O peixe sobe a correnteza do rio, numa dura jornada, para chegar ao local da desova. Contra a força da corrente, contra os obstáculos, vence a urgência de criar e recomeçar o ciclo da vida. No ano de seu cinquentenário, o Grupo Corpo escolheu o fenômeno da piracema como símbolo de sua trajetória – uma viagem movida pelo irresistível desejo de criar, recriar e resistir, em sua brasilidade profunda e incontestável que deságua na linguagem universal da grande arte.
O balé que fez sua estreia em São Paulo dia 13 de agosto sinaliza continuidade e renovação, resiliência e ousadia do mais importante grupo de dança contemporânea do país. Com trilha inédita composta por Clarice Assad, Piracema inaugura a parceria coreográfica de Rodrigo Pederneiras com Cassi Abranches, que passa a ser também coreógrafa residente.
Completando o programa, o Corpo traz de volta Parabelo, de 1997, a peça de inspiração sertaneja com música de Tom Zé e Zé Miguel Wisnik. O Grupo Corpo é apresentado pela Cemig e pela Petrobras e conta com o patrocínio do Instituto Cultural Vale, da Vivo e do Itaú Unibanco, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
A retrospectiva destes 50 anos também será feita em forma de documentário (direção de Janaína Patrocínio) e livro (elaborado pelo Estúdio Campo e publicado pela
editora BEI, que vai reunir as extraordinárias fotos de José Luiz Pederneiras produzidas ao longo de décadas para os espetáculos da companhia). A agência Africa Creative também se integrou às celebrações do cinquentenário.
Criação dividida e multiplicada
Uma inovação radical no método de trabalho dos dois criadores – Rodrigo e Cassi – neste Piracema. Um desafio e tanto, a partir da proposta do diretor artístico Paulo Pederneiras. Com a companhia dividida em dois grupos de 11 bailarinos, cada um dos coreógrafos criou e ensaiou independentemente todo o balé, para depois reunir e combinar as duas versões. “Nossas duas visões se completam. Foi uma experiência riquíssima”, é o que Rodrigo Pederneiras considera sobre o processo de criação. “Cassi é nossa cria, domina a linguagem e, ao mesmo tempo, traz novos elementos, sua bagagem internacional, os dez anos em que evoluiu em outros cenários”. Limites rígidos foram estabelecidos. “Não podíamos nem circular na área em que o outro grupo estava ensaiando”, revela Cassi Abranches. “Deu um frio na barriga, mas topamos a proposta do Paulo e a dança cumpriu seu papel integrador”.
E foi exatamente dois meses antes da estreia, em 13 de junho, que os dois grupos finalmente assistiram o trabalho um do outro e os coreógrafos passaram a reunir as concepções. “Nesse momento, foi uma emoção, choro, alegria”, lembra Paulo Pederneiras. A obra combinada resulta inteira, desafiadora, “uma terceira via”, define Rodrigo. “Nossas visões têm características próprias, claro – sou mais intimista na movimentação, Cassi é mais explosiva e aberta”.
Na música, utopias e distopias
O balé Piracema traduz a música de Clarice Assad que, dividida em três grandes movimentos, traça um arco que se inicia no tribal, no ambiente natural intocado, passa pela polifonia sinfônica do clássico e termina no eletrônico, urbano, contemporâneo.
Primeira mulher a compor uma trilha para a companhia, Assad encarou, em suas palavras, “uma maratona”. “Foi minha primeira trilha, e logo com o gigantesco Grupo Corpo, de quem sou absolutamente fã”, conta a compositora direto de Chicago, onde mora. “Honrada e lisonjeada. Encaramos juntos um processo maravilhoso, que me ensinou muito”.
Ela trabalhou com o percussionista Keita Ogawa, a orquestra de cordas New Century Chamber, de São Francisco, e com participações especiais como a de seu pai, o grande violonista e compositor Sérgio Assad. “Usei bastante minha voz em harmonias vocais e até lancei mão, na terceira parte, de ruídos e sons criados por inteligência artificial. No final das contas, foi um quebra-cabeças que o Corpo e eu montamos lado a lado, criando um panorama de evolução, mudança e revolução do mundo. E ainda não sabemos se caminhamos para uma utopia ou uma distopia. Mas o poder regenerativo da arte é real”.
PARABELO [1997]
Duração: 42 min
coreografia: Rodrigo Pederneiras
música: Tom Zé e Zé Miguel Wisnik
cenografia: Fernando Velloso e Paulo Pederneiras
figurino: Freusa Zechmeister • iluminação: Paulo Pederneiras
PIRACEMA [estreia]
Duração: 37 min
coreografia: Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches
música: Clarice Assad
cenografia: Paulo Pederneiras
figurino: Marcelo Alvarenga e Susana Bastos (Alva Design)
iluminação: Paulo Pederneiras e Gabriel Pederneiras
SERVIÇO
Rio de Janeiro
18 a 21 de setembro [qui a sáb, 20h • dom, 17h ]
Theatro Municipal do Rio de Janeiro • Praça Floriano, S/N – Centro – Tel: (21) 2216-8533
Ingressos: Fever • R$ 39,80 a R$ 280,00
classificação indicativa: livre


