A energia e o talento do ator Alain Catein têm conquistado cada vez mais o público. Em cena com espetáculos teatrais de drama, comédia e teatro infantil, o artista vem se destacando pela entrega intensa e pela versatilidade em personagens que equilibram humor, crítica e emoção. Agora, ele estreia “Raspadinhas” no próximo dia 5 de novembro, na Sede Cia dos Atores na Lapa, escrito por ele mesmo e dirigido por Daniel Dias da Silva. A comédia mergulha com leveza e ironia na relação do brasileiro com os jogos de azar, da época do jogo do bicho às febres contemporâneas das bets online.
Alain Catein partiu de suas lembranças de infância em Rio das Ostras e uniu vivências de subúrbio em matéria poética e crítica, traçando um retrato engraçado e sensível de um país movido por esperança, improviso e desigualdade. Ao mesmo tempo em que provoca gargalhadas, o espetáculo também cutuca o público a pensar no imediatismo nacional e no “jeitinho brasileiro” — traços culturais que, como o próprio autor aponta, dizem muito sobre quem somos e os atalhos que inventamos para sobreviver.


“Raspadinhas” é um monólogo vibrante, em queCatein assume diversos personagens para contar essa história com ritmo, corpo e ironia. O ator, que recentemente esteve em cartaz com o drama “O Legado” e o infantil “Da Janela”, encontra neste novo trabalho uma síntese de suas múltiplas facetas artísticas: a comédia, o social e o humano.
Nesta conversa com o jornalista Rodolfo Abreu, o ator Alain Catein fala sobre a origem do texto, suas referências dos anos 1990 e 2000, o encontro com Daniel Dias da Silva, e o desejo de transformar o palco em espaço de afeto, humor e reflexão. Uma entrevista sobre fé, sorte e arte — três palavras que, no Brasil, costumam andar de mãos dadas. Alain Catein e sua potência criativa mostram que “sorte” é, na verdade, resultado de muito trabalho — e de se cercar de uma equipe igualmente talentosa.
Rodolfo Abreu: Como surgiu a ideia original da peça “Raspadinhas” e como se desenvolveu até chegar a peça que estreia em novembro?
Alain Catein: Eu ouvi uma vez uma história de uma criança que frauda uma Raspadinha da sorte nos anos 2000. Isso fez com que eu viajasse até os meus próprios anos 2000 e pensasse nessa coisa que o brasileiro tem com o imediatismo. Estudando Ciências sociais na UFF, eu comecei a me ver ainda mais antenado nessa questão do imediatismo à brasileira e de como a gente tem que vender o almoço pra pagar a janta, como isso é disseminado na nossa sociedade, principalmente na sociedade fluminense e em especial nos subúrbios cariocas. Com as notícias recentes da epidemia das BETs, eu resolvi construir essa história pegando muitos detalhes da minha própria infância em Rio das Ostras e construindo um caminho, traçando um paralelo entre a relação do brasileiro com jogos de azar até os dias de hoje.
Rodolfo Abreu: A peça é uma comédia, mas além do humor popular traz uma certa crítica social e nostalgia. Qual foi o seu propósito de mensagem para o público ao escrever esse trabalho?
Alain Catein: Eu acredito que a gente enquanto sociedade brasileira precisa pelo menos ressignificar os rumos de nação que temos. Assim, refletir sobre o “jeitinho brasileiro” e sobre as relações de desigualdade na nossa sociedade que empurram a gente a tomar medidas desesperadas de conseguir sucesso ou pelo menos de conseguir alguma estabilidade financeira. Esse já é um objetivo do espetáculo enquanto o propósito de mensagem para o público, ou pelo menos, propósito de discussão junto com público.
Rodolfo Abreu: Você cresceu vendo o jogo fazer parte da rotina das pessoas. O que mais te fascina nessa relação do brasileiro com a sorte?
Alain Catein: O Brasil é marcado pelo sincretismo religioso. Eu tenho uma imagem muito clara da casa da minha vó e depois também da casa da minha sogra, de ver a imagem de um Buda, uma espada de São Jorge, um ohikari messiânico, um preto velho e uma nossa Senhora Aparecida ao lado de uma Bíblia no altarzinho. O fato de a gente querer acreditar ao mesmo tempo em que a gente batalha pra conseguir os nossos sonhos é algo que me motiva enquanto brasileiro. E acho que em muitos comerciais que passam na TV a gente procura resumir muito do espírito nacional. Um deles é o famoso “eu sou brasileiro e não desisto nunca”, que inspira fé e a confiança que o brasileiro tem no futuro.
Rodolfo Abreu: A direção é de Daniel Dias da Silva, com quem você tem afinidade artística. Como está sendo essa parceria e o que ele trouxe para esse trabalho?
Alain Catein: Eu e o Dani queremos trabalhar juntos há muito tempo. Com esse trabalho a gente conseguiu bater agendas, mas principalmente conseguiu bater propósitos artísticos e experimentações de linguagens e de discussão. O Daniel não só é generoso e atencioso como alguém muito inspirador com quem eu tenho a honra de estar dividindo esse trabalho.

