Carol Santaroni tem um jeito doce e acolhedor, daqueles que conquistam com um sorriso calmo e uma escuta atenta. Mas basta o terceiro sinal soar para que essa doçura ganhe densidade e força no palco. Sua presença cênica é daquelas que preenchem o espaço com intensidade e revelam uma artista que encara a atuação esse ofício de forma comprometida. É com essa combinação de suavidade e potência que ela tem construído uma trajetória cada vez mais sólida na cena teatral e audiovisual.
Após a estreia em 2024 no Teatro Poeira, Carol retorna agora ao palco com a segunda temporada do espetáculo “No Front”, no Teatro Glaucio Gill, com direção de Daniel Herz, ao lado de um elenco muito talentoso. A peça, que retrata a tensão de um grupo soterrado em meio à guerra, exige da atriz uma entrega emocional profunda — e ela mergulha com coragem nessa construção. Ao mesmo tempo, Carol assina como diretora assistente o intenso monólogo “Absolvição”, com Andriu Freitas, também dirigido com Daniel Herz, além de celebrar a trajetória do curta “Aro”, que escreveu, atuou e levou para festivais pelo mundo. Mas sua atuação vai muito além do palco: ela também está nas salas de aula, onde apresenta o teatro a novas gerações com entusiasmo e responsabilidade.
Nesta entrevista ao jornalista Rodolfo Abreu, a atriz e diretora Carol Santaroni fala sobre os bastidores desses projetos, as parcerias que moldaram sua visão de arte, e o prazer de ocupar diferentes funções no fazer teatral. De seus alunos aos colegas de cena, todos parecem tocados pela sua generosidade e entrega. E, acima de tudo, pela certeza de que, mesmo nas situações mais adversas — reais ou ficcionais — a arte continua sendo um espaço de encontro, de escuta e de transformação.
Acompanhe a entrevista.

Rodolfo Abreu: “No Front” retornou para sua segunda temporada no Teatro Glaucio Gill, depois de uma estreia marcante no Teatro Poeira em 2024. O que mudou para você — como atriz e como pessoa — entre essas duas temporadas da peça?
Carol Santaroni: Eu considero o tempo de estrada fundamental para o amadurecimento do espetáculo e de cada personagem. Nunca estamos 100% prontos e vamos descobrindo novas camadas, adicionando detalhes, ajustando intenções em diferentes momentos. Um tom de fala que antes fazia sentido, de repente ganha outro significado. Essa é, até agora, a personagem mais densa que tive o desafio de construir. Ela perde tudo. E, com o tempo, sinto que aprofundo a minha dor na dor dela. Vamos crescendo juntas.
Rodolfo Abreu: O espetáculo “No Front” acompanha um grupo de pessoas que está sob forte estresse, devido a um soterramento. Como você acha que a peça contribui para o debate da sociedade sobre o impacto da guerra e as relações humanas?
Carol Santaroni: A peça coloca o público diante de uma situação extrema, onde um grupo de pessoas precisa lidar com o medo, a escassez e a tensão do soterramento. Nesse ambiente de sobrevivência, as máscaras sociais caem e o que aparece são as relações humanas em sua forma mais crua e verdadeira.
A guerra, nesse contexto, não é apenas o conflito armado, mas também a guerra interna de cada personagem: seus traumas, seus limites, suas escolhas. Acredito que a peça contribui para o debate ao mostrar que, diante do caos, o que resta é a humanidade de cada um. E isso nos faz pensar sobre empatia, e a importância do outro em momentos de crise. É um convite à reflexão sobre como nos relacionamos com o mundo, dentro e fora de uma zona de guerra.

Rodolfo Abreu: Você também assina como diretora assistente no monólogo “Absolvição”, com Andriu Freitas e direção de Daniel Herz. Como tem sido essa experiência, especialmente acompanhando um trabalho tão íntimo e intenso como esse?
