Il Trittico é uma obra de Giacomo Puccini, composta por três óperas em um ato: “Il Tabarro”, “Suor Angelica” e “Gianni Schicchi”. As óperas independentes foram apresentadas em sequencia, com intervalos entre as mesmas.
Na ópera Il Tabarro, cujo libreto é de autoria de Giuseppe Adami, o tema central é o relacionamento desgastado de Giorgetta e Michele, e o extraconjugal e perigoso de Giorgetta e Luigi. Michele ao descobrir a traição, mata Luigi e coloca sobre o corpo morto o seu capote, o mesmo que servia para acariciar sua cônjuge. É uma ópera de caráter dramático.
A trama se passa num atracador as margens do rio Sena, com vários trabalhadores, estivadores, catadores. Lugar simples, humilde, paredes com tijolos aparecendo, sujo. Expõe a realidade dura dos trabalhadores. A pobreza e a miséria da cidade de Paris no início do século XX.
A apresentação foi acompanhada pela interpretação forte e potente tanto da soprano Eiko Senda (Giorgetta) quanto do tenor Enrique Bravo (Luigi). Musical e dramaticamente, a dupla foi irrepreensível.
Também não podemos deixar de mencionar Marcelo Ferreira, interpretando um Michele traído e furioso, que apresentou um timbre luminoso, pungente, e potente.
Por sua vez, na ópera Suor Angelica, todas as vozes são femininas. Não há nenhum personagem masculino participando da peça. O libreto é de Giovacchino Forzano.
O tema central é o relacionamento de uma nobre jovem solteira, Angelica, que engravidou e, como consequência, foi internada num convento na Itália, no final do século XVII, sem sequer ver o filho ou ter notícias dele, mesmo quando este filho adoeceu e morreu. Como a primeira também é dramática.
Ludmilla Bauerfeldt interpretando Suor Angelica é quem dá o verdadeiro espírito do drama, adquirindo profundidade. Ela deixou transparecer com uma voz forte e uma profunda carga emocional a dor contida, a sensação de incomodo, de um trauma, que extrapola do fundo do coração.
Na interpretação de excelência de Ludmilla, Suor Angelica – a pobre freira órfã, separada do filho, abandonada pela família e internada em um convento sem receber qualquer notícia ou visita durante sete anos – ganhou corpo e alma. Ela apresentou uma interpretação profunda e construiu arrebatadoramente a sua personagem. Muito aplaudida!
Um momento de ápice da ópera se dá durante o confronto com a tia Principessa – muito bem interpretada por Edneia de Oliveira –, momento em que Angelica se enraivece. A partir desse momento, e ainda mais quando recebe a notícia da morte do filho, ela deixa transparecer a mágoa. E, para se libertar, como era uma exímia manuseadora de plantas, extrai o veneno das flores, e ingere-o, envenenando-se. Contudo, lembra-se que esse ato é um pecado mortal, e começa a rezar fervorosamente a Virgem Maria.
De repente, Angelica começa a se rastejar pelo chão, já sob o efeito do veneno, e vai em direção ao fundo, quando uma porta se abre e vê a sua tia Principessa com o seu filho todo vestido de branco. Logo se vão. Foi uma aparição rápida. A seguir, ela dá o último suspiro. Foi com esse clima de alívio por ter visto o filho, e trágico que a ópera terminou.
A cenografia representa o convento, imperando os tons pastéis. Os figurinos do conjunto das freiras são bonitos e bem reproduzidos.
E, por fim, em Gianni Schicchi, a terceira e última ópera, com libreto de Giovacchino Forzano, o tema central é o amor entre os jovens Lauretta e Rinuccio, que se viabilizou graças à morte e à herança de Buoso Donati (que havia deixado todos os seus bens para os frades). Diferente das anteriores, esta ópera é de caráter cômico.
Gianni Schicchi, o jurista, se passará por Buoso para alterar o testamento e dividi-lo da melhor forma entre os parentes. Esconde o corpo do falecido, chama o tabelião, e num ato de ganancia, sordidez e mesquinharia, refaz a divisão dos bens. Contudo, a mula, a casa, os moinhos e as empresas Donati ficarão para “seu amigo Gianni Schicchi”. Esperto!
O papel-título de Gianni Schicchi foi interpretado por Marcelo Ferreira. Seu timbre de barítono marcante e bem sustentado, com o peso na medida certa, e sua bela dicção abrilhantou a interpretação do personagem cômico de que brilhou de verdade. Ele demonstrou toda a sua verve de comediante.
Na ária O Mio Babbino Caro, que Lauretta (interpretada por Flávia Fernandes) canta para seduzir o pai e convencê-lo a fazer alguma coisa a respeito do testamento de Buoso (que havia deixado todos os seus bens para os frades), Flávia deu um verdadeiro show e o Municipal foi ao delírio, mostrando ser uma cantora com voz potente e interpretação convincente. Ela lançou uma lavareda que iluminou todo o Theatro com a sua interpretação, formando um belo par com Rinuccio, interpretação de Davide Tuscano.
A cenografia reconstitui o quarto de Gianni. E os figurinos são bonitos e irreverentes, traduzindo o caráter cômico da ópera, sobretudo os de Gianni e Zita.
Nas três óperas a temática da morte se faz presente, ainda que seja por diversas formas. Em Il Tabarro, o assassinato de Luigi por Michele em função de traição. Em Suor Angelica, o filho ilegítimo que faleceu da freira. E em Gianni Schicci o falecimento de Buoso Donati.
A cenografia e os figurinos das três óperas são assinados por Desirée Bastos. São bonitos, de bom gosto, criativos, e adequados.
A iluminação é bonita, correta e adequada as cenas das respectivas óperas. Criação de Ana Luzia de Simoni, e Hugo Mercier.
O coro do Theatro regido por Edvan Moraes esteve bem em todas as três óperas, complementando o elenco.
E a orquestra regida por Carlos Vieu deixou mais uma vez a sua marca de excelência.
Pablo Maritano impôs uma direção cênica que valoriza a técnica perfeita da interpretação. Mas deixa também transparecer nas três apresentações a emoção, sobretudo em Suor Angelica, e Il Tabarro.
Il Trittico, de Puccini, é uma ópera com um elenco de primeira; uma direção artística e cenica competente; e figurinos e cenários bonitos e de bom gosto.
Excelente produção de ópera!