Soraya Ravenle tem uma carreira consolidada na dramaturgia e na música. Poder assistir essa artista unir esses dois mundos em um espetáculo é uma oportunidade de testemunhar seu talento. Atualmente, Soraya apresenta o espetáculo “O Verbo é Ir”, com somente duas apresentações no Espaço Cultural Municipal Sergio Porto, nos dias 2 e 9 de abril, dentro da mostra teatral Movimentos de Solos.
Na cena, um violoncelo respira junto à voz. Palavras que já foram carta tornam-se canção. As mãos desenham no ar uma outra língua, que também é poesia. Em “O Verbo é Ir”, Soraya Ravenle e a violoncelista Maria Clara Vale transformam um documento íntimo – uma carta de amor escrita pelo jornalista Geneton Moraes Neto à jovem Beth Passi – em um acontecimento cênico feito de afeto, música, silêncio e presença. As apresentações contam com a tradução de LIBRAS feita pela intérprete Cláudia Chelque. A proposta foge das classificações fáceis: não é peça, não é show, mas um atravessamento. Um convite a experimentar o verbo como movimento e o movimento como forma de existir.
Essa inquietação que impulsiona Soraya a seguir criando também transborda para além de sua obra. Junto a outras artistas da cena carioca, ela está à frente da segunda edição da mostra teatral Movimentos de Solo, que ocupa o Espaço Cultural Municipal Sergio Porto com apresentações semanais de março a maio. A curadoria valoriza vozes femininas em trabalhos autorais, íntimos e potentes, onde cada solo carrega a força de uma coletividade que se apoia, se provoca e se reinventa a cada quarta-feira.
Na entrevista conduzida por Rodolfo Abreu, Soraya compartilha as sementes que deram origem ao trabalho “O Verbo é Ir”, fala também sobre o processo coletivo da mostra Movimentos de Solo, além de contar um pouco dos seus próximos passos artísticos.
Em um momento em que as artes cênicas enfrentam desafios imensos para se manterem vivas e acessíveis, o gesto de Soraya e suas parceiras do Movimentos de Solo é político e poético. Elas seguem movendo-se, mesmo de forma independente, para afirmar que a arte pulsa, insiste e resiste. Porque o verbo, afinal, é ir – e também permanecer, de alguma forma, em cada um que assiste, sente e se deixa tocar.
Acompanhe a entrevista de Soraya Ravenle parao jornalista Rodolfo Abreu.

Rodolfo Abreu: O espetáculo “O Verbo é Ir” foi inspirado por uma carta do jornalista Geneton Moraes Neto para sua então namorada Beth Passi. Qual sua relação com eles e como surgiu a ideia de criar esse espetáculo?
Soraya Ravenle: “O verbo é ir” nasceu de um apaixonamento que tive por uma carta do jornalista e cineasta Geneton Moraes Neto endereçada para sua então namorada Beth Passi quando jovens estudantes em Paris. Me senti atravessada pelo texto que é uma ode a vida como movimento constante e infinito. Beth que considero como uma prima querida, é de fato prima irmã do pai da minha filha e meu irmão de vida: Isaac Bernat. Quando Geneton faleceu, ela me deu a biografia escrita por Ana Farache e Paulo Cunha que saiu pouco tempo depois. Nela estava a carta que Geneton entregou para a Beth quando ela resolve voltar para o Brasil.
Rodolfo Abreu: A linguagem escolhida foi musicar a carta e, para isso, você contou com a participação da Maria Clara Vale no violoncelo. Nessas apresentações também temos a intérprete de LIBRAS Claudia Chelque. Como está sendo essa dinâmica?
Soraya Ravenle: Primeiro musiquei o texto em prosa, e para isso tive a interlocução do músico Azulllllll. Depois chamei Maria Clara para arranjar e estar comigo em cena, mas com a provocação de que não fosse uma relação de acompanhadora, mas sim para ela estar como intérprete solista também. Isso nos levou para um lugar outro de tratar a obra musical e nossa contra cena. Esgarçamos alguns momentos da prosa e da melodia, abrimos frestas, falhas, silêncios, repetições e assim foi nascendo esse poema-cênico-musical. Talvez essa seja uma boa nomeação para o que estamos fazendo, já que é difícil nomear. Não é um show nem uma peça, algo que transita entre a palavra falada, cantada, dançada, penso que criamos uma língua particular. Contamos com colaboração na direção de Laura Samy, na dramaturgia de Lili Rovaris que nos apresentou o poema do Fernando Pessoa do “Livro do Desassossego” que dialoga lindamente com a carta.
Conheci Cláudia uma semana antes da nossa apresentação, ela assistiu nosso ensaio e provocou uma revolução: ela nos mostrou a importância de incorporar a intérprete de LIBRAS no acontecimento cênico, cruzar as línguas e linguagens nos fazendo chegar em uma inclusão real. Está nos ensinando muitas coisas a respeito do que é, e como promover de fato a inclusão de pessoas com deficiência nas artes da cena. Já incluímos gestos de LIBRAS na minha performance. Está acontecendo uma troca que enriqueceu e transformou o trabalho de duo num trio.

