A afirmação de que o Brasil é um país sem memória é algo recorrente. Contudo, a referida consideração tem sido alvo de inúmeras críticas.
O nosso país tem memória sim. E aquela que é preservada é a que atende aos interesses das nossas elites. Foi construído o memorial JK, o memorial Vargas, o monumento aos pracinhas, entre outros. Contudo, falta ainda a criação de espaços voltados para a conservação da memória da música, do teatro, do cinema, e mesmo os que existem são muitas das vezes marcados pelo desleixo e abandono das autoridades.
Memória é seleção. É produto das nossas escolhas. Tem fatos que queremos guardar como lembrança. Mas há outros que queremos esquecer.
O cineasta Yves Goulart, autor do roteiro e também o diretor, produziu um excelente documentário sobre o tenor brasileiro Aldo Baldin (1945 – 1994) cuja memória estava caindo no esquecimento. Mas por que Yves selecionou a sua preservação?
Em primeiro lugar, porque o cineasta e o tenor nasceram na mesma cidade, Urussanga, de colonização italiana, localizada em Santa Catarina, no Brasil. Mas nem sequer sabia da existência de Aldo.
Em segundo lugar, porque Yves foi presenteado por uma amiga com o disco ‘Serenatas, Bachianas & Canções’, de Heitor Villa-Lobos, gravado por Aldo Baldin. A capa do álbum era a foto da igreja matriz de Urussanga. E tal fato inquietou o cineasta, a ponto de iniciar uma pesquisa sobre o tenor.
Daí surgiu o projeto do documentário. Ele é original porque, pela primeira vez, uma produção do audiovisual se debruça sobre a trajetória de vida do referido tenor, buscando compreender as suas especificidades. Ele queria compreender porque Aldo não é lembrado em nosso país, mas é respeitado e admirado pelos apreciadores do canto lírico e da música de concerto em todo o mundo.
O documentário é denso, profundo, biográfico, bem roteirizado e dirigido. É o resgate da trajetória de um tenor brasileiro cuja carreira foi construída no plano internacional. A atuação no cenário mundial possibilitou a Aldo construir e consolidar o seu perfil de cantor lírico pelos quatro continentes.
O documentário está dividido em oito atos. Tem um caráter biográfico. Inicia pelas origens familiares, passa pelo despertar musical, o aprimoramento do canto, a carreira como cantor lírico, a relação entre o homem e o artista, a atuação como mestre de canto, o tenor, e os sonhos. É, portanto, uma narrativa da sua vida, feita em primeira pessoa. O próprio Aldo narra a sua notável trajetória.
E a narrativa não fica somente na vida pública do tenor. Narra a sua vida privada também. Sua relação com a família construída na Europa, os seus familiares no Brasil, a relação música e fé, entre outros detalhes. Registra que mesmo longe da sua terra natal, onde aprendeu a trabalhar a terra, não deixava de lado essa tradição de cultivar produtos agrícolas.
Na parte dos sonhos, confessamos que ficamos curiosos em saber mais sobre o projeto de uma escola de música que Aldo elaborou para ser criada no sul do Brasil. Como seria essa escola? Sua estrutura? Seu funcionamento?, entre outras questões.
O documentário é biográfico, conforme já mencionamos, narra numa sequencia linear desde a origem simples do cantor, no interior de Santa Catarina, até o sucesso internacional, quando foi reconhecido, e o falecimento prematuro.
Yves realizou uma profunda pesquisa, fato que dá credibilidade ao material produzido e lhe torna robusto. Ele utilizou como “fontes” fotos, vídeos, matérias de jornais e revistas, cartas, e, sobretudo, depoimentos orais, como os do maestro Isaac Karabtchevsky; Heloísa Nemoto Vergara; Roberto Miranda; Eliane Sampaio; a viúva Irene Flesch Baldin, entre outros, indivíduos que conviveram e trabalharam com Aldo.
A direção musical é de Irene Flesch Baldin, confirme já informamos viúva de Aldo, que nos presenteou com uma trilha sonora marcada por uma seleção rigorosa de canções melodiosas e de autoria dos grandes compositores líricos. Um verdadeiro deleite!
Aldo Badin – Uma Vida Pela Música é um documentário biográfico que resgata a trajetória do tenor catarinense; apresenta um roteiro bem organizado, e didático; e uma pesquisa profunda, com o depoimento de indivíduos que tiveram uma relevância para a vida do cantor lírico.
Excelente produção cinematográfica!