Chico Vartulli – Gostaria que nos falasse um pouco sobre a sua trajetória pessoal.
Caroline Mouchart – Há seis meses, cheguei ao Brasil pela primeira vez, e mais especificamente ao Rio de Janeiro, para assumir minhas funções como cônsul-geral da Bélgica.
Trabalho para o Ministério das Relações Exteriores belga há mais de 20 anos, depois de estudar letras, línguas e literaturas germânicas para ser mais precisa.
Ainda quando criança, eu era atraída por culturas e línguas estrangeiras. Toda semana eu ouvia um programa de rádio chamado “Os Belgas no fim do mundo”. O jornalista partia em busca de compatriotas expatriados nos quatro cantos do planeta e pedia que eles falassem sobre sua experiência. Eu mesma sonhava em ser uma “belga do fim do mundo”, e foi isso que me tornei. Mas com o desejo de ser útil ao meu país, daí esta escolha pelas Relações Exteriores e pela Diplomacia. Trabalhei em Bruxelas e nas nossas embaixadas e consulados em Moscovo, Yaoundé, Jerusalém, Kinshasa e Viena. Uma grande variedade de destinos e funções, cada um dos quais exigindo adaptação, mas revelando uma infinidade de questões complexas !
Chico Vartulli – A Bélgica é um país bilíngue. As duas culturas se integram bem?
Caroline Mouchart – A Bélgica é um país aberto, multicultural …e trilíngue. O neerlandês é falado na Flandres, o francês na Valônia, e Bruxelas é oficialmente bilingue. Temos também uma comunidade de língua alemã no leste do país, na fronteira com a Alemanha. Esta é uma situação completamente diferente do Brasil, onde o português é falado de norte a sul do país. Na Bélgica, você é rapidamente confrontado com uma língua estrangeira, dentro do país e assim que cruza as fronteiras para os países vizinhos. É, portanto, natural que um grande número de belgas tenha em seus ouvidos sonoridades diferentes. A Bélgica é um país federal. Quando diferentes regiões e comunidades linguísticas coexistem no mesmo país, isso é, naturalmente, um desafio e exige certamente diálogo e consulta cotidianamente. Há diferenças, mas há também a vontade de fazer funcionar as nossas instituições. Em Relações Exteriores, é prática comum entre os colegas realizar reuniões “multilíngues”, onde cada um fala sua própria língua ou muda de uma língua para outra sem grandes problemas. A diversidade é uma grande riqueza. E não esqueçamos que Bruxelas é o lar das instituições europeias, o que tem atraído muitos europeus para a nossa capital, sem contar a diversidade de nacionalidades que vivem lado a lado em Bruxelas. Se você pegar o metrô em Bruxelas, você terá um vislumbre da multiplicidade de idiomas que nos cercam.
Chico Vartulli – Já tem alguma opinião formada sobre o Rio de Janeiro?
Caroline Mouchart – Ainda estou descobrindo o Rio de Janeiro e acho que 4 anos não serão suficientes para formar uma opinião totalmente correta! As primeiras coisas que me impressionaram foram as belezas naturais do Rio e a gentileza de seu povo. É claro que o Rio é uma grande metrópole, enfrentando desafios que afetam muitas cidades ao redor do mundo da mesma forma. Recentemente tive o prazer de assistir às festividades do Carnaval, e pude ver a energia e a criatividade que emana do Rio.
Chico Vartulli – Quais são suas principiais atribuições no consulado geral no Rio?
Caroline Mouchart – No Consulado Geral, temos uma missão consular que visa prestar assistência aos nossos compatriotas que vivem ou passam pelo Brasil, na jurisdição do Rio. Somos uma espécie de pequena prefeitura para os belgas que vivem no Brasil. Temos uma jurisdição muito extensa porque não é só o Estado do Rio, mas também o Estado de Minas Gerais, o Espírito Santo e os 9 Estados do Nordeste. Temos cerca de 1500 belgas residindo em nossa jurisdição, alguns dos quais chegaram recentemente, mas muitos vivem no Brasil há várias gerações. É um desafio servir nossos compatriotas em uma jurisdição tão vasta. Há vários anos que tentamos aproximar-nos dos nossos compatriotas, organizando “missões biométricas” a intervalos regulares, o que permite aos belgas que vivem longe do Rio poderem solicitar um passaporte ou carteira de identidade sem terem de se deslocar ao Consulado-Geral no Rio. No próximo mês de junho, também permitiremos que belgas residentes no Brasil participem das eleições federais e europeias que ocorrerão em nosso país. Uma segunda missão muito importante do Consulado Geral, em estreita coordenação com nossos adidos econômicos e comerciais das três Regiões da Bélgica sediados em São Paulo, apoiamos empresas belgas estabelecidas ou que desejam se estabelecer no Brasil, facilitando os contatos com parceiros brasileiros. É o que chamamos de diplomacia econômica. Também sediaremos uma grande missão econômica e principesca ao Brasil no final de novembro de 2024. Por último, estamos igualmente trabalhando para promover a Bélgica, do ponto de vista cultural e para fortalecer os vínculos em nivél acadêmico.
Chico Vartulli – Como se apresenta a Bélgica turística?
Caroline Mouchart – A Bélgica tem muito a oferecer do ponto de vista turístico. Recentemente, uma missão do setor de turismo de Bruxelas, “Visit Brussels”, visitou São Paulo e Rio para promover Bruxelas e Bélgica. Foi uma oportunidade de criar e manter vínculos com o setor de turismo brasileiro e pude ver que havia entusiasmo pelo nosso país porque há opções para todos os gostos: a Bélgica tem muitas cidades históricas, onde o patrimônio arquitetônico ancestral foi preservado: castelos medievais, praças históricas, museus. Se você quiser um pouco de natureza, você pode dar um passeio nas Ardenas, uma região montanhosa e verde, ou ir para o Mar do Norte, que é muito popular entre os turistas belgas. E então, a Bélgica tem uma maravilhosa e variada tradição gastronômica: Centenas de tipos de cerveja, algumas ainda fabricadas pelos monges das abadias, os chocolates, é claro, e especialidades regionais como as famosas “moules frites”. O incrível da Bélgica é que as distâncias são curtas. Portanto, é perfeitamente possível mudar a atmosfera da noite para o dia e mudar da natureza para a cultura sem ter que pegar um avião ou passar longas horas em um ônibus. E se no futuro fosse estabelecida uma conexão aérea direta entre Brasil e Bélgica, tenho certeza que a atração para o nosso país seria ainda maior.
Chico Vartulli – Uma frase favorita da cônsul.
Caroline Mouchart – Gostaria de citar o nosso lema nacional, “L’Union fait la Force”/”Eendracht maakt macht”, em português “A União faz a força”, porque penso que resume muito bem a nossa ação diplomática. A Bélgica é mais forte porque faz parte da União Europeia, e aqui no Brasil, toda a rede diplomática belga em Brasília, São Paulo e Rio trabalha de mãos dadas para unir forças, realizar projetos conjuntos e, assim, tornar a Bélgica mais conhecida no Brasil.
Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação