Em foco – Olá Misailidis! A primeira comissão de frente (CF) que você coreografou foi no ano de 1998 na Unidos da Tijuca. Foi o seu primeiro trabalho como coreógrafo. Em fevereiro de 2024 completam-se vinte e seis anos ininterruptos. Qual é a sua avaliação sobre o trabalho desenvolvido ao longo de todos esses anos?
Marcelo Misailidis – Em 2024 serão 27 anos de trabalho ininterruptos e 26 projetos de CF, ao longo desse anos, vivi grandes desafios e participei ativamente na transformação deste quesito, atualmente sou o mais longevo corógrafo e uns dos que participou mais ativamente neste processo.
Em foco – Do primeiro trabalho coreográfico no ano de 1998 até o último que será realizado em 2024, quais foram as transformações que o seu trabalho sofreu? Quais foram as novidades que você foi introduzindo nas coreografias das comissões de frente?
Marcelo Misailidis – Acho que as transformações do meu trabalho, passam por um processo de maturação de características pessoais do meu estilo de trabalhar e das minhas propostas que de modo geral foram sendo absorvidas pelo espetáculo das Escolas de Samba, e projetos que eventualmente não fossem sucesso num primeiro momento, passaram a criar tendências ou mesmo referencia para outros profissionais que foram chegando no Carnaval.
Em foco – Você é um bailarino do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Tem na sua formação toda uma bagagem erudita, da dança clássica. Como você transportou essa linguagem erudita para o seu trabalho coreográfico no universo das escolas de samba?
Marcelo Misailidis – Qualquer trabalho, seja erudito ou não, ele requer algum método, disciplina, organização e dedicação, tudo que vem depois são referências ou repertório, cultura é importante em todos os níveis, bom senso e sensibilidade ajudam a definir escolhas melhores.
Em foco – Numa definição mais geral, o que é ser um coreógrafo? Qual é a função de um coreógrafo?
Marcelo Misailidis – Um coreógrafo tem por definição estabelecer um código de movimentos e deslocamentos que encerrem um objetivo, descrevam uma cena ou formem uma narrativa. Um coreógrafo por excelência também é criador de novas possibilidades estéticas tendo o corpo como instrumento.
Em foco – Num universo mais específico, o que é ser um coreógrafo de comissão-de-frente numa escola de samba? É a mesma coisa que coreografar um espetáculo de ballet?
Marcelo Misailidis – No Carnaval um coreógrafo, além das discrições anteriores, também é um diretor e gestor de espetáculo, é um gladiador num evento competitivo, o que é absolutamente estressante, pois o julgamento não considera somente seu desempenho diante do desfio daquela obra, ele considera a comparação com o outro que difere totalmente do seu horizonte temático.
Já um espetáculo específico de ballet ou dança de qualquer outro gênero, a concentração do espectador está voltado prioritariamente na coreografia, na concepção do espetáculo e seus desdobramentos, você não compete com seu público ou vê nele um juiz, você é desfiado pelos seus próprios limites criativos em face da obra, e não com concepções de diferentes espetáculos.

Em foco – Como se dá o processo de seleção dos componentes de uma comissão-de-frente? Quais os tipos que você prioriza: profissionais da dança ou amadores? Essa é uma etapa importante?
Marcelo Misailidis – Os processos seletivos se dão de diferentes modos, ou bem seja por artistas que se adaptem bem a estética do coreógrafo, ou pelas necessidades especificas de cada enredo, que induz a necessidades especais para aquela encenação.
No geral priorizo artistas versáteis, maduros cenicamente, e confiáveis emocionalmente.
Diria que essa etapa é uma das mais importantes porque são eles, o elenco, que tornam realidade a criação e são parte fundamental da entrega de tudo que chega no final do processo.
Em foco – E o processo de criação, como ocorre? A liberdade de criação é algo que você considera primordial para o seu trabalho fluir?
Marcelo Misailidis – Incialmente pela compreensão de como o carnavalesco pretende encenar o enredo proposto, se desenvolvido de modo literal, ou como sátira, ou de modo crítico, delirante sobre o tema, enfim a partir destas características, vem depois buscar entender se ele será um resumo da obra, se será cronológico, ou uma cena impactante de abertura. A partir daí, sim é necessário haver cumplicidade, parceria, e liberdade para que o melhor do seu potencial possa estar sendo absorvido para aquele projeto.
Em foco – Quais são os trabalhos realizados que selaram o nome Marcelo Misailidis em definitivo como um dos mais expressivos coreógrafos do carnaval carioca?
Marcelo Misailidis – As minhas escolhas não sao necessariamente o que alguns admiradores do meu trabalho concordem, por outro lado sempre dei emos considerar o processo evolutivo do quesito, os meus trabalhos de 20 anos atrás hoje seriam simplórios mas alguns deles mesmo dentro da simplicidade abriram espaço pra grandes transformações como a CF de 2002 na Tijuca “o barquinho de papel”; Salgueiro 2005 “O Elefante”; na Vila Isabel 2009 “Theatro Municipal”, e a “Savana” 2011; na Beija Flor 2015“O mineirinho”, e o titulo do Carnaval 2018 Monstro é aquele que não sabe amar pelo conjunto da obra, e o “Ferro Velho” de 2020. Aqui na Imperatriz embora tenha ajudado na conquista do ultimo carnaval, espero ainda conseguir realizar um projeto que desperte novas possibilidades.
Em foco – Vamos relembrar um trabalho: o carnaval de 2009 sobre o centenário do Theatro Municipal. Você recebeu todas as notas dez dos jurados e arrebatou todas as premiações. Unanimidade! Comente sobre esse projeto.
Marcelo Misailidis – As notas são realmente muito importantes no processo de alcançar o objetivo maior que é o titulo, mas por outro lado ela também é algo que engessa a criação, pois obriga aos artistas buscarem fórmulas que facilitem a obtenção de resultado, o que muitas vezes acaba por tornar os projetos muito parecidos. Me sinto feliz por ter aberto tendências como volumetria, pesquisa de ambientações e dramatizações no entanto, muitas destas mesmas estéticas que introduzi hoje me tornam refém.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para os fas que acompanham o seu trabalho.
Marcelo Misailidis – Meu projeto futuro hoje está 200% voltado para a finalização deste Carnaval, depois é voltar para as criações de espetáculos de dança, retornar com meu espetáculo ST- Tragédias espetáculo que encena duas obras de Shakespeare, e coreografar Medéia. Aos poucos quero voltar e dedicar mais tempo as minhas origens e aos palcos.
Aos meus fãs dedico a eles cada novo projeto, como um modo de expressar minha gratidão e carinho por estes anos de caminhada, cada dia é uma nova oportunidade de celebrar a vida como a fugaz velocidade do aplauso.
Foto: Arquivo pessoal/Divulgação