Em foco – Qual a sua formação e área de atuação?
Candido Portinari – João Candido Portinari é Ph.D. pelo Massachusetts Institute of Technology, o MIT, e Engenheiro pela École Nationale Supérieure des Télécommunications, em Paris.
Foi um dos fundadores do Departamento de Matemática da PUC-Rio, do qual foi um dos primeiros diretores, em 1968.
É fundador e Coordenador-Geral do Projeto Portinari, desde 1979.
Em foco – Qual é a importância da PUC-Rio como instituição de ensino?
Candido Portinari – A Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) é uma instituição de ensino superior comunitária, filantrópica e sem fins lucrativos da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior. Ela é sediada na Gávea, Rio de Janeiro, no Brasil.
Nos tempos atuais, é reconhecida como uma das melhores e mais prestigiadas universidades da América Latina. De acordo com o “Times Higher Education”, um dos institutos que avaliam as universidades em nível global, classificou a PUC-Rio entre as 10 melhores universidades da América Latina, tendo alcançado a 10ª posição no ranking geral de 2022.
O mesmo instituto a classificou como a líder em parceria com a indústria e a melhor universidade privada do país.
Em 9 de maio de 2018 o “Times Higher Education Emerging Economies University Rankings 2018”, classificou a universidade como a 3ª melhor universidade do Brasil, e a 61ª no ranking geral dos países emergentes. Portanto, é uma instituição de ensino superior altamente qualificada, onde são realizadas atividades de ensino e pesquisa de ponta.
Em foco – Voce é filho de Candido Portinari. Quando você começou a acompanhá-lo enquanto artista?
Candido Portinari – Desde a minha mais tenra infancia!
Em foco – Comente a contribuição do pintor para a arte brasileira.
Candido Portinari – Para lhe responder, vou apresentar alguns testemunhos, todos de gente muito mais qualificada, e isenta, do que eu, para responder a esta sua pergunta.
Jorge Amado:
“Candido Portinari nos engrandeceu com sua obra de pintor. Foi um dos homens mais importantes do nosso tempo, pois de suas mãos nasceram a cor e a poesia, o drama e a esperança de nossa gente. Com seus pincéis, ele tocou fundo em nossa realidade. A terra e o povo brasileiros — camponeses, retirantes, crianças, santos e artistas de circo, os animais e a paisagem — são a matéria com que trabalhou e construiu sua obra imorredoura…”.
Carlos Drumond de Andrade:
“…Você é a alegria e a honra do nosso tempo e da nossa geração. Não sei se saberia dizer-lhe isso pessoalmente, mas encho-me de coragem nesta carta para exprimir uma convicção que é de todos os seus companheiros, os quais se sentem elevados e explicados na sua obra. Sim, meu caro Candinho, foi em você que conseguimos a nossa expressão mais universal, e não apenas pela ressonância, mas pela natureza mesma de seu gênio criador, que ainda que permanecesse ignorado ou negado, nos salvaria para o futuro…”.
Alceu Amoroso Lima:
“…Considero Portinari como o maior pintor brasileiro de todos os tempos. Ele representa, em sua arte, a expressão perfeita da sentença de Gœthe, segundo a qual toda liberdade autêntica é fruto da disciplina. Portinari pôde tomar todas as liberdades, no manejo do pincel e da cor, porque não se serviu de licensiosidade, mas tratou de superar todas as regras impostas, depois de se ter assenhorado da mais perfeita técnica. Partiu da liberdade de intenção até chegar à liberdade de criação mas através de uma rigorosa disciplina de instrumentação. Daí a riqueza de seu polimorfismo, que vai desde a arte religiosa mais pura, em sua objetividade litúrgica, como na capelinha particular de sua nona em Brodósqui, até às composições históricas, sociológicas, culturais, como o seu admirável ciclo de Dom Quixote ou então nacionais, como os seus inexcedíveis Retirantes.
Em tudo o que fez em pintura, deixou estampada sua inconfundível personalidade, tão inconfundível como inimitável. Pois só os gênios são tão inimitáveis como irreprodutíveis.
