Com o falecimento (em 14 de julho de 2022) por causas naturais aos seus bem-vividos 97 anos de idade, Gilberto Chateaubriand deixa um legado incomensurável para a arte moderna e contemporânea do Brasil.
Considerado um dos maiores colecionadores de arte brasileira, tendo mais de 8 mil obras de diferentes movimentos e correntes artísticas em seu acervo particular, Gilberto generosamente cedeu por comodato, há quase 30 anos, boa parte da coleção ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM).
A valorização da Arte Brasileira
Justamente por suas escolhas, Gilberto Chateaubriand era considerado mais que um colecionador, tornando-se um incentivador de artistas de várias gerações e um entusiastas das artes plásticas. Por conta de seu interesse na arte brasileira, Gilberto dava especial atenção à produção dos artistas nacionais, torando-se muitas vezes o amigo que frequentava os ateliês, além de auxiliar no financiamento de muitas produções.
Seu amor pela produção artística nacional lhe trouxe um profundo conhecimento da arte brasileira. O fato de reunir tantas obras em uma única coleção ajudou a preservar e dar unidade, trazendo um verdadeiro panorama da produção artística brasileira. Outro ponto impotante foi sua generosidade em compartilhar o acervo com o público, ajudando na educação artística da população e na valorização da identidade artística do país.
Em seu acervo há obras de nomes importantes das artes plásticas do Brasil, como Djanira, Lasar Segall, Guignard, Candido Portinari, Iberê Camargo, Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica. Entre as obras estão o “Urutu” (1928), de Tarsila do Amaral, e telas como “O farol” e “A japonesa“, de Anita Malfatti.
Olhar para o novo
Chateabriand ao longo dos anos continuou com seu olhar afinado para a produção artística brasileira, descobrindo novos artistas, diversificando e atualizando sua coleção. Um dos exemplos é o trabalho do artista plástico fluminense Alexandre Mury que, entre outros trabalhos produziu, muitas fotografias de releituras de pinturas icônicas. “Quase tudo que produzi entre 2010 e 2014 o Gilberto adquiriu para a coleção. Fui o artista que ela mais adquiriu obras naquele período. Eu visitava a casa dele e mostrava todo trabalho novo antes de qualquer outro colecionador”, conta o jovem artista que estava por na casa dos 30 anos nesse período.
Alexandre Mury havia começado a se dedicar totalmente ao mundo artístico em 2010, quando largou o emprego em uma agência de publicidade. “De certa forma o Gilberto não só legitimou o meu trabalho inserindo na sua coleção e deixando inscrita na história da arte. O Gilberto foi um adorável, entusiasmado, culto e generoso incentivador de jovens artistas”, reflete.
Gilberto Chateaubriand adquiriu mais de 70 obras de Alexandre Mury, que hoje estão no acervo do MAM-Rio.
Chateaubriand realmente se envolvia com os artistas e estava mergulhado no mundo da arte. “Ele gostava de visitar ateliês, gostava de conversar com artistas. Eu fazia releituras e ela era o único que identificava imediatamente as referências. Até mesmo gente competente em história da arte demorava associar as origens da citação. Mas o Gilberto, muito lúcido, sempre havia uma história pra contar” – lembra Mury com admiração.
O incentivo que Gilberto Chateaubriand dava à produção dos artistas que acompanhava foi fundamental, como recorda Alexandre Mury: “Certa vez, dentro do carro do meu antigo Marchand, falei para o Gilberto, que estava junto de carona, comentávamos saiba quais seriam os próximos trabalhos a realizar. Da janela vi o Cristo Redentor e eu disse que faria o Cristo e o Abaporu. Ele imediatamente disse que, mesmo antes de eu fotografar, a obra já seria dele. Era esse tipo de intimidade e carinho. Era um interesse muito grande por ver todo mundo produzindo coisas surpreendentes e encantadoras para o olhar. Era uma vontade imensa de descobrir e compartilhar tudo sobre a coleção dele”.
Biografia
Gilberto Francisco Renato Allard Chateaubriand Bandeira de Melo nasceu em Paris em maio de 1925, filho do homem mais poderoso do Brasil à época, Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, fundador do MASP e da TV Tupi. Gigil, apelido de infância de Gilberto, teve uma relação conflituosa com o pai. As relatadas brigas entre pai e filho incluíram até mesmo a disputa por uma pintura de Cândido Portinari, Cavalo Empinado, como foi documentado por Fernando Morais na biografia “Chatô, o Rei do Brasil”.
Diplomata formado na primeira turma do Instituto Rio Branco, Gilberto serviu em Paris nos anos 1950, quando comprou obras de artistas europeus — mas não ficou satisfeito com as aquisições. Na Europa, “era impossível fazer uma coleção com fio condutor”, ele disse numa entrevista de 2012. De volta ao Brasil, em 1962, desfez-se do que havia comprado na Europa e passou a se dedicar à arte moderna brasileira.
Gilberto Chateaubriand foi membro do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), da Fundação Cartier para Arte Contemporânea (França), da comissão administrativa da Fundação Bienal de São Paulo, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), do conselho do Paço Imperial, do MAM-RJ e do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).
Gilberto Chateaubriand faleceu em julho de 2022 em sua fazenda em Porto Ferreira, no interior de São Paulo, onde passava a maior parte do tempo. Também mantinha um apartamento no bairro carioca do Leblon. Seu corpo foi seputado no Cemitério São João Baptista, no Rio.
Seu filho, Carlos Alberto Golvêa Chateaubriand está finalizando o Instituto Cultural que leva o nome do pai e será instalado na fazendo em Porto Ferreira.
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