Em foco – Olá Luisa! Onde você nasceu? Infância e adolescência? Ensino fundamental e médio?
Luisa Thiré – Eu nasci no Rio de Janeiro, no ano de 1970, e passei minha infância e adolescência por aqui também, embora tenha viajado bastante. Não para fora do país. A primeira vez que eu deixei o país eu tinha quinze anos. Foi para realizar um intercambio na Inglaterra que meu pai me deu de presente. Ele me perguntou se eu queria uma festa de quinze anos ou uma viagem. Eu escolhi a viagem. E ele bem aliviado…Eu já estudava na Cultura Inglesa há algum tempo, e fui fechar o ciclo do aprendizado da língua inglesa no intercambio em Londres. Foi maravilhoso! Ensino fundamental e médio foram realizados aqui no Brasil.
Em foco – A sua família é de atores. Você é neta da Tônia Carrero, e filha de Cecil Thiré. Qual é a importância dos dois para a sua escolha de seguir a carreira das artes cênicas? Qual foi o legado deles na sua trajetória?
Luisa Thiré – O legado deixado pelo meu pai e a minha avó é enorme. Não só no campo familiar, como no campo das artes. Eles deixaram um legado nao só para mim, mas para o Brasil inteiro. Minha avó é praticamente da segunda geração de atores desse país. Era uma época em que tínhamos poucos atores expoentes. Então, ela foi pioneira em muita coisa, e abriu muitas portas para a geraçao do meu pai, para a minha, e para a de outros atores e atrizes. Eu tive o privilégio de ter essas pessoas dentro de casa, convivendo com seus amigos artistas, ensaiando, suas peças, falando dos seus projetos. Eu sempre vi ensaio, leitura de roteiro e de peças de teatro. Meu universo é, e sempre foi esse, desde que eu nasci, nasci nesse ambiente. Então, eu não sei quando eu comecei a fazer teatro. O teatro é que me começou. Eu nasci dentro do espaço teatral. Eu dormia na coxia, sempre vivi nos teatros, nos estúdios. Minha vida é essa desde sempre, desde que eu me entendo por gente.
Em foco – Como foram os seus primeiros passos na arte de representar? Qual é a sua formação na área?
Luisa Thiré – Como eu sempre gostei muito de ver ensaios, assistir todas as peças, eu brincava em casa. Eu morava numa vila, tinha muitos amigos, e eu gostava de inventar as peças, ensaiava todo mundo, fazia o papel principal. Essa era minha brincadeira predileta, além de ir nos teatros, nas coxias, nos estúdios. Essa era a brincadeira predileta dentro de casa, na vila, na escola. Eu gostava de criar peças, de inventar, de fazer, e de dirigir, de atuar, foi sempre o que eu mais gostei na vida de fazer. Quando eu estava com doze para trezes anos, meu pai me perguntou se eu queria ingressar no Tablado, na escola da Maria Clara Machado. Eu disse que sim. Foi quando eu comecei a fazer aula de teatro, com professores, e fiquei no Tablado por muito tempo. Sou cria do Tablado. Fui aluna da Cacá Mourthé, do Ricardo Kozlovski, do Carlos Wilson, que nós chamávamos de Damiao, que foi com quem eu estreei minha primeira peça profissional, no ano de 1985, na peça Os Doze Trabalhos de Hércules. Estreamos no extinto teatro da Praia, em Copacabana, e eu tinha quinze anos. Foi a minha estreia profissional.
Em foco – Quais são as suas principais referencias (teóricas e práticas) no campo teatral? Quais são os seus autores de peças de teatro preferidos (nacionais e internacionais)?