Carol Santaroni: Receber o convite para integrar a equipe de “Absolvição” foi, desde o início, uma grande alegria, por se tratar de profissionais que admiro profundamente. Quando li o texto, fui imediatamente sugada pelo tema, que é uma denúncia urgente e necessária. Durante o processo, mergulhamos em estudos de casos reais, assistimos a documentários, lemos livros, e isso fez toda a diferença na construção do espetáculo.
Pensar a encenação ao lado do Daniel é sempre um prazer. Foi com ele que, há 20 anos mais ou menos, comecei a fazer aulas de teatro, e ele foi fundamental na minha formação como artista. Temos uma sintonia muito forte e, muitas vezes, pensamos a mesma coisa ao mesmo tempo. Mas, acima de tudo, nos complementamos, inclusive quando pensamos diferente. A encenação que criamos tem muito da nossa essência.
Trabalhamos ainda com um ator extremamente talentoso, generoso e disponível, que é também o idealizador do projeto. Tenho muito orgulho desse trabalho.
Rodolfo Abreu: “Absolvição” prorrogou a temporada até o final de abril no Espaço Abu e tem recebido ótimas críticas. Como tem sido a receptividade do público quanto a esse trabalho?
Carol Santaroni: Sinto que, por ser um tema tão forte, as pessoas saem profundamente sensibilizadas. Conheço alguém que viveu uma situação semelhante à do personagem e, ao final da peça, ela me deu um abraço longo e agradeceu emocionada pelo espetáculo. Momentos assim são muito marcantes. Também percebo que o público tem refletido bastante sobre o que é certo e errado nas atitudes do personagem, gerando debates interessantes. Fico muito feliz em ver que o espetáculo está provocando esse tipo de retorno carinhoso e essa reflexão tão importante. Essa é só a primeira de muitas temporadas.

Rodolfo Abreu: Você colabora frequentemente como assistente de Daniel Herz. O que você destacaria como aprendizado essencial dessa parceria e como isso reverbera no seu próprio processo criativo?
Carol Santaroni: É um privilégio ter passado de aluna a parceira de trabalho do Daniel. Lembro das minhas primeiras aulas, em que eu era extremamente tímida, mas o jogo que ele propunha para as cenas era mais forte que a minha timidez. De repente, a Carol tímida desaparecia, e surgia em mim uma necessidade do jogo.
A pesquisa corporal que aprendi com o Daniel se tornou a minha maior inspiração como artista. E talvez o maior ensinamento que ele me deu tenha sido o de se divertir em cena. E como trabalho também como diretora assistente no curso dele na Casa de Cultura Laura Alvim, aproveito para nunca parar de treinar. O Daniel está sempre propondo uma aula nova, sempre se provocando com novos desafios, e eu aproveito esse espaço para continuar pesquisando novas possibilidades em cena para os meus trabalhos.
Rodolfo Abreu: Além dos palcos e bastidores, você também atua na introdução da atuação para estudantes, dando aulas de teatro em escolas. Como tem sido a repercussão disso e de que forma esse trabalho alimenta sua prática artística?
Carol Santarini: Todo dia, antes de dar aula, eu tento me lembrar de quando comecei a fazer aulas de teatro, do quanto aquele momento era importante pra mim. Dou aula para duas turmas nas sextas-feiras. Quando chego no colégio e ouço as crianças ou os adolescentes dizendo ‘tia, demorou muito pra chegar sexta’, vejo a Carol nas suas primeiras aulas de teatro através deles.
As crianças e os jovens são muito criativos e lúdicos. Eles entram no jogo e se entregam com garra, não economizam energia. Tenho muito amor em apresentar o universo do teatro a tantas crianças e adolescentes.
Sei que, na fase adulta, a maioria deles vai seguir outras profissões, mas a importância social do teatro na vida desses alunos ficará presente para sempre. E ver a alegria deles nas aulas me dá forças para aqueles momentos da carreira em que as coisas estão difíceis e a gente começa a duvidar.

Rodolfo Abreu: Você tem alguns trabalhos no audiovisual. O curta “Aro”, que você atua, tem participado de diversos festivais de cinema pelo mundo. Como tem sido sua jornada no audiovisual?
