Chico Vartulli – Como começou a sua relação com a gastronomia?
João Portugal – Começou quando eu tinha 12 anos, em Braga. A minha mãe era professora e, naquela altura, os horários dela foram alterados. Como não tínhamos empregada, alguém precisava preparar o almoço — e esse alguém fui eu. Eu era o único lá de casa que não tinha aulas no período da manhã, então ficava responsável por cozinhar todos os dias. Em Portugal, naquela época, era muito comum as famílias fazerem todas as refeições em casa. Tudo era perto — escola, trabalho, comércio — então ir almoçar em casa demorava poucos minutos. Foi nesse contexto que a cozinha entrou na minha vida. O que começou como necessidade transformou-se em curiosidade, paixão e, mais tarde, profissão.
Chico Vartulli – O Chef João Portugal é hoje um dos grandes representantes da gastronomia portuguesa no Brasil. Como essa história ganhou vida por aqui?
João Portugal – Começou por amor e por saudade. 2013, mudámo-nos para o Brasil — eu, a minha mulher portuguesa e o nosso filho mais velho. Pouco depois, ela ficou grávida do nosso segundo filho e sentiu falta de algo muito típico da nossa rotina em Portugal: comer um pastel de nata todos os dias com um café expresso. Aqui não encontrávamos aquele sabor de memória, então decidi fazer em casa. Resgatei a receita da minha família — com mais de 120 anos — porque sou neto e bisneto de padeiros e pasteleiros. A partir dali, tudo ganhou força: o pastel de nata, o bolinho de bacalhau tradicional e, mais tarde, as refeições portuguesas completas que hoje servimos nas lojas. Assim nasceu a Casa das Natas e, posteriormente, a Quinta do Português.
Chico Vartulli – Que papel o Brasil teve na sua história?
João Portugal – O Brasil foi a continuação da nossa vida portuguesa. Chegamos como família e o país nos acolheu de uma forma extraordinária. Foi aqui que o pastel de nata ganhou escala, que o bolinho de bacalhau conquistou o público brasileiro, que o croissant do Porto virou sensação e que as refeições portuguesas ganharam destaque. Além disso, surgiram grandes oportunidades: parcerias com Nestlé, Ferrero, eventos nacionais e uma aceitação impressionante.
Chico Vartulli – A Casa das Natas cresceu rapidamente. Como foi esse processo?
João Portugal – Cresceu de forma natural e cuidada. Começou em casa, evoluiu para galpão, loja e depois para uma fábrica estruturada. Hoje somos reconhecidos não só pelo pastel de nata, mas também pelo bolinho de bacalhau, croissants e pelas refeições portuguesas completas — que mostram ao Brasil o verdadeiro sabor de Portugal.
Chico Vartulli – Como o brasileiro recebe a gastronomia portuguesa?
João Portugal – Com enorme carinho. O brasileiro valoriza história, técnica e verdade. Muitos chegam pela primeira vez para comer um pastel de nata e voltam para experimentar os pratos completos, o caldo verde, o croissant do Porto e os doces conventuais. Criou-se uma ponte afetiva muito grande.
Chico Vartulli – Cozinhar é uma forma de arte?
João Portugal – Absolutamente. É transformar memória em emoção, é contar histórias através de ingredientes simples. É a minha forma de expressão.
Chico Vartulli – Quais pratos você mais gosta de apresentar ao público brasileiro?
João Portugal – O pastel de nata, claro, mas também o bolinho de bacalhau tradicional, o bacalhau com natas, o croissant do Porto e os doces conventuais como o toucinho do céu, quindim e a barrigada de freira. E claro, as nossas refeições portuguesas completas, que hoje fazem sucesso nas lojas.
Chico Vartulli – Quando percebeu que se tornou uma referência no Brasil?
João Portugal – Quando clientes me disseram que, ao comer um pastel de nata, um bolinho de bacalhau ou um prato nosso, sentiram-se de volta a Portugal. Representar a culinária portuguesa fora de Portugal é uma grande responsabilidade — e uma honra.
Chico Vartulli – A gastronomia une culturas?
João Portugal – Une profundamente. Um prato cria pontes emocionais que atravessam fronteiras.
Chico Vartulli – Quais são os próximos passos?
João Portugal – Expandir com responsabilidade e continuar a levar Portugal ainda mais longe. Hoje já estamos presentes na grande distribuição, redes de supermercados, lojas de conveniência, hotéis, restaurantes e redes de franquias — e isso trouxe novos desafios diários: manter a qualidade artesanal, a consistência, a logística e a autenticidade em larga escala. O objetivo agora é consolidar este crescimento, ampliar a capacidade da fábrica, lançar novos produtos e chegar a novos estados. Também quero fortalecer a minha presença como comunicador e embaixador da gastronomia portuguesa, aproximando ainda mais as pessoas da nossa culinária.
Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação
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