Escrita e encenada pela primeira vez há mais de 20 anos, Atlântida – O Reino da Chanchada, de Ana Velloso e Vera Novello, ganha montagem inédita e um novo título. As autoras fizeram ajustes no texto que fez sucesso em 2000 e acreditam que Atlântida
– Uma Comédia Musical está mais condizente com a proposta da nova montagem, que tem direção de Ana Velloso e Édio Nunes (que também assina a Coreografia). “A paixão pelo gênero musical, a essência do texto que criamos a partir de uma pesquisa cuidadosa e o desejo de homenagear os artistas da Atlântida continuam os mesmos”, afirmam as autoras.
A Atlântida Cinematográfica tem importância enorme para o cinema e a cultura brasileira. As chanchadas – apelido dado ao gênero – atraíam multidões às salas de cinema de todo o país que iam prestigiar produções nacionais num momento em que a indústria cinematográfica brasileira apenas engatinhava disputando o seu incipiente mercado com filmes norte-americanos e europeus que conquistavam o mundo. A Atlântida realizou a façanha de produzir 62 filmes entre os anos 40 e 60 – chanchadas, em maior número, mas também dramas e documentários.
“Nunca quisemos falar didaticamente sobre a Atlântida. Queremos que o público vá ao teatro e capte o espírito das chanchadas, entenda o ambiente em que os filmes eram produzidos, as pessoas que estavam por trás delas. Eram artistas e técnicos de grande valor, que faziam filmes em que o povo se reconhecia.”
A peça segue a estrutura dos filmes da Atlântida, com seus personagens-tipo que se envolviam em histórias românticas cheias de quiproquós e reviravoltas, antes de chegarem ao “final feliz”. A trama tem como cenário o próprio estúdio da Atlântida e seus personagens são atores, produtores, roteiristas, diretores, coristas, técnicos, assistentes, numa alusão a todos os que fizeram da Atlântida um verdadeiro pólo da
sétima arte no Brasil, num esforço pioneiro. “O roteiro nos leva a imaginar que a Atlântida ainda não acabou e que está produzindo mais um filme de ficção – uma chanchada com todos os seus ingredientes fundamentais, numa espécie de grande remake de sua ficção ingênua, com traços de época, que fala de um Brasil mais bem- humorado e inocente”, afirma Ana.
“Atlântida – Uma comédia musical” traz momentos antológicos dos filmes da Atlântida Cinematográfica, ao revisitar seus mais icônicos números musicais. Abrangendo amplo universo musical, o roteiro mostra a grandeza e variedade das trilhas dos filmes da Atlântida. O samba e a marcha – que, ao contrário do que se pensa, não predominavam nos filmes da Atlântida – brilham ao lado de sambas-canções, xotes, boleros, rumbas, serestas… um caldeirão musical da melhor qualidade. E além de relembrar as inesquecíveis canções que foram sucessos na época como “Marcha do Gago” (Clécios Caldas e Armando Cavalcanti), “No Tabuleiro da Baiana” (Ari Barroso), “Alguém Como Tu” (José Maria de Abreu e Jair Amorim), “Beijinho Doce” (Nhô Pai) e “Vai com Jeito” (João de Barro), o público poderá rever trechos de filmes e ver imagens inéditas dos artistas e bastidores desta importante fase do cinema nacional.
Fundada em 1941, a Atlântida formava com a Rádio Nacional e os Teatros de Revista da Praça Tiradentes, um tripé cultural sem paralelos. O teatro, e depois os filmes, lançavam sucessos que tocavam na rádio e atravessavam o país de norte a sul. Uma imensa lista de grandes compositores – como Ary Barroso, Ataulfo Alves, Lamartine Babo, Dorival Caymmi, Custódio Mesquita, Antônio Maria) e intérpretes – como Oscarito, Grande Otelo, Emilinha, Linda e Dircinha Batista, Ivon Curi, Eliana, Adelaide Chiozzo, Cyll Farney, Norma Benguel, Dóris Monteiro – eternizaram uma época, partindo de uma linguagem ingênua, mas também libertária na sua explosão de alegria e na genialidade de seus artistas.
“Visitamos o passado, com muita admiração e orgulho destes artistas brasileiros. A Atlântida Cinematográfica é uma referência muito forte para o cinema nacional. E precisa continuar viva na memória do público. Eles faziam filmes com poucos recursos, se comparados às produções hollywoodianas da época, mas não faltava talento e criatividade àqueles artistas que continuam inspirando quem faz humor, hoje, no teatro, no cinema, na tv e até na internet. Oscarito e Grande Otelo – e tantos artistas da Atlântida – merecem um lugar especial na história do musical brasileiro, seja no palco ou na tela”, afirma Vera Novello.
O espetáculo estreia no dia 19 de novembro (domingo) no Teatro Dulcina (FUNARTE), e a temporada vai até 17 de dezembro. “Serão 16 apresentações, então o melhor é não deixar para a última hora”, advertem Ana e Vera.
