaptação e criando um grupo de bons amigos.
Chico Vartulli – Você Acompanhou o seu pai em alguns postos no exterior?
Constança Carvalho – Meu pai sempre teve o cuidado de pedir postos que não fossem muito difíceis para nossa adaptação inclusive de minha mãe. Morando com Papai fora do Brasil só estive muito pequena em Portugal, Uruguai Espanha. Tenho lembranças de nosso período na Espanha: colégio, passeios, visita de familiares… Isso foi em 1966 quando então meu pai pediu afastamento do Itamaraty até 1971. Estava muito pesado para minha mãe com filhos tão pequenos. Saímos da Espanha éramos cinco criancinhas, meu irmão mais velho tinha 10 anos.
Até 1973 moramos no Rio. Foi um período muito importante para fortalecer nossas raízes brasileiras. Frequentar colégios, fazer amigos enfim ter uma vida no Rio. Após esse período de seis anos, meu pai voltou para o Itamaraty. Ficamos 1 ano em Brasília – gostei muito, tive uma adaptação ótima, apesar do distanciamento dos amigos e do Rio. No ano seguinte fomos para Genebra, por 2 anos. É uma época da qual tenho excelentes lembranças Meu pai voltou a morar em Brasília até 1995, e fui apenas visitá-lo.
Seus postos foram Costa do Marfim, Turquia, Alemanha Oriental (papai foi o último embaixador do Brasil nesse país) e Ciudad del Este – Paraguai. Nesses postos, como eu trabalhava de autônoma e depois passei a sócia de minha empresa, me permiti fazer muitas visitas e mesmo estadas mais longas até na companhia das minhas filhas. Viagens maravilhosas desde a comemoração de Natal e Ano Novo em Bolu – uma cidade no interior da Turquia, até ida a Istambul, Pamakulle, Capadoccia.
Participar de um Festival de Máscara em uma tribo no interior da Costa do Marfim. E viver a “queda do muro em Berlim: antes, durante e após”… Muitas boas lembranças não só dos passeios, mas a presença de meu pai, que chegou a ensinar minha filha caçula a nadar na piscina da residência no Paraguai.
Chico Vartulli – Que lembranças lhe marcaram da vida de seu pai?
Constança Carvalho – Meu pai era um homem com muita facilidade com idiomas, em cada posto tentava aprender um pouco do idioma local. Era bom vivant. Gostava de receber bem amigos, familiares, filhos, netos em suas residências: boa comida, boa bebida, ambiente festivo. Minha mãe contribuía muito com isso, pois ela também gostava de ter “gente querida em casa” como ela mesmo dizia. Marcavam rodadas de pôquer, bridge, biriba… alugavam filmes… sempre provocando encontros. Mesmo para as crianças, seus netos ou filhos de amigos ou funcionários eles criavam festas, jogos, comidinhas especiais.
Esse lado social era muito forte em meu pai, mas um lado social não protocolar, de jeito nenhum. Ele só era protocolar quando estava em função de jantares ou coquetéis, e evidentemente em reuniões. É de praxe o embaixador receber o corpo diplomático e brasileiros no dia 7 de setembro, data nacional brasileira, nas embaixadas. Meu pai fazia questão de fazer uma festa acolhedora com salgadinhos brasileiros e locais , música brasileira. Teve um ano que contratou um trio para tocar ao vivo. Isso marcou não só a mim, mas aos diplomatas e funcionários que serviam com ele.
Em uma festa de seu aniversário na Turquia, os funcionários da embaixada contrataram uma dançarina do ventre que saiu de dentro de uma caixa, de surpresa. Essa descontração era meu pai. Meu pai também era um homem muito culto, lia muito, tinha muito interesse em aprender. As histórias que nos contava, e aos netos, ele as tirava de livros de História. Adorava as artes, sobretudo artes plásticas. Na Espanha seu cargo era adido cultural e procurava sempre ajudar os artistas brasileiros. Chegou a montar uma exposição na embaixada para ajudar nos relacionamentos, nas vendas.
Investia também na minha Educação Artística e de meus irmãos, pequenos na Espanha além de aulas de instrumentos musicais locais: guitarra, castanholas, lauz,… também tivemos aula de pintura com Manuel Cargaleiro – atualmente o pintor português vivo mais conhecido e também com Franz Weissmann. Um luxo! Sempre nos levava a exposições e visita a museus.