Luisa Thiré – As minhas referencias são também as minhas preferencias. São dois grandes autores nacionais: Plínio Marcos, e Nelson Rodrigues. Esses dois autores são muito eternos. Embora os dois autores fossem muito diferentes, eles estavam muito a frente do seu tempo. Nelson Rodrigues já escrevia sobre machismo, sobre racismo, já denunciava. E o Plínio também já escrevia sobre a violência contra a mulher, algo que acontecia lá atrás e que perdura até os nossos dias. Eles denunciam isso com tanta arte, com tanta poesia, com tanta maravilha. O jeito que o Nelson Rodrigues escreve, para nós falarmos. Ele tem uma maneira muito peculiar de falar, de escrever. Eu tive o privilégio de montar uma peça tanto do Nelson Rodrigues, quanto do Plínio Marcos. Navalha na Carne, do Plínio; e Valsa n. 6, do Nelson. Esta última eu estreei no ano de 2012 por conta do centenário dele. É um monólogo que ele escreveu. Eu continuo realizando essa peça até hoje. Fiz temporadas no RJ, em SP, viajei pelos festivais do Brasil. E também muito para fora. É uma peça que me traz muita alegria. Em outubro do ano passado, eu estava montando a peça em Portugal, em Lisboa. Mas, já tinha ido no ano de 2013, quando ocorreu o ano do Brasil em Portugal, fui selecionada pela FUNARTE dentre outros projetos, para representar o Brasil nesse evento. Me apresentei na cidade do Porto. Também me apresentei em Madrid, em Cabo Verde. Valsa n. 6 é uma peça que eu faço até hoje. Já tem 12 (doze) anos. Eu amo fazer. Tá aqui. O cenário fica embaixo da minha cama. O figurino fica no meu armário. É uma peça linda, muito particular. É o único monólogo do Nelson. E agrada muito. Sempre fui muito bem recebida.
Em foco – A história da sua avó, Tônia Carrero, se mistura com a história das artes cênicas no Brasil. Quais tem sido as suas realizações no sentido de preservar a memória da sua avo e do seu pai?
Luisa Thiré – Eu vivo dizendo aqui em casa, inclusive quando eu escrevi para o programa de Navalha na Carne, que nós estamos aqui continuando. Eu sou a terceira geração de uma família que veio perpetuando essa sementinha que a minha avó plantou lá atrás. Foi ela quem plantou essa sementinha. A seguir, veio o meu pai. Depois, eu e meus irmãos. Meus filhos já são a quarta geração dessa família. Tenho dois filhos que já estão na área, já sao profissionais. O Vitor e a Juliana. O Antonio ainda tem 16 (dezesseis) anos. Mas os meus dois filhos mais velhos já estão na área atuando. estão na área atuando. Eles são da quarta geração. Essa atitude de perpetuar e levar adiante esse sonho, essa vida das artes, estamos sempre trazendo eles, sempre falando deles. No ano de 2022, minha avó teria feito cem anos. Foi o ano do centenário dela. Eu produzi e realizei junto com o Itaú Cultural uma exposição deslumbrante. Ficará para sempre no site do Itaú Cultural, para quem tiver interesse em ver. Falamos não só da atriz, mas da mulher, da empreendedora, da mulher que esteve a frente do seu tempo, lutou pela liberdade dos textos, foi a rua contra a censura. Minha avó teve uma participação muito ativa na política, lutou pelo direito das mulheres, da cultura, da democracia. Sempre foi empreendedora, algo que sempre aprendi muito com ela. Eu produzo os meus projetos há algum tempo, desde os meus 19 (dezenove) anos. Eu que produzo as minhas peças. Eu acho que isso vem um pouco daí, da minha mãe também, a Norma Thiré, que é produtora. Eu acho que venho misturando um pouco de todo mundo e das coisas que aprendi. E as coisas que nós vamos descobrindo sozinha ao longo do caminho. Essa exposição foi muito bonita. Nós fizemos não só a exposição no Itaú Cultural, mas também apresentamos Navalha na Carne, onde eu fiz a personagem que ela interpretou há sessenta anos atrás. E fizemos uma leitura dramatizada encenada dirigida pela Inez Viana, que eu a convidei, e coloquei em cena os meus irmãos também. Sobre um livro que a minha avó escreveu, intitulado O Monstro dos Olhos Azuis, no qual ela narrava toda a trajetória dela, desde a infância até se casar com o meu avo e dar início a carreira de atriz. Tudo aquilo que tinha acontecido antes dela ter se tornado atriz. Está nesse livro O Monstro dos Olhos Azuis. Nós fizemos uma leitura dramatizada, encenada, lá em Sao Paulo, que foi muito bacana. Isso tudo fez parte do centenário.

Em foco – No ano de 2019, você interpretou o mesmo personagem que Tônia, sua avó, na década de sessenta do século passado interpretou em Navalha na Carne, texto de Plínio Marcos. Como foi essa experiencia de interpretar Neusa Sueli?
