A montagem é do grupo mineiro Quatroloscinco – Teatro do Comum.
O texto de autoria de Assis Benevenuto e Marcos Coletta é reflexivo, onírico, utópico, metafórico, crítico, humanista, e contemporâneo. É uma crítica à aceleração contemporânea brutal do tempo em nossas sociedades em função do desenvolvimento intenso dos meios técnico-científicos. Em oposição clama pelo tempo lento, quase parado, por um mundo sem pressa.
Ao defender um tempo desacelerado, os autores deixam transparecer o valor das tradições, das memórias, das utopias, dos afetos, que se perdem ou ficam vazios de conteúdo no mundo contemporâneo da sociedade da informação, cada vez mais frenético e acelerado. E como o teatro é resistência, é no palco que se clama por um tempo parado para se poder reviver e sonhar.
A dramaturgia define que o tempo é “uma massa granulada de movimento, misturando tudo”. Ele é rápido e imóvel ao mesmo tempo. Assim temos que balancear o ritmo do tempo, nem tão acelerado, e nem tão lento. Na medida justa!
O espetáculo é uma reflexão sobre a nossa relação com o tempo na sociedade contemporânea. A apresentação é definida como uma peça-livro e se estrutura como as seguintes partes de uma obra: capa, prefácio, dedicatória, sete capítulos (1- Pulsação; 2- Tempo Perdido; 3- O Que Você Guarda nos Bolsos; 4- Fuga; 5- Quando Amadurece a Hora; 6- Queda Livre Talk Show; 7- A Última Página) e verso da capa. A inspiração surgiu a partir do ensaio “Notas sobre os doentes de velocidade”, da autora mexicana Vivian Abenshushan.
Todas as cenas (capítulos) do espetáculo estão conectadas entre si. A ligação se dá por meio do tema da compreensão humana do tempo, assunto que dá o nó e enlaça as distintas cenas. Este é entendido por meio de relações familiares (capítulo 1), de trabalho (capítulo 4), quotidiano diário da vida (capítulo 2), memórias de infância (capítulo 5), utopias (capítulo seis), e a incerteza do futuro (capítulo 7).
O texto conceitua o tempo como medida, o do relógio, aquele das horas, minutos e segundos, do calendário, e das pausas. Mas também como histórico-social, aquele das permanências e das transformações. No tempo histórico contemporâneo, acelerado, foi sublinhado os graves problemas que se fazem presente no mundo atual como fome, miséria, aquecimento global, desastres climáticos, genocídios, guerras, entre outros. Os autores não deixaram passar desapercebidos. Eles estão atentos!, Portanto, o texto é atravessado por essas duas noções de tempo.
O elenco (Assis Benevenuto, Ítalo Laureano, Marcos Coletta, Michele Bernardino e Rejane Faria), no conjunto, se apresenta de forma correta e equilibrada. Os artistas apresentam interpretações convincentes, e expressam emoção. Também interpretam canções ao vivo com letras que ajudam a compreender melhor o texto. Eles dominam o texto, utilizando uma linguagem simples de fácil compreensão. Como estão com microfones, suas falas são escutadas num bom e equilibrado som, lembrando a sonoridade de um filme. Também dominam o palco, se movimentado intensamente e ocupando os espaços. Portanto, uma atuação digna de aplausos.

Todos os artistas estão acompanhados por seu respectivo boneco, produzido à imagem e semelhança de cada um deles. São os “avatares”, boneco que representa a pessoa no universo do metaverso.
A direção é de Ítalo Laureano, e Ricardo Alves Jr. que realizaram marcações precisas e certeiras, dando ao espetáculo uma dinâmica e movimentação, bem como uma capacidade de reflexão, e direcionando as competentes atuações do elenco.
No nosso ponto de vista, as cenas mais marcantes são a do retorno do filho da guerra, e a narrativa ao pai das suas experiências; a da reunião online de uma equipe de trabalho remoto, que se interage numa sala de reunião virtual; e a do globo da morte, que só visualizamos no imaginário, e na intensa luz azul.
O capítulo três requisita a participação do público. Este último é quem fala, e os atores escutam.
Os figurinos criados por Caroline Manso são de bom gosto, adequados, bem modelados, e imperam os tons verde e azul.
A cenografia criada por Luiz Dias é simples e correta. Visualizamos uma mesa com cadeiras. O tampo da mesa se transforma num quadro onde são redigidos os títulos dos capítulos do livro. Por sua vez, no teto aparecem pendurados fios de aço onde são colocados os bonecos, “os avatares”.
A iluminação criada por Marina Arthuzzi apresenta um bonito desenho de luz, imperando os tons branco e azul, e momentos de escuridão, e contribuindo para realçar a interpretação dos atores de seus personagens.
As canções criadas por Marcos Coletta e Michele Bernardino complementam o texto, apresentam letras com um conteúdo denso, e melodias poéticas.
Velocidade é uma peça teatral que apresenta dramaturgia bem argumentada, crítica e reflexiva; um elenco com atuações de qualidade e dignas de louvor; e figurinos, cenografia e iluminação formando um conjunto de bom gosto, equilibrado e harmônico
Excelente produção cênica!


