Um pequeno perfil da artista plástica Anna Costa e Silva.
Anna Costa e Silva é artista visual e diretora. Seu trabalho acontece nas interseções entre artes visuais, cinema, performance e práticas relacionais.
Trabalha a partir de situações construídas entre pessoas, que propõem reformulações dos tecidos sociais e afetivos, tendo o encontro como principal matéria. Passa seus dias num híbrido de arte vida, dormindo na casa de pessoas desconhecidas e conversando antes de dormir, oferecendo companhia, escaneando sonhos em 3D, orquestrando acasos.
Mestre em Artes Visuais pela SVA, NY. Recebeu prêmios como FOCO Bradesco ArtRio, Bolsa Funarte de Produção Artística, American Austrian Foundation Prize for Fine Arts, e foi indicada aos prêmios PIPA e Marcantonio Vilaça. Em 2022, participou da 13 Bienal do Mercosul, foi ganhadora do prêmio de residência Terremoto Ubisoft, e também da prestigiosa bolsa Franklin Furnace para realizar um novo trabalho performático em Nova York, 2023.
Entre suas exposições individuais, estão: “Tamagotchi_balé” no Centro Cultural Municipal Hélio Oiticica (2023); “E tudo me parece voo” na Galeria Superfície (2019); “Éter” no Centro Cultural São Paulo (2018); “Assíntotas” na Caixa Cultural (2014); e, “Púrpura”, uma experiência móvel pela cidade do Rio de Janeiro (2018-19).
Participou de exposições coletivas como “Unânime Noite” no Contemporary Art Center; Vilnius, curadoria de Bernardo de Souza; “Art In Odd Places”, NY, curadoria de Nicolás Estevez Rocio Aranda-Alvarado e Jody Wainberg; “O que vem com a aurora” na Casa Triângulo, SP, “Encruzilhada” no Parque Lage, curadoria de Bernardo Mosqueira; e, “Abre Alas” na A Gentil Carioca.
Anna foi também artista residente no Pivô e no Phosphorus, SP; nos estúdios da Ubisoft, Canadá, em residência promovida pela Terremoto Mx, na School of Making Thinking, NY e na Salzburg Academy, Austria.
Entre 2021 e 2023 foi artista residente na Secretaria Municipal de Cultura, Rio de Janeiro, como parte do projeto RASP.
Tem trabalhos em coleções públicas e particulares, entre elas o Museu de Arte do Rio e o IMS. Começou sua trajetória dirigindo curtas metragens e trabalhou como assistente de direção para diretores como Cacá Diegues, Jorge Durán e Marcos Prado. Dirigiu as séries documentais “Olhar” para o Canal Arte1, e “Os Ímpares” para o Canal Curta.
Portanto, Anna é uma jovem artista talentosa, que tem apresentado sua arte em diversos espaços.
Em foco – Como se deu o seu interesse pelo cinema e pelas artes visuais?
Anna Costa – Olha, eu comecei a trabalhar e a fazer meus projetos muito cedo. Sempre fui muito fascinada pela palavra, e desde que eu posso me lembrar, escrevia pequenos romances. Era uma coisa curiosa, eu era uma pré adolescente e tinha esses projetos de livros, e levava muito a sério, escrevia todos os dias. Na adolescência, comecei a estudar teatro, depois fotografia e vídeo, e me parecia que o audiovisual, a imagem em movimento, convergia uma série de interesses: a escrita, a construção de imagens, o trabalho com atores, e essa coisa de esculpir no tempo, que é muito fascinante. Desde muito jovem, tinha a certeza de que dedicaria minha vida a esses projetos artísticos, que queria experimentar o mundo dessa forma e, a partir daí, fui passeando por muitos universos. Percebi que existiam muitos caminhos para além do cinema narrativo, muitas possibilidades de expandir essas telas, de criar relações distintas com o espaço, com a arquitetura e com o corpo.
Em foco – Como você relaciona o cinema com as artes visuais? São áreas que dialogam?
Anna Costa – Uma coisa que me fascina na arte contemporânea, nessa possibilidade de borrar fronteiras, de misturar linguagens, é que cada trabalho é como um mundo, tem seu próprio repertório, seu próprio idioma, suas próprias relações. E que, como artistas, a gente orquestra essas relações, cria esses vocabulários. Eu sou fascinada pela imagem em movimento, e pelo dispositivo do cinema – a sala escura, a experiência narrativa, contínua e coletiva. Mas pensar em outros dispositivos possíveis, para além desse, sempre me impulsionou. Pensar numa experiência cinematográfica expandida. A relação do vídeo com o espaço expositivo, a possibilidade de criar outras experiências narrativas, outras experiências de corpo, a partir do que se constrói em termos arquitetônicos, a possibilidade de escolha e fruição da/do espectadora/o nesse espaço, que se dá de uma forma bem diferente do que a sala de cinema. O que acontece quando temos 3 (três) telas, ou 7 (sete), quando elas mudam de tamanho, quando preciso me inclinar, ou me deitar para vivenciar uma experiência com um vídeo, ou quando o filme dura 24 (vinte e quatro) horas e se pode visitar o museu de madrugada para assisti-lo.
Mas o desejo de expandir certas convenções do dispositivo cinematográfico, certamente vem de muitos anos de estudo do cinema, e, principalmente, da experiência de trabalho em sets de filmagem. Os sets de filmagem são lugares mágicos, de uma intensidade relacional rara de se observar, e considero essas experiências de combustão entre pessoas como uma estrutura fundante da minha pesquisa enquanto artista.
Em foco – Performances também são uma marca do seu trabalho. Comente fale essa opção em trabalhar com as performances.