Chico Vartulli – Foi duro representar o Brasil durante a ditadura para seu pai?
Constança Carvalho – Acho que eu não sei responder a essa sua pergunta de forma real. Pelo que eu conheci de meu pai acredito que ter vivido tempos de ditadura no Brasil não deve ter sido nada fácil, mas nunca conversamos a respeito, até por que no período da ditadura 64 a 79 meu pai ainda não era Embaixador, então ele não era o representante do Brasil junto a qualquer país. Além do que de 66 a 71 ele estava de licença não remunerada junto ao Itamaraty e trabalhou aqui no Rio na iniciativa privada.
Quando voltamos de Genebra em 76 (era Conselheiro na Delegação do Brasil junto a ONU, não era o representante) ele presidiu, pelo Itamaraty o Congresso Internacional da Agência de Energia Nuclear (mais uma influência direta na minha escolha profissional) e foi morar em Brasília até 1996 servindo como diplomata-funcionário diretamente no Ministério das Relações Exteriores, em diversos setores. Chegou a prestar serviços temporários na China e no Panamá, mas não era o embaixador nem Encarregado da Embaixada.
Chico Vartulli – Você pensou em ser diplomata?alguém na família seguiu o exemplo de seu pai?
Constança Carvalho – Outra pergunta difícil, por que nunca parei para pensar por que não fui ser diplomata? Admirava muito a carreira e via meu pai muito feliz (minha mãe menos). Gosto de política, tenho sempre interesse em conhecer lugares novos. Adoro viajar, testar sabores alimentares novos… Conhecer gente nova…, mas, de verdade, não sei. Um dos meus irmãos chegou a fazer uma única tentativa para o teste do Instituto Rio Branco, mas não se preparou devidamente e não quis tentar uma segunda vez.
Nenhum dos netos do meu pai quis seguir a carreira e mesmo meus dois sobrinhos, filhos de embaixador não fizeram essa opção. Quem sabe virá dos bisnetos, já são nove (idades que variam de 13 anos a 9 meses).
Nossa relação com os diplomatas é atualmente em função dos amigos dos meus pais (mais jovens que serviram com eles nos postos ou no Itamaraty) e dos filhos de outros diplomatas que viraram nossos amigos.

Chico Vartulli – Que contribuições seu pai deixou para a diplomacia brasileira?
Constança Carvalho – Para a diplomacia eu não saberia dizer exatamente o que que ele deixou como contribuição. Acredito que ele tenha sido um bom colega, um bom funcionário, um bom chefe porque até hoje diplomatas e funcionários do Itamaraty de vários postos e mesmo os estrangeiros comentam conosco pelas redes sociais ou diretamente por telefonemas. “Homem bom, integro, carismático, amigo, ético” Lembro na missa de sétimo dia que nós rezamos no São Bento (meu pai foi aluno de lá) e ele tinha recém se aposentado, tiveram inúmeras pessoas presentes que vieram inclusive de Brasília.
Embaixadores mais antigos que também já estavam aposentados, funcionários ou diplomatas mais jovens com quem ele tinha servido nos postos ou no Itamaraty vieram nos dizer que papai era uma pessoa encantadora que ele sempre agregava, tinha sua sala, sua casa sempre aberta para receber todo mundo. Enfim essa é uma imagem importante para a lembrança que tenho dele, além de toda essa parte de minha formação, meu caráter, meus valores…
Meu pai Ernesto, um rapaz de família de imigrantes portugueses sem muita cultura, órfão de pai aos 18 anos e por sua livre inciativa para “ganhar o mundo” estudou e passou nos exames do Itamaraty e aos 24 anos, já casado, se tornou diplomata.
Certamente essa parte humana e de grande persistência aos seus objetivos foi o que ele deixou para diplomacia brasileira. Ao menos é o que eu quero acreditar.
No mais agradecer essa oportunidade de estar depois de alguns anos da morte do meu pai rememorando a história que tivemos juntos, eu como filha de diplomata.
Fotos: Arquivo pessoal /Divulgação