Luisa Thiré – A experiencia de interpretar Neusa Sueli foi realmente ímpar. Ela é uma personagem muito densa. Uma mulher sem esperanças. E que não sabe disso, não tem noção alguma. Mulher totalmente submissa ao cafetão dela. De certa forma, ela é por ele apaixonada, e faz qualquer coisa por ele. Tudo aquilo que nós mulheres viemos lutando, está tudo presente na Neusa Sueli. A submissão dela, a estagnação dela de achar que a vida é isso mesmo, que esta maneiro. Ela não tem horizonte algum. De saber que ela pode mudar, que ela pode, que ela merece sair daquela situação, nao passa pela cabeça dela. Muito atual. Foi uma experiencia maravilhosa! Eu produzi, e chamei o Gustavo Wabner para dirigir. Primeira direção dele. Ranieri Gonzalez, e o Alex Nader são dois colegas maravilhosos de cena, dois atores incríveis. E nós tínhamos uma montagem bastante potente, que agradou bastante. Viajamos bastante. Fizemos todos os festivais. Foi muito bacana!
Em foco – Na televisão, você também tem atuado em inúmeros projetos. Qual é a diferença entre atuar num palco de teatro e na TV?
Tônia Carrero – A maior diferença é a maneira como você tem que expressar aquilo, mais a construção das personagens, e elaboração de todo aquele universo. É parecido mergulhar para dentro do texto, dentro da personagem, você descobrindo aquelas coisas. Mas na hora que você botar para fora, você expressar, você contar aquela história. Se você está no palco, você tem que se preocupar com a pessoa que está sentada na última fileira, você tem que levar aquilo para a plateia, você precisa de um pouco mais de potencia de voz, física, de energia. Quando você tem a câmera, ela própria realiza esse trabalho. A câmera vem até você. Tem o microfone pertinho. Fica parecido com uma conversa ou um jogo da vida mesmo. Você precisa falar só para o outro que está aqui para lhe escutar. E a câmera vem buscar você. Você não precisa se preocupar em jogar isso para uma plateia. Mas toda a construção, elaboração e entendimento, a história, o entendimento da personagem, construção disso. Esse primeiro momento do trabalho deve estar presente sempre.
Em foco – Para você, qual é o significado de atuar?
Luisa Thiré – O significado de atuar, no meu ponto de vista, é onde mora toda a minha liberdade, é onde está o meu maior prazer pessoal, indivíduo. Eu sou mãe, tenho três filhos. É claro que isso virá sempre na frente. Realmente, o meu maior tesouro são os meus três filhos. E eles estarão sempre na frente de tudo. É hors-concours. Mas atuar está diretamente ligado a minha individualidade. Ao meu ser. Antes de ser mae, antes de ser filha, antes de ser neta, antes de ser irmã, antes de ser mulher, antes de ser qualquer coisa, atuar é onde eu fico livre, fico plena, onde eu me permito coisas que eu nao permito na minha vida, é um lugar muito incrível, e onde eu preciso ter muita responsabilidade, pois é o exercício do meu ofício. É o meu ofício, o meu trabalho. É uma coisa séria, importante, que eu respeito, que eu amo demais, e enalteço esse ofício porque eu acho incrível esse ofício, libertador, sério e difícil. Atuar é algo SÉRIO e exige RESPONSABILIDADE.
Em foco – Quais são os seus planos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para os seus seguidores.
Luisa Thiré – Eu tenho alguns projetos futuros no teatro, embrionicos ainda, catando direitos autorais, dentre outras coisas. Mas essa peça A Inquilina está começando agora. Nós fizemos uma temporada lá em Sao Paulo, duas semanas em Niterói, e agora nós estreamos aqui no CCBB RIO. Todos os meus planos agora sao voltados para A Inquilina. Nós queremos rodar todo o Brasil. Queremos fazer em Portugal. Queremos levar essa história para muita gente, muitas mulheres, estamos muito apaixonadas por essa história. Meus planos no futuro mais próximo é contar essa história para um maior número possível de pessoas, e que todos merecem e devem conhecer.
Venham assistir A Inquilina no CCBB RIO, de quinta a domingo. Quinta a sábado as 19 horas. E domingo as 18 horas. Até o dia 04 de fevereiro. Ingressos com preços super acessíveis. Venham!