Ao reabrir o embate pictórico de seu percurso, para buscar um olhar panorâmico de sua produção dos últimos 25 anos, Gloria Seddon mergulhou numa viagem ao mesmo tempo genômica e emocional.
Em sua individual de ampla latitude, a artista revisita fases de sua investigação a partir de um trabalho, que, longe de ser seminal em sua trajetória, foi um ponto de reflexão no conjunto de sua obra.
Dividida em núcleos entrelaçados por similar vocabulário, Gloria discorre influências acumuladas ao longo da vida, num mergulho em sua arqueologia de formação, revelando mentores, admirações e nostalgias, que a levaram inclusive, até o trabalho de seu pai, artista por vocação poética da existência.
Ao focar uma produção intensa para esta exposição de ares monumentais, Seddon se deparou com seu pluralismo como base de sua assinatura, mas também com sua gênese, clara quando vemos a evolução de seu pensamento plástico, o adensamento de sua pintura, a ampliação de seu vocabulário e a experimentação em seus limites de abordagem – ora mais psicológicos, ora
narrativos.
Ligadas por arcos de tempo que organizam pontes temáticas de grande unidade, ainda que por vezes em construções quase singulares, estas séries conseguem manter um corpo de trabalho uníssono, mostrando a artista ser diversidade, antes de tudo, liberdade.
Seu embate com a tela, da mesma forma que celebra o gestual livre concedido pela action painting, traz a reverberação cromática que nos leva ao universo rothkiano. Porém, em sua fatura nos deparamos em maior protagonismo, com a explosão de cores que nasce de sua paixão pela luz do Rio de Janeiro, cidade que adotou e que se deixou impregnar pela força de seus
matizes.
Porteña e acostumada a uma luminosidade mais delicada, Gloria encontrou na luz tropical uma resposta à construção de sua expressão, além da influência de uma cena abstrata-expressionista local, aonde poderíamos destacar artistas como Áquila, Gerchman e o ambiente da pós-Geração 80, sua contemporânea.
Na convergência dessa nova inspiração cromática, ela “aequale” se defronta com os contrastes de uma sociedade de grandes desigualdades, que lhe chega também em seu ofício psicanalítico, em depoimentos e vivências. Esta dicotomia entre beleza e caos, força e polaridades, a leva a faturas múltiplas – mandalas psíquicas, escombros geométricos e texturas de natureza ambígua, antimiméticas, em paisagens superpostas, alegres ou conflituadas, onde grafismos e “drippings” dão leveza ao peso da leitura social e política cuja reflexão Gloria Seddon nos coloca em seu complexo abstracionismo.
A artista nos alerta com sua pintura forte e porvezes dramática, que devemos procurar poesia mesmo num mundo em crise. Sempre! A cidade partida que impacta sua sensibilidade, é aqui apresentada em janelas e umbrais que desvendam horizontes incertos. Porém, onde flutua a esperança de um mundo mais amoroso e menos partido.
Alexandre Murucci
Curador
Fotos: Marcos Rodrigues
PROGRAMAÇÃO
Espaço Cultural Correios Nitéroi