Anna Costa – Eu comecei a trabalhar com performance em 2012, fazendo uma série de dispositivos de encontros e escutas um para um. São experiências performativas que acontecem na contramão de uma ideia de espetáculo, são situações entre duas pessoas, que abrem um campo para que algo aconteça, ali. Eu me interesso muito por esse estado do encontro, sabe? Isso que pode acontecer entre duas pessoas e justamente como nesse espaço entre podem acontecer combustões e a abertura para outras percepções do espaço-tempo. A performance tem a coisa do tempo real, é a vida acontecendo ali, e eu gosto de pensar na vida como um campo de trabalho, de trabalhar no campo da vida. Realizei uma série de trabalhos que exploram esses limiares, tais como o Éter, em que dormia na casa de pessoas e tínhamos conversas antes de dormir, e Ofereço Companhia, em que me coloquei à diposição 24/7h durante 21 dias para encontros de qualquer natureza. Eu vejo as experiências relacionais como a força motriz do meu trabalho, algo que atravessa todos os projetos, independente da linguagem na qual se desdobram.
Em foco – Na exposição Tamagoshi_ballet, você trabalha a relacão entre o distópico, o onírico, e o digital. Como foi pensar essa dificil relação?
Anna Costa – Tamagotchi_balé nasce de um sonho muito distópico. Eu estava fazendo um curso de futuro para aprender a viver num mundo sem relações. Era um mundo ultra produtivo, no qual o amor era extinto por ser considerado violento demais, por atrapalhar o “propósito” de ação-produção. Acordei desse sonho com uma sensação terrível, justamente por observar como ele está bastante alinhado com algumas diretrizes desse capitalismo tardio, neoliberal, que vivemos. Era como se ele estivesse só alguns passos à frente. Resolvi que a minha maneira de abordar essa questão seria justamente oposta à do sonho, eu partiria de experiências relacionais. Fiz uma chamada aberta para ouvir sonhos relacionados com o meu, foi um processo de escuta que levou anos – com uma pandemia e com o isolamento social nesse percurso – e que culminou numa residência nos estúdios da Ubisoft no Canadá, em que eu escutei sonhos de programadores, que depois também colaboraram comigo na parte 3D da exposição. Foram esses sonhos que deram origem aos vídeos, que, no espaço, criavam uma experiência instalativa e distópica, com dimensões cinematográficas. A exposição lida, essencialmente, com a relação entre a nossa subjetividade e a das máquinas, e como existe uma simbiose aí, estamos cada vez mais próximo de uma estrutura emocional maquínica e isso é bastante distópico. Acredito que existe uma ambiguidade interessante nesse processo pois é uma exposição que discorre sobre essa distopia das relações, mas que é construída, justamente, a partir de processos relacionais.
Em foco – Como você pensa na relação arte e tecnologia?
Anna Costa – Tenho pensado muito sobre a ideia de tecnologia e sobre a importância de expandirmos a nossa noção de tecnologia e reconhecermos uma série de tecnologias ancestrais, tecnologias do corpo e do coletivo. Os sonhos por exemplo, a possibilidade de escutá-los, de nos movermos a partir deles. Os processos corporais, a forma como nosso corpo reage e se mistura com as experiências e com o campo, os rituais, as experiências de retorno. São tecnologias que têm me interessado.
Em foco – Você também tem dirigido videos-conceitos e séries documentais sobre o trabalho de artistas. Comente sobre essa experiência.
Anna Costa – Eu trabalho com audiovisual desde 2006. Trabalhei muito como assistente de direção e dirigi documentários para TV. O principal desses trabalhos foi o Olhar, série de 12 episódios que dirigi para o Canal Arte1, que era uma imersão no universo artístico de 24 artistas, na qual pude visitar ateliês e conversar por horas sobre questões que movem cada uma e cada um. Foi uma experiência riquíssima, algumas das filmagens foram como conversas intermináveis, e ter esses programas na TV me deixa muito feliz, pois acredito que são trabalhos e pensamentos de mundo que precisam ser espalhados para além da nossa bolha da arte contemporânea. A prática documental é muito interessante, pois trata-se, também, de uma situação construída, de um campo, um processo de escuta, é sempre uma relação. E me interessa muito poder dialogar com outras audiências.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros?
Anna Costa – Em novembro de 2023 vou fazer uma performance em Nova York, em parceria com a artista Nina Terra. Essa performance é um experimento vocal e tem como ponto de partida um processo de escuta entre mulheres sobre silenciamentos e violências que experimentamos. Ela pensa sobre a marginalização dos sons femininos – em termos bastante físicos mesmo, de timbre, de sonoridade, que refletem o projeto patriarcal de calar mulheres. Pretendemos trabalhar com um coro. Ganhei o prêmio da Franklin Furnace para realizar esse trabalho e ela vai acontecer no Grace Exhibition Space.
Em foco – Como você avalia a situação dos artistas no contexto brasileiro? Vale a pena ser artista em terras brasileiras?
Anna Costa – Olha, é sem dúvida um ato de resistência, especialmente nesses últimos anos, em que a aniquilação da cultura era um projeto de governo. Certamente, estamos caminhando para tempos melhores, e isso me conforta muito – não só pensando na cultura, mas no projeto de país mesmo, a cultura é parte disso. É impossível pensar em arte sem pensar em política. Acredito muito na importância dos editais, dos mecanismos de fomento, que possibilitam que tantos trabalhos sejam realizados sem estarem diretamente ligados aos interesses do mercado, o que eu acredito ser essencial.
Fotos: Divulgação