Criada no ano de 1987, a Companhia tem produzido diversos espetáculos, sucesso de crítica e de público. Nesses trinta e seis anos, alguns deles foram apresentados no palco do CCBB Rio, como Toda Nudez Será Castigada (2005), Mãe Coragem e Seus Filhos (2007), Hamlet (2017). E, agora acolhe Brás Cubas.
Brás Cubas é uma das mais importantes obras do escritor Machado de Assis. Foi redigida no ano de 1881, inaugurando o chamado realismo, quando o autor passou a escrever apresentando um retrato fiel da realidade e abrindo os olhos “às sardas e espinhas”, passando a apresentar, de forma sarcástica, profundas críticas à sociedade imperial da época. A versão que ora se vê no palco é a produção cênica de Paulo de Moraes, com dramaturgia de Maurício Arruda Mendonça.
O dramaturgo, de forma bastante perspicaz e inteligente, introduziu na cena a figura de Machado de Assis. O autor se transformou em personagem da sua propria obra. Machado, um autor do oitocentos, foi introduzido para dialogar com o público do século vinte e um, que vive numa sociedade globalizada e mundializada, distante daquela em que o “Bruxo do Cosme Velho” viveu, mas com permanências que, com certeza, o devem deixar perplexo. De forma alguma essa introdução é anacrônica. Porque num texto teatral o imaginário não é controlado, existindo a possibilidade do sonho. E do sonho se parte para o real em busca de reflexões.
Brás Cubas é, sem dúvida, o personagem da obra machadiana que é o mais representativo. Cítrico, mordaz, irônico, milionário, ferrenho, pertencente à “boa sociedade” imperial branca e escravista, Brás queria se perpetuar com o nome de emplasto. A crueldade maior do personagem se dava quando ele subia nas costas do seu escravo Prudêncio, e o fazia de cavalo ou burro de carga. Até hoje, as marcas da violência da escravidão se fazem presentes na sociedade brasileira, pois tal é o tamanho da exclusão.
No espetáculo, Brás Cubas é desmembrado em dois, que se alternam o tempo todo. O ator Sérgio Machado interpreta Brás do nascimento ao falecimento. E, Jopa Moraes interpreta o defunto, que narra as suas memórias depois da morte. Os dois estão afinadíssimos.
Como também estão os demais atores e atrizes em seus respectivos personagens: Bruno Lourenço como Machado de Assis; Isabel Pacheco como Virgília; Felipe Bustamante como Quincas Borba; Lorena Lima como Marcela.
A iluminação nota dez é do renomado Maneco Quinderé. Por sua vez, a cenografia de Carla Berri e Paulo de Moraes, e os figurinos de Carol Lobato são adequados e pertinentes ao espetáculo. A direção de produção coube a Patrícia Selonk e Bruno Mariozz, deixando transparecer o quanto se esforçaram para produzir um excelente espetáculo.
Para finalizar, quando entramos no teatro 2 do CCBB RIO, local onde a peça está sendo exibida, recebemos uma caixa do medicamento Emplasto Brás Cubas. E, inserido na mesma, aparece a bula do remédio, que vem a ser o programa da produção cênica, com informações aos pacientes sobre as suas indicações; de como funciona o medicamento; onde, como e quanto tempo podemos guardá-lo; quais os males que pode causar, como os delírios que Brás teve antes de falecer, quando um hipopótamo lhe propôs uma viagem pelos tempos. Tal como o espetáculo, o programa na forma de uma caixa de medicamento deixa transparecer a criatividade e o talento daqueles que produziram tão excelente peça.
E, vamos prestigiar, porque a vida é boa! E a peça é excelente!
Texto crítico produzido por Alex Gonçalves Varela.
Foto: Mauro Kury