Rodolfo Abreu: “Raspadinhas” é um monólogo, mas você interpreta diversos personagens diferentes no palco para contar essa história. Como é fazer tantas transições em cena?
Alain Catein: Cansativo, desafiador, mas uma alegria imensa! O Marlon Vares, diretor de movimento desse espetáculo, o Júnior Duarte, preparador vocal, e o diretor Daniel têm colaborado grandemente pra todos esses personagens aparecerem, todas as transições estarem menos cansativas, porém mais assertivas, fazendo com que a narrativa siga sendo o foco principal, aprofundando a tese que que o espetáculo levanta e deixando tudo mais divertido pra quem está realizando e espero que pra quem esteja assistindo.
Rodolfo Abreu: A peça traz de forma muito divertida algumas referências dos anos 1990 e 2000, cheias de músicas, programas de TV e ícones culturais. O que mais te divertiu revisitar desse período?
Alain Catein: Eu peguei muitas referências da minha própria infância em Rio das Ostras, então, desde as árvores que a gente cita no espetáculo até os programas de TV, como Planeta Xuxa, as músicas como “mexe a cadeira” do cantor Vinny, e o Bomxibombombom d’ As Meninas, incluindo as revistas Recreio que vinham com um brinde que eu particularmente adorava. Mas o brasileiro tem uma relação com a TV muito curiosa, não só com os programas, mas principalmente com os comerciais e os jingles que são muito marcantes e muitos que ficam marcados até hoje.
Rodolfo Abreu: Você reuniu uma equipe diversa e muito talentosa para esse espetáculo. Como está sendo o resultado até agora?
Alain Catein: A equipe é diversa em linguagens e em personalidades e acredito que funciona como um reflexo da diversidade brasileira também, então acho que o resultado está sendo essa mistura de várias culturas que nos formam, forma a cultura do subúrbio, e que dão todo um borogodó, né?
Rodolfo Abreu: Em outubro você esteve em cartaz com outro espetáculo, “O Legado”, no Teatro Glaucio Gill. E em meses anteriores, rodou com o infantil “Da Janela”. De que maneira essas outras experiências —um drama e um infantil — se complementam no seu trabalho como ator?
Alain Catein: O Legado comemora os 20 anos da Companhia de Teatro Íntimo da qual faço parte e que me inspira muito nesse contato e na comunicação com a plateia, de que forma a narrativa consegue atingir a plateia e transformar isso em experiência íntima mesmo. O Da Janela me inspira como artista não só na relação com acessibilidade mas principalmente na inclusão, no olhar atento para todos os espectadores que vêm assistir. Esses trabalhos me motivam muito e todos eles deixam uma marca no artista que eu quero ser e no que eu tenho construído pra minha vida pessoal também.


Rodolfo Abreu: Além de escrever e atuar na peça “Raspadinhas” você está cursando Ciências Sociais na UFF. Sua vida acadêmica influenciou sua escrita e sua visão de palco?
Alain Catein: Com certeza, os debates que vejo na universidade, ainda mais de uma universidade como a UFF, me encorajam e me dão muitas bases pra levar discussões para o público. Quero construir cada vez mais pontes entre o debate que se faz na universidade com o debate da sociedade de modo geral.
Rodolfo Abreu: Vemos um trabalho de corpo e de voz muito intenso em “Raspadinhas”. Como foi esse preparo e qual a importância desses aspectos nesse espetáculo?
Alain Catein: O preparo acredito que é um processo, que venho construindo por muito tempo e que tenho feito com profissionais que admiro muito. Os preparadores e diretores do espetáculo são fundamentais para que eu mantenha minha saúde em primeiro lugar e também, claro, pra manter a narrativa com os dinamismos que ela exige para que eu possa continuar contando essa história.
Rodolfo Abreu: O humor em “Raspadinhas” nasce muito da observação da vida real. Você acredita que a comédia é hoje uma ferramenta potente de crítica e empatia social?
Alain Catein: Acredito que a comédia sempre foi potente para gerar crítica e também para trazer leveza a debates latentes e fundamentais. Para qualquer artista fazer algo com humor é uma honra pois permite uma identificação junto ao público e ao mesmo tempo consegue deixar o debate ainda mais aparente.
Rodolfo Abreu: Fale um pouco do que as pessoas podem esperar de “Raspadinhas” e convide todo mundo para assistir. Alain Catein: Espero que toda e qualquer pessoa que venha assistir Raspadinhas tenha ao menos uma boa experiência, que possa refletir sobre o nosso “jeitinho brasileiro”, sobre essa cultura do malandro e do Mané e os jogos de azar no Brasil, mas que, claro, se divirta muito. Raspadinhas é pra todo mundo e eu quero muito que todo mundo venha.

Entrevista por Rodolfo Abreu @rodolfoabreu
Imagens: Divulgação
Acompanhe “Raspadinhas” no Instagram: @raspadinhas.teatro
Acompanhe Alain Catein no Instagram: @alaincatein
Raspadinhas
Comédia com Alain Catein, dirigida por Daniel Dias da Silva
🗓️ De 5 a 26 de novembro de 2025, às quartas-feiras
📍 Sede Cia dos Atores – Rua Manuel Carneiro, 12, Escadaria Selarón – Lapa
🎟️ Ingressos: Em breve
📱 Instagram: @raspadinhas.teatro
🕗 60 minutos | Classificação indicativa: 14 anos
 
		


 
									 
					


