Uma luz pálida revela o cenário: sobre um grande tapete estão somente uma poltrona confortável e uma mesa lateral que comporta um abajour, uma jarra d’água e um telefone. Esse é o universo escuro e insípido de Margarida Flores, uma mulher que vive solitariamente desde a morte da mãe, na casa onde nasceu e foi criada.
Não é preciso muito para contar a história de Margarida, ainda mais se a personagem for interpretada por Ana Beatriz Nogueira, uma das atrizes com mais recursos artísticos, uma referência na dramaturgia brasileira. Para nos fazer mergulhar no mundo interior de Margarida, Ana Beatriz contrói a personagem habilmente com falas, pensamentos, pausas e trejeitos, apresentando os seus valores e a sua visão do mundo. É como se espiássemos a vida de Margarida através do buraco da fechadura na montagem do monólogo “Um Dia a Menos“, que está em cartaz no Teatro das Artes (Shopping da Gávea) todas as quartas-feiras (15 de nov a 20 de dez) às 20h, adaptado por Leonardo Netto.
Baseado em um conto de Clarice Lispector escrito no ano de sua morte (1977), o texto aborda a solidão humana nos fazendo refletir nossas escolhas, muitas vezes levando as pessoas a se fecharem em seu mundo tortuoso, sem mesmo se dar conta disso. “O que mais me atrai neste texto é a humanidade da personagem criada pela autora. Esta mulher que tem como árdua a tarefa de atravessar um dia inteiro. É de uma humanidade, repito, reconhecível por todos nós”, explica Ana Beatriz.
A vida de Margarida se resume a uma rotina pálida e entediante… mas por muitas vezes também patética: acordar às 4 da manhã, tomar seu café e deixar a xícara para Augusta lavar. Até se lembrar que a funcionária doméstica de uma vida inteira está de férias. Angustiada pela repetição infinita de sua vida, Margarida vai arrumando pequenas coisas para fazer em casa, até que finalmente anoitece e pronto: um dia a menos.
Entre tentar em vão encontrar o jornal do dia que deveria estar à sua porta e almoçar sua galinha esbranquiçada e ressequida, Margarida Flores relembra sobre os trocadilhos que as crianças na escola faziam de seu sobrenome: “Flores de Enterro“… logo ela, que sonhava que a chamassem de “Margarida Flores de Jardim“. Chegava a imaginar o telefone tocando e sendo chamada desta maneira. Mas o telefone não tocava nunca. Até que, naquele dia, o sliêncio foi rompido por um telefonema que, mesmo sendo feito por engano, poderia mudar seu destino. Mas Margarida acaba jogando fora essa oportunidade, porém a faz refletir.
Os dias de Margarida Flores parecem sempre iguais. Mas esse dia, ainda mais solitário que os demais, termina de maneira diferente.
Texto: Rodolfo Abreu (@rodolfoabreu)
Imagens: Divulgação / Cristina Granatto
FICHA TÉCNICA
Do conto homônimo de Clarice Lispector
Com: Ana Beatriz Nogueira
Adaptação e Direção: Leonardo Netto
Assistente de Direção: Clarisse Derzié Luz
Desenho de Luz: Aurélio de Simoni
Figurinos e Ambientação Cênica: Leonardo Netto e Ana Beatriz Nogueira
Trilha Sonora: Leonardo Netto
Programação Visual: Gil Filho e Matheus Klaus
Fotos: Cristina Granato
Uma produção de Ana Beatriz Nogueira
Produção Executiva: Márcia Andrade
Visagismo: Fernando Ocazione
Realização: Ana Beatriz Nogueira e Trocadilhos 1.000 Prod. Art.
Assessoria de Comunicação: Dobbs Scarpa
SERVIÇO
15 de novembro à 20 de dezembro, quartas-feiras, às 20h
Teatro das Artes. Rua Marquês de São Vicente 52, 2º piso, Shopping da Gávea. Tel: 2540-6004.
DURAÇÃO: 50 min | GÊNERO: drama
CAPACIDADE: 418 espectadores | CLASSIFICAÇÃO: 14 anos