Carol Santaroni: “Aro” foi o primeiro roteiro de curta que escrevi. Eu já tinha experiência escrevendo cenas para teatro, peças, mas nunca havia me aventurado na escrita de um roteiro para o audiovisual. Tive a ajuda do diretor Pedro Murad, que me orientou na formatação do roteiro e, principalmente, me apoiou nessa jornada. Fui à luta para realizar esse projeto ao lado do ator Andriu Freitas.
Gosto muito de levantar meus próprios projetos e colocar a mão na massa para torná-los realidade. Saber que “Aro” tem sido selecionado para tantos festivais me dá ainda mais energia para investir nesse ramo. É um daqueles projetos que são como um filho, eu escrevi, atuei e agora acompanho de perto, inscrevendo em festivais. Dá trabalho, mas vale muito a pena colocar uma criação sua no mundo.
Tenho mais dois roteiros de curtas prontos e espero, em breve, poder realizá-los também.
Rodolfo Abreu: Com tantos projetos em andamento, como você equilibra os diferentes papéis que ocupa no teatro — atriz, diretora assistente, professora — e o que te move a seguir nesse ofício com tanta dedicação?
Carol Santaroni: Eu me sinto um daqueles bichinhos de teatro. Às vezes, vou dormir pensando em cenas, e acordo com uma nova ideia na cabeça. Depois do terceiro sinal é como se, naquele momento, tudo estivesse bem. É até difícil explicar.
Sou apaixonada por experimentar diferentes funções dentro dessa profissão, porque acredito que a minha atriz fortalece a minha diretora, que alimenta a minha escritora, e assim por diante. Tudo se conecta.
Sou muito grata por cada trabalho do qual tive a oportunidade de participar, e não me vejo fazendo outra coisa.
Ver o olhar atento da plateia, saber que, de alguma forma, aquele trabalho fez diferença para uma pessoa que seja naquele dia, é o que me faz continuar.
Uma vez, fizeram um teatro de rua na praça em frente ao prédio onde moro. Estava um dia de muito calor. Por algum motivo, decidi assistir da janela do meu quarto, apesar da vontade de descer. Mas, mesmo dali, eu conseguia ver bem o público assistindo ao espetáculo. Todos ganharam um leque e se abanavam durante toda a peça, mas não arredaram pé.
Ver aquelas pessoas, mesmo sob o calor, com expressões atentas, felizes, e aplaudindo com entusiasmo no fim… É aí que mora a minha paixão pelo meu ofício.
Acompanhe Carol Santaroni no instagram: @carolsantaroni
Entrevista por Rodolfo Abreu (@rodolfoabreu)
Absolvição
Monólogo que traz as confissões de um homem movido por um propósito obsessivo: caçar abusadores de crianças e fazer justiça com as próprias mãos. Será que esse homem é um anjo vingador em uma missão divina ou simplesmente um assassino? Além de muitas reviravoltas e revelações, o texto dirigido por Daniel Herz também levanta questões profundas sobre ética e justiça.
📅 Prorrogada até 27/04 | sextas e sábados, às 20h | domingos, às 19h
📌Espaço Abu | Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 249, loja E – Copacabana
💵 A partir de R$ 30 (meia-entrada e lista amiga pelo Instagram)
No Front
Nova temporada em abril no Teatro Glaucio Gill, em Copacabana, levando o público a uma experiência de tensão e reflexão. Com direção de Daniel Herz, o espetáculo acompanha um grupo de cinco pessoas presas sob os escombros de um bombardeio, obrigadas a enfrentar seus medos mais profundos enquanto a guerra segue lá fora. Presos sob os destroços, os personagens vivem o colapso de suas certezas e a iminência da morte, em um embate entre o tempo suspenso do soterramento e a brutalidade do conflito.
📅 5 a 28/04 | sábados, domingos e segundas-feiras, sempre às 20h
📌 Teatro Glaucio Gill | Praça Cardeal Arcoverde, s/n – Copacabana
💵 A partir de R$ 30 (meia-entrada)