A idealização é de Eudes Veloso e Renato Farias.
O texto de Renato Farias é poético, cultural, memória, identidade, ancestral, resistência e emocionante. Defende incisivamente que as letras dos sambas são verdadeiras poesias, e os sambistas são poetas. Samba e poesia estão intimamente associados, não podendo ser vistos separadamente. Dá visibilidade aos poetas-sambistas e valoriza-os, elevando e dignificando suas produções musicais.
A premissa do autor que argumenta sobre a dimensão poética dos sambas é validada por aquele que vos escreve, que labutou durante quinze anos no carnaval, e teve contato direto com os compositores. Eram estes últimos que transformavam os enredos por nós redigidos em músicas, os sambas-de-enredo. Nesse processo, eles deixavam transparecer nas letras dos sambas toda a sua verve poética. Assim foi com Martinho da Vila e André Diniz, compositores que apresentaram verdadeiras poesias quando trabalhamos juntos de 2005 a 2014. E ainda teve o poeta Noel Rosa, que não conhecemos fisicamente aqui na Terra, mas as suas poesias nos inspiraram a escrever o enredo da Unidos de Vila Isabel no ano de 2010.
Para além da poesia, os sambas também transmitem conhecimento e tratam de diversos assuntos. Nos que foram selecionados, escutamos palavras de amor e carinho, dor e sofrimento, felicidade, liberdade, a proteção dos orixás, a denúncia do preconceito racial, a favela, as mulheres, os artesãos do carnaval, iguarias como a goiabada cascão, entre tantos outros.
O elenco é constituído pelos atores Adriano Torres, Eudes Veloso, João Manoel, Jorge Oliveira, Lucas Sampaio e Rodrigo Átila, e pela atriz convidada Olivia Araújo. Esta última está plenamente integrada ao grupo. A figura feminina tem uma importância no mundo do samba, que remete às tias baianas, mães de santo e quituteiras. Na casa de uma delas, tia Ciata, o samba nasceu, por meio da criação de um poeta, Donga, e o seu Pelo Telefone!
Os atores têm uma atuação de alta qualidade. Estão unidos, entrosados e afinados. Eles falam os sambas, deixando transparecer a valorização da palavra oral, a palavra bem pronunciada a nos inundar de poesia. Eles falam, interpretando-os e emocionando. Utilizam todo um conjunto de expressões faciais, gestuais com os braços e as mãos, e coreografias. Tocam os instrumentos musicais. Eles dominam o texto, passando com clareza as letras dos sambas falados, e possuem uma boa retórica. Também dominam o palco, se movimentando intensamente e preenchendo todos os espaços. Excelente comunicação com o público, interagindo com o mesmo e trazendo-o para participar do espetáculo, sobretudo no momento da formação da roda de samba. Nesse momento, a separação entre público e plateia se diluí, e estão juntos e misturados, numa catarse final. Aliás, essa separação praticamente não existe na produção cênica, uma vez que alguns atores sentam em cadeiras diferenciais durante o espetáculo para, do meio da plateia, atuarem e falarem as poesias. Portanto, uma atuação digna de aplausos e elogios.

A direção de Muato e Renato Farias focou no texto e deixou o elenco à vontade naquela ribalta para realizar a apresentação de qualidade, e empolgante, vibrante e contagiante. O ar do teatro respirava a poesia do samba!
A direção musical e trilha sonora original são de responsabilidade de Muato, que selecionou poetas e poetisas pretos e pretas notáveis e suas canções de qualidade, que exalam poesia, e ao serem falados transbordam uma poética de emoções e sensações.
No conjunto dos poetas selecionados, senti falta da Marrom, a nossa Alcione.
Os figurinos criados por Ananda Almeida e Raphael Elias são bonitos, de bom gosto, elegantes, e predominam os tons terrosos. A criação facilita o deslocamento dos atores pela ribalta, seus requebros e samba no pé.
A direção de movimento é de Tamires Mutawa, responsável pela já comentada intensa movimentação dos atores pelo palco, preenchendo todos os espaços e realizando movimentos coreográficos bonitos, harmônicos e adequados à temática da peça.
A cenografia criada por Raphael Elias, diretor de arte, é mínima e adequada. Ela é constituída por um piso cor terracota onde o elenco se apresenta, cadeiras, instrumentos musicais e pequenos vasos com plantas.
A iluminação criada por Ana Luzia de Simoni é boa e adequada.
Negra Palavra – Poesia do Samba é um espetáculo que apresenta um texto poético, que valoriza os compositores de samba, verdadeiros poetas e suas canções, genuínos poemas; um elenco com uma atuação de qualidade, que interpreta e emociona; e o casamento perfeito entre figurinos, cenografia e iluminação, formando um bonito conjunto.
Excelente e Imperdível Produção de Artes Cênicas!