A ATLÂNTIDA e as chanchadas
Produzidas em sua grande maioria no Rio de Janeiro, entre os anos 40 e 60, as chanchadas faziam sucesso de público. Multidões eram atraídas pelo cinema brasileiro para ver na tela seus ídolos do rádio, do disco e do teatro musical, fazendo filas nas portas dos cinemas, decorando as letras dos principais sambas e marchinhas e transformando as sessões em verdadeiras festas.
As chanchadas privilegiavam a comédia e o riso, usando o humor para trazer para a tela vários aspectos da sociedade brasileira. Eram filmes críticos, com um tipo de sátira ligada à vida cotidiana, retratando os migrantes, as mulheres, os pobres e seus desejos de ascensão e debochando da própria imitação ao cinema americano.
Várias foram as produtoras que se aventuraram a produzi-las. A Cinédia foi a pioneira e a responsável pelo primeiro êxito do cinema falado (o filme “Coisas Nossas”), mas foi a Atlântida a primeira grande produtora desse gênero, conseguindo a façanha de produzir, em 20 anos, 62 filmes de ficção e 02 documentários que competiam em condições de igualdade com o cinema vindo de fora.
Fundada em 1941, a Atlântida descobriu a fórmula voltando-se para um público mais popular, apoiando-se no teatro ligeiro e em nomes que eram ídolos do rádio da época. O cinema era a grande diversão e, aliado à música, como se viu mais tarde, era a receita certa. O rádio era o meio de comunicação de um Brasil pré- televisão e fez com que a música tivesse um papel de destaque nesses filmes.
Nos elencos das chanchadas da Atlântida, Cyll Farney, John Herbert e Anselmo Duarte eram os mocinhos; Eliana a mocinha de nove entre dez chanchadas nacionais; os comediantes Oscarito, Grande Otelo e Colé os malandros viradores, José Lewgoy e Renato Restier os vilões. Sonia Mamed, Renata Fronzi, Berta Loran, Emilinha Borba, Adelaide Chiozzo e Francisco Carlos também participaram de muitos filmes, criando personagens (tipos) memoráveis. Esbanjando improviso e com gestual fortemente influenciado pelo circo e pelo Teatro de Revista, estes atores traziam para a tela a ideia de um homem brasileiro simples, virador e malandro, onde o cômico e o jocoso imperavam. Antes mesmo do Modernismo proclamar a importância de assumirmos o jeito de falar brasileiro, a Atlântida ao lado de outras manifestações artísticas populares já havia assumido, com muito humor, a “língua brasileira”, deixando fora de cena o rigor no uso da língua portuguesa.
Ana Velloso e Vera Novello: paixão pelo musical brasileiro
A parceria das atrizes, autoras e produtoras Ana Velloso e Vera Novello começou ainda na CAL – Casa das Artes Laranjeiras, onde fizeram cursos livres e o curso regular de formação de ator. Escreveram mais recentemente “Copacabana Palace – O Musical” (2021), que marcou a reabertura do Teatro do Copacabana Palace e a comemoração dos 100 anos do hotel. Mas juntas produziram mais de 130 espetáculos, entre eles, os musicais “Você não Passa de Uma Mulher”, “Pixinguinha”, “Dolores”, “Atlântida – O Reino da Chanchada”, “Clara Nunes – Brasil Mestiço”, “Obrigada, Cartola”, “O Bem do Mar”, Revista de Ano – O Olimpo Carioca” e “Kid Morengueira, olha o Breque” nos quais estiveram presentes, seja como produtoras e/ou atrizes e/ou autoras. Ana Velloso recebeu prêmio de melhor texto pelos musicais infantis “Sambinha” e “Forró Miudinho”, ambos com direção de Sergio Módena. Vera Novello foi indicada ao Prêmio Zilka Salaberry de melhor atriz em Forró Miudinho e recebeu o Prêmio Fita por sua atuação ao lado de Rogério Freitas em “Vianinha Conta o Último Combate do Homem Comum”, com direção de Aderbal Freire-Filho. Receberam juntas prêmio pela dramaturgia do infantil “O Choro de Pixinguinha”. Já estão preparando texto para outros musicais.
SERVIÇO
Atlântida – Uma Comédia Musical
Local: Teatro Dulcina
Endereço: Rua Alcindo Guanabara, 17 – Centro (próximo à Estação do Metrô Cinelândia) Período: de 19 de novembro a 16 de dezembro de 2023
Dias e Horários: sextas e sábados às 19hs e domingos às 18hs
Sessões Extras: Matinês nos sábados, 02, 09 e 16 de dezembro às 16:30h
Preço: R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia-estudantes e idosos)
Capacidade: 429 lugares
Classificação: Livre
Duração: 90 min