Creio que nossa arte moderna poderá figurar no quadro da cultura universal ao menos com dois espíritos geniais: Villa-Lobos na música e Portinari na pintura…”.
Antonio Callado:
“…Quando o esquife de Portinari saiu do ministério, na manhã do dia 8, em carreta do Corpo de Bombeiros, dos edifícios envidraçados, do pátio do Palácio da Educação, das bancas de jornais, dos cafés em súbito silêncio diante da Marcha Fúnebre e do Hino Nacional, voltaram-se para o cortejo milhares de caras irmãs das que aparecem nos Morros, nos Músicos, nos Retirantes de Portinari. Milhares de anônimas criaturas suas disseram adeus ao pintor, miraram uma última vez o claro e sutil feiticeiro que para sempre as aprisionou em losangos de luz e feixes de cor. Como se no espelho apagado da vida do artista ardesse num último lampejo tudo aquilo que refletira durante a vida. Ao meio-dia, Candido Portinari desceu à terra do São João Batista levado por toda uma multidão…”.
Antonio Callado, Livro “Retrato de Portinari”:
“…Portinari marcou, com seus Retirantes, seus Meninos de Brodowski, seus quadros de lavradores o abismo que ainda existe entre a natureza brasileira, entre o País brutalmente grandioso que nos surge à mente quando dizemos, como se disséssemos palavra mágica, “O Brasil”, e a vidinha que montou no Brasil o homem imitador da Europa e dos Estados Unidos. Sua pintura daqueles tempos é um protesto contra essa falta de intimidade que existe entre nós e aquilo que se chama realidade brasileira. É um clamor contra o fato de ainda estarmos tão superpostos à paisagem e não vitoriosamente fincados nela, como estão os pés dos pretos, dos caboclos, dos tapuias, dos cafusos, dos curibocas e dos imigrantes”.
Em foco – Você criou e dirige o Projeto Portinari. Como se deu a criação desse projeto? Quais são as principais metas e ações do projeto?
Candido Portinari – Talvez a melhor resposta aqui seja a carta póstuma que escrevi a meu pai, quando completei 40 anos, no Dia dos Pais.
Ela começa com um retrato que ele fez de mim, quando eu tinha 20 anos, no qual se vê a dedicatória “Para o João, com o abração do Papa” (assim eu o chamava, à italiana…).
Na referida carta póstuma, assim declarei: “[…] é como brasileiro que me sinto no dever de trabalhar para que todos possamos nos reencontrar com tua obra e, através dela, com nós mesmos.”
Ao final, a carta conclui com “e se este trabalho der frutos, eu poderia te dizer ‘Para o Papa, com o abração do João'”.
No Plano Portinari, reiterei os desejos da carta: “O Brasil tem manifestado sua vontade de abordar o futuro de maneira própria, desenvolvendo o seu imenso potencial de originalidade. O processo de resgate, fortalecimento e preservação da identidade cultural brasileira é uma condição necessária para que o país possa tomar posse da construção de seu destino. A arte é um poderoso instrumento de ação cultural, essencial à vitalidade de qualquer sociedade. Ela sintetiza as atividades criadoras de um povo, suas formas de organização, seus costumes e tradições, seu trabalho e seu lazer, seus sonhos e conquistas. O Projeto Portinari propõe uma contribuição a essa ação cultural, por meio de um trabalho cujos pontos de partida são a obra e a vida de Candido Portinari (1903-1962) e sua interação com seus contemporâneos.”
O Projeto foi criado para resgatar e dar acesso ao legado pictórico, ético, e humanista de Candido Portinari. Um aspecto importante do projeto e a sua interdisciplinariedade, uma vez que dialoga com profissionais de diversas areas, especialmente com a área de Ciência e Tecnologia (aliás, João Candido foi a Brasília dia 12/07, para receber, junto a outros 20 cientistas, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, das mãos do Presidente Lula).
Em foco – Sabemos que o conjunto da obra de Candido Portinari é imensa. Comente sobre esse acervo, onde esta localizado, em que condições se encontra, etc..
Candido Portinari – Sim, o Projeto Portinari levantou, documentou, