O mundo está cada vez mais tecnológico. Este processo é irreversível, transformando todos os campos da vida humana. As produções artísticas e culturais também são impactadas. Frequentamos galerias de arte, museus, centro culturais, entre outros espaços, e estamos acostumados a prestigiar os artistas e suas criações materiais, certificadas por suas assinaturas e que validam a sua autenticidade.
Contudo, ao adentrarmos o segundo andar do CCBB RIO para visitar a exposição Década dos Oceanos – I Mostra Nacional de Criptoarte, com curadoria de Marcio Harum e idealização de Byron Mendes, inaugurada no dia 30.11.2023, visualizamos novidades.
As criptoartes são obras de arte desmaterializadas, certificadas por uma nova tecnologia de autenticação que permite sua circulação, garantindo, ao mesmo tempo, sua autenticidade.
A criptoarte possui um registro em Blockchain, que é um sistema que permite rastrear o envio e o recebimento de alguns tipos de informação pela internet. São pedaços de códigos gerados on-line que carregam informações conectadas, assim como se fossem blocos de dados que formam uma corrente. Daí o chain, o nome. E ela não é nada mais que um livro contábil. E a comparação é essa, como se fosse um grande cartório virtual. Se faz um registro de forma confiável, imutável, e descentralizado. A pessoa tem possibilidade de fazer um smart contract, relacionar a obra física dele e, através desse registro nessa blockchain, assa-se a estar garantido como uma espécie de certidão de nascimento dele, um certificado de autenticidade. Nesse processo, se consegue imediatamente gerar um valor, um token, esse ativo digital. Uma obra de arte registrada na blockchain, ela se transforma nesse token, e esse token possibilita comercializar, transferir propriedade para outra pessoa, ou simplesmente exibir.
De acordo com Byron Mendes, idealizador da exposição, “Foi um grande avanço para um grupo substancial de artistas que estavam alijados do mercado de arte. Os artistas digitais. Eles tinham produção de excelência, mas não tinham como comercializar as suas produções. Até então qualquer obra digital ela nao era única. Você podia replicar aos milhares. A partir do momento, que através da blockchain, você pode vincular esse arquivo digital, pode registrar em formato de selo digital, você esta criando uma unicidade, e está possibilitando que se crie um mercado em torno disso, o que até entao nao era possível. Então estamos expandindo as possibilidades. Você trouxe inovação disruptiva.”
Na exposição podemos apreciar as produções dos criptoartistas. E é fascinante, espetacular, de se tirar o chapéu. Sao obras de 27 (vinte e sete) artistas que nos levam pelos caminhos da imersão, num viagem pelos oceanos, suas ondas, seres que os habitam, sua flora, entre outros. São produções artísticas que nos apresentam um mar de cores.
Convém sublinhar que os criptoartistas produziram suas obras admirando a beleza dos mares, e daí tiraram toda a sua inspiração. Contudo, deixaram transparecer em suas produções artísticas a conexão com o mundo em que vivem, os problemas e as questões que o atravessam, como a preservação dos oceanos, a exploração dos seus recursos, e os conhecimentos que os mesmos podem proporcionar. Segundo o curador Marcio Harum, os artistas da exposição “tentam transformar o assunto protagonista da mostra (a ciência oceânica) em um libelo acerca dos urgentes e difíceis desafios dos mares”. E, conseguem!
Como salientou Byron Mendes, “a arte não apenas imita a vida, mas também a informa, a desafia, e a enriquece”. Portanto, a arte como um importante instrumento de reflexão do mundo contemporâneo.
A exposição deixa bastante evidente a associação entre a arte e a tecnologia. Arte é sensibilidade, sentimento, emoção, paixão, poesia. E nas obras que visualizamos vemos esse lado associado a uma linguagem racional, tecnológica, científica, relacionando sistemas computacionais e seus algoritmos, associando geometria e imagem, inteligência artificial e objetos poéticos.
Os criptoartistas se utilizaram basicamente de instalação multimídia, e
vídeo instalação com animação para apresentar as suas “criptoartes”. Apenas um artista utilizou escultura, e outro um aquário.
A seguir apresentamos os “criptoartistas” e a sua proposta de arte digital.
1- Ikaro Cavalcante – a arte digital como algo para além da matéria física;
2- Adriano Franchini – a arte digital como alerta para uma catástrofe ambiental;
3- Fesq – a arte digital como uma maré de incertezas, tal como a nossa existência;
4- Tania Fraga – a arte digital como uma obra onírica que mergulha na vida do mar profundo;
5- Simone Michelin – a arte digital como narrativa de mitos cosmogônicos de antigas civilizações que narram o mar como a origem do universo;
6- Lucas Bambozzi – a arte digital como representação das ondas do mar;
7- Alexandre Rangel – a arte digital como um mergulho em um oceano de possibilidades criativas, de emoções e interpretações imagéticas;
8- Eduardo Kac – a arte digital como representação de artes espaciais para serem vistas por satélites, e vivenciadas pessoalmente e/ou por meio de Google Maps;
9- Taís Koshino – a arte digital como uma forma de alerta das relações entre a atenção ao nosso mundo interior e a preservação ambiental;
10- Leandro Lima – a arte digital como uma forma de nos transportar ao processo de produção industrial de água potável;
11- Andrei Thomaz, e Vitor Kisil – a arte digital como o movimento das ondas do mar;
12- P. V. Dias – a arte digital como ruptura entre as tradições do passado e as negociações do tempo presente;
13- Vini Naso – a arte digital como forma de reflexão do mal-estar que sentimos quando o lar se torna irreconhecível;
14- Gustavo von Ha – esculturas de lixo, gesso, ferro e granito – Casulos;
15- Katia Maciel – a arte digital nos levando ao quebra-mar, ao movimento de uma só onda;
16- Vamoss, Sarah Schorr, e Gabriel Pereira – a arte digital nos leva a um mar de cores ;
17- Monica Rizzolli – a arte digital como ferramenta para compreender os ciclos dos oceanos e as suas transformações;
18- Vitoria Cribb – a arte digital como forma de expressar sentimentos e pensamentos sobre vigilância, desvio de atenção, os limites da materialidade, entre outros;
19- Artur Cabral Reis, Francisco de Paula Barretto, e Suzete Venturelli – a arte digital sublinhando a importância dos ecossistemas marinhos e como as açoes humanas podem afetar esses delicados sistemas;
20- Vita Evangelista – a arte digital como guia turística;
21- Biarritzzz – a arte digital como um mar de vestígios de tempos pretéritos;
22- Rejane Cantoni – a arte digital como ferramenta para compreender questões fundamentais como mutações na natureza, na cultura, e na economia;
23- Giselle Beiguelman – a arte digital nos leva a praia;
24- Anaisa Franco – a arte digital conectando o sistema circulatório humano e o sistema circulatório do planeta Terra;
25- Marlus Araújo – a arte digital expressando o brilho dos oceanos, com criaturas adornadas pela sua própria luz, dançando num espetáculo de cores vivas.
Todas as obras apresentam como característica a criatividade, são imersivas, interativas, e revelam a íntima associação entre arte e tecnologia.
A exposição apresenta uma temática contemporânea. Por meio da arte e da tecnologia se faz uma reflexão sobre os oceanos. O visitante se sente dentro das obras, pois tal é o caráter imersivo e interativo da mostra. É voltada para um público amplo.
Vem! Excelente!