Rodolfo Abreu: A mostra “Movimentos de Solo”, que seu espetáculo integra, tem também sua organização junto a outras mulheres com solos que trazem reflexão e emoção aos espectadores do teatro. Qual a importância dessa mostra e o que vocês esperam?
Soraya Ravenle: Movimentos de Solo é um coletivo de mulheres artistas se movimentando juntas, em bando, para mostrar poéticas femininas que estão sendo criadas por artistas diversas. Criamos um lugar de encontro e reflexão, já que também serão apresentados processos em andamento. Para mim é enriquecedor estar com artistas que admiro como a Daniele Ávila Small, Laura Samy, Denise Stutz, Stella Rabello, Tracy Segall, Lorena da Silva, Lara Cunha. Um lugar de aprendizado e de juntar forças. Esta é a segunda edição da mostra entre 12 de março até 28 de maio, todas as quartas-feiras. É uma iniciativa sem apoio algum financeiro, realizada com a colaboração mútua de nós artistas, e técnicas e equipe de cada trabalho. Todas as sessões contam com a interpretação em libras pela Cláudia Chelque, apoiadora da mostra.
Rodolfo Abreu: Recentemente você participou de produções muito bacanas como o musical “Nossa História com Chico Buarque”. Quais outros projetos seus estão para voltar em cartaz ou estrear?
Soraya Ravenle: “Nossa História com Chico Buarque” volta em junho para uma temporada de um mês no João Caetano, teatro que amo e já estive tantas vezes!
Estou preparando um próximo solo a partir da música “Grávida” da Marina Lima e Arnaldo Antunes, com dramaturgia e direção da minha filha Julia Bernat onde pretendemos refletir como uma mulher, artista, de 60+ pode e deve estar e ser fértil de alegria, vida, desejos, projetos nessa que seria a última cavalgada da sua existência. Terá direção musical e arranjos de Tim Rescala e Pedro Franco.
Acompanha Soraya Ravenle nas redes sociais: @sorayaravenle
Mostra teatral “Movimentos de Solos” @movimentosdesolos

O verbo é ir
Com Soraya Ravenle e Maria Clara Vale – 2 de abril às 19h30 e 9 de abril às 20h
Uma carta do jornalista e cineasta Geneton Moraes Netto para sua então namorada e futura companheira Beth Passi, em 1981 recebe melodia de Soraya em diálogo com Azullllllll e arranjo de Maria Clara Valle para voz e violoncello. A partir desse gesto, com a colaboração na direção e dramaturgia da cena de Laura Sammy, a cena se compõe num diálogo entre duas mulheres, seus rastros, silêncios, memórias, sua música em eterno movimento: “tudo o que é grande e forte é nômade” se torna a frase que desenha essa nova carta endereçada a quem puder ouvi-la.
Disco-inferno
Com Tracy Segall – 16 e 23 de abril às 19h30
Disco-inferno é uma leitura-performance. Em cena, a atriz cercada pelos vestidos originais dos anos 70 que pertenceram a mãe agora com Alzheimer, narra a curiosa mistura de uma doença degenerativa com um ambiente charmoso e pop de discotecas dos anos 80, matinês de carnaval cariocas e piscinas dos subúrbios classe média de Los Angeles. A intervenção de um baterista em cena a pontuar os tempos distintos, diferentes vozes. O encontro com o que se perdeu, uma versão dela, ou várias versões delas, se constroem e se desmontam nessa fala dialógica, pontuada com humor, ensaística por vezes, sobre esse apagamento. Disco-Inferno expõe o que resta debaixo do verniz civilizatório quando as memórias que nos constituem se esfacelem.
Solo um aprendizado (processo)
Com Ludmila Rosa – 30 de abril às 16h
Apresentação do processo criativo do espetáculo Solo Um Aprendizado. Livremente inspirado no romance Uma aprendizagem ou O Livro dos prazeres, de Clarice Lispector e nos escritos de Tim Etchells, Airton Krenak, Emanuele Coccia, entre outros. Uma mulher chega em casa depois de um dia de trabalho e se arruma para um encontro com uma pessoa que prometeu ensiná-la a viver sem sofrer. Desconfiada e curiosa, ela passa por um ritual de enfeitar-se para o outro. Mas que outro? A perspectiva desse encontro aciona uma aventura que questiona o próprio eu e as relações estabelecidas com o mundo em que vivemos.
Demais espetáculos estão sendo adicionados.
Acompanhe a programação da mostra “Movimentos de Solo”:
https://trilhasdacena.com.br/iniciativas/movimentos-de-solo/
A segunda edição da mostra Movimentos de Solo acontece no Espaço Cultural Municipal Sergio Porto, toda quarta-feira, entre 12 de março e 28 de maio, reunindo solos de mulheres.
Com essa dinâmica singular, a mostra marca posição na programação da cidade: em vez de concentrar várias peças num período curto, ela se estende por três meses, com apresentações semanais de espetáculos e processos criativos.