Em foco – Um pequeno perfil da curadora e crítica de arte Denise Mattar.
Denise Mattar – Sempre gostei de artes desde pequena, e por isso, bem jovem, comecei a trabalhar em galerias. Tive a sorte de trabalhar no Rio de Janeiro com Franco Terranova, dono da Petite Galerie, um marchand muito especial, amigo dos artistas. Depois trabalhei com Walmir Ayala, um crítico de arte muito conhecido. Tive também a oportunidade de trabalhar como assistente de cenografia de Lina Bardi. Minha escola foi informal, mas de muita qualidade… Em 1985 fui convidada a trabalhar no Museu da Casa Brasileira, depois fui para o Museu de Arte Moderna de São Paulo, e a seguir Museu de Arte Moderna do Rio. A partir de 1997 comecei a trabalhar como curadora independente e sigo até hoje.
Denise Mattar – Sou uma pessoa muito séria e profissional, mas apaixonada, e com uma pitada de loucura. Gosto da vida, das pessoas e de Arte. Na minha vida tudo é trabalho, e nada é trabalho… É isso.
Em foco – Qual é o papel do curador nas artes?
Denise Mattar – O termo curadoria começou a ser usado por volta dos anos 1980, mas antes disso a função era exercida com outros nomes. Alfred Barr, por exemplo, foi diretor do MoMA por 40 anos, mas na verdade exercia as funções de curadoria, isto é escolhia a programação, elaborava exposições, eventos e criou uma tipologia para os Museus de Arte Moderna, que até então não existiam.

Em foco – O que faz o profissional responsável pela curadoria de exposições?
Denise Mattar – Basicamente o trabalho do curador de exposições é contar uma história através das artes plásticas, e isso varia conforme o tipo de exposição, se é uma coletiva, uma individual, uma retrospectiva, um salão, uma mostra temática. Basicamente curador vai selecionar os artistas, suas obras, e estabelecer uma ordem de apresentação. Uma exposição é um ensaio visual, e há estilos de curadoria, alguns curadores só trabalham com arte contemporânea, outros com artistas de um determinado período. Já eu sou bem eclética. Um dos elementos principais para mim é trazer algo novo: um artista esquecido pelo circuito de arte, ou uma nova visão sobre alguém bem conhecido. Isso exige uma pesquisa cuidadosa, que é o alicerce de uma boa curadoria. Aí vem a parte difícil, pois fazer uma curadoria é selecionar, e no final temos que escolher o que não vai ser mostrado… portanto tenho sempre em mente, desde o início, o espaço no qual a exposição será apresentada. As obras têm que dialogar entre elas. E como uma mostra só tem sentido se for vista, procuro criar formas para que o público se sinta acolhido, para isso crio divisões em núcleos, textos acessíveis, e um percurso, quase como um roteiro de cinema. Na ocupação do espaço, junto com o designer de montagem, utilizo cores, som e luz para que a visita seja prazerosa e envolvente.
Em foco – Você dirigiu instituições relevantes no campo das artes no Brasil como Museu da Casa Brasileira – São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Comente sobre essa experiência a frente destes espaços institucionais?
Denise Mattar – Em 1985 fui convidada por Roberto Duailibi para trabalhar com ele no Museu da Casa Brasileira, para o qual ele havia sido indicado como presidente. Lá, embora com o nome de Diretora Técnica, eu exercia, na prática, a função de curadoria. Assim, encaminhei o Museu para a tipologia de Design, batalhei para a criação do Prêmio Museu da Casa Brasileira, que existe até hoje, criei exposições emblemáticas como Cadeira, Evolução e Design, e recebi outras como Morada Paulista, de Maria Alice Milliet. Em 1987 ganhamos o prêmio do ICOM – International Council of Museums como museu revelação. Com a mudança do governo Duailibi decidiu sair do museu e fui imediatamente convidada a ser Diretora Técnica do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde permaneci por dois anos. De lá, fui trabalhar no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, como Coordenadora de Artes Plásticas, onde exerci essa função por 7 anos. A partir de 1997 decidi trabalhar como curadora independente, e realizei no Centro Cultural Banco do Brasil, uma trilogia de centenários: Di Cavalcanti, 1997, Flávio de Carvalho, 1999, e Ismael Nery, 2000. Com essas mostras recebi os prêmios da Associação Brasileira de Críticos de Arte e também da Associação Paulista de Críticos de Arte. E preferi não mais voltar a ser fixa de nenhuma instituição, podendo escolher os artistas que me interessavam.

Em foco – Você também atua na parte do ensino? Como você avalia as instituições universitárias brasileiras no campo das artes plásticas?
Denise Mattar – Durante alguns anos dei aulas de produção de artes plásticas dentro do MBA de Gestão Cultural da Universidade Cândido Mendes. Hoje só dou cursos livres e curtos, pois tenho realizado exposições em cidades como Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife. Nesse momento estou com a exposição Armorial 50 em Campina Grande na Paraíba. Por isso não tenho como das aulas fixas ao longo do ano, mas acabei de fazer o curso Ianelli – Percurso Curatorial para o Museu de Arte Moderna de São Paulo. Apesar de reconhecer o seu valor e seriedade tenho restrições à atuação das instituições universitárias, pois, de modo geral sua produção é muito hermética não alcançando o público leigo.
Em foco – Em que país visitado você encontrou mais dedicação a arte em termos de exposições e investimentos?
Denise Mattar – Sem dúvida a Alemanha. Nos Estados Unidos, embora haja uma política constante de investimentos na cultura, a nível federal, estadual, municipal e também da iniciativa privada, você tem cada vez mais a cultura do block-buster – a exposição que faz fila na porta. Na França os museus são administrados por órgãos governamentais, então há investimento, porém mais voltado para as instituições. Na Alemanha além de museus primorosos em todas as cidades do país, existe um grande apoio aos artistas.
Em foco – Você tem sido a curadora de diversas exposições de sucesso de público e de crítica. Vamos falar sobre a exposição Armorial realizada no CCBB RIO. Qual foi a importância do Movimento Armorial para a cultura brasileira?
Denise Mattar – A exposição Armorial 50 surgiu com o compromisso de reapresentar ao público, sobretudo às novas gerações, o trabalho pioneiro e engajado de Ariano Suassuna, mostrando como ele propunha criar uma arte erudita a partir das mais autênticas e tradicionais manifestações artístico-culturais populares do Nordeste, uma volta às raízes brasileiras, com profundo respeito à diversidade, às tradições de negros, índios e brancos, mas apresentando tudo de forma mágica, lúdica, plena de humor – um humor que faz pensar. Uma lição de vida e de resultados positivos, resultados que devem ser mostrados para a sociedade improdutivamente polarizada na qual vivemos hoje. Apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil, nas unidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, a mostra foi um grande sucesso, em todos os lugares, pois as pessoas se sentem identificadas com ela. Atualmente, com o patrocínio da Petrobrás a exposição está no Museu de Arte Popular da Paraíba, em Campina Grande.

Em foco – E, qual foi o legado deixado por Ariano Suassuna para a cultura brasileira?
Denise Mattar – Embora o Armorial não exista mais como movimento, seu conceito e estética deixaram frutos que podem ser vistos na arte contemporânea, em artistas como Romero Andrade Lima, na dança com o Grupo Grial, nos livros de Socorro Acioli, no cinema e televisão, em autores como João Falcão, diretores como Guel Arraes e Luiz Fernando Carvalho, e atores como Antônio Nóbrega.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros?
Denise Mattar – Estou preparando duas grandes exposições para Fortaleza, a Unifor Plástica, de artistas contemporâneos cearenses, e uma mostra de longa duração para o Museu da Fotografia. Em agosto faço o lançamento do livro sobre Reynaldo Fonseca, que acontecerá junto com uma exposição na Galeria Marco Zero, no Recife. E, finalmente, iremos apresentar a exposição Armorial 50 no Recife em outubro próximo, no MEPE.
Em foco – Como você avalia a situação do Brasil no que diz respeito ao apoio as artes plásticas?
Denise Mattar – O apoio ainda é muito pequeno, as artes plásticas não estão entre as prioridades a nível governamental, e nossos empresários são bastante insensíveis. Ambos preferem apoiar eventos esportivos, música, etc. porque acham que tem mais público, mas isso não é verdadeiro, pois, mesmo exposições pequenas tem público de 10.000 a 20.000 pessoas, sem falar nas grandes, quando esse número pode chegar a 500.000.