O texto de Samuel D. Hunter (tradução de Luís Artur Nunes) é potente, denso, dramático, emocionante, afetuoso e humanista, sublinha a importância das relações familiares, a necessidade de se manter conectado e próximo aos seus entes familiares, mantendo os vínculos coletivos, ainda que ocorram distensões. Reconectar e reaproximar são palavras-chave do texto.
José de Abreu, no papel de Charlie, tem uma atuação de tirar o chapéu. Ele confirma a qualidade da trajetória como ator, nos proporcionando uma atuação profunda, consistente e sólida. Ele faz um professor gay afundado numa culpa de ter se afastado da sua filha por anos, e afetado por sequelas vinculadas à homofobia, à gordofobia, à religião e à família. Ele vive recluso em sua residência desde que seu companheiro Allan faleceu.
José de Abreu nos apresenta uma interpretação notável do personagem. Como é gorducho, ele sente dificuldades de se locomover, de se levantar do sofá e sente intensa falta de ar. Por meio de expressões faciais e gestuais, e por meio de uma fala sufocante, o ator chega a causar no público tamanha aflição com relação à saúde do seu personagem. Ele não aguenta o seu próprio corpo obeso, e utiliza um andador para se locomover.
Ademais, ele deixa transparecer o ar recluso e solitário do personagem. A única pessoa que vai lhe visitar é a sua enfermeira-cuidadora, interpretada pela atriz Luisa Thiré, com uma atuação de qualidade. Thiré faz uma cuidadora atenciosa, amiga e leal.
E também recebe a visita espontânea do jovem Thomas, interpretado corretamente por Eduardo Speroni. Ele pertence a uma Igreja protestante, e também está preocupado com Charlie, quer realizar uma renovação espiritual. Ele é a voz da fé, arauto dos princípios da Bíblia. Ele se faz de bom rapaz, mas por trás dos panos apronta!
Charlie tenta se reconectar e reaproximar de sua filha, Ellie, interpretada por Gabriela Freire. É com ela que ele realiza os principais diálogos da peça. Ellie tem a marca do abandono, produto do divórcio dos pais. Ela é rebelde, conflituosa e não aceita de forma pacífica a reaproximação. Charlie tenta se redimir, se reconectar e se fazer presente depois de uma longa ausência, mas Ellie é difícil. Gabriela é uma jovem atriz, com uma atuação de bom nível que surpreende e nos faz acreditar numa carreira futura promissora.
E a atriz Alice Borges faz a ex-mulher de Charlie, numa emocionante participação especial ao final do espetáculo. Alice faz uma Mary magoada e ressentida.
O elenco, no conjunto, tem uma atuação correta e adequada. Eles apresentam interpretações de mérito, e também emocionam. Deixam transparecer as características dos seus personagens. Eles estão entrosados, afinados, unidos e juntos em prol de uma apresentação de qualidade. Apresentam um bom domínio do texto, como também do palco. Portanto, o elenco tem uma atuação que merece ser deferida.
A direção é de Luís Artur Nunes, que realizou as marcações precisas e certeiras, dando ao espetáculo uma forte carga emocional e dramática, e direcionando a correta atuação do elenco.
Os figurinos criados por Carlos Alberto Nunes são de bom gosto e adequados. São roupas do quotidiano.
Temos que destacar a prótese corporal do figurino de Charlie, que resultou numa perfeita caracterização de um personagem obeso. Parabéns!
A cenografia criada por Bia Junqueira é a residência do professor Charlie, repleta de mobiliário, como o sofá onde ele fica sentado à maioria do tempo e a mesinha com o laptop. A distribuição dos elementos cenográficos é correta. Não há nada entulhado, de forma que cria uma ambientação cênica clean, e bem distribuída, identificando todos os elementos presentes.
O telhado da casa, acreditamos que seja esse elemento cênico, apresenta projeções de imagens dos momentos em que as cenas ocorrem (manhã, tarde ou noite). E, ao final, ele é suspenso.
A iluminação criada por Maneco Quinderé apresenta um bonito desenho de luz e contribui para realçar a interpretação dos atores de seus respectivos personagens.
A trilha sonora criada por Federico Puppi apresenta uma musicalidade poética e sentimental.
A Baleia apresenta uma dramaturgia potente, humanista e sensível; um elenco de qualidade e com atuações que merecem louvor; e, cenografia, figurinos e iluminação corretos e adequados ao espetáculo.
Excelente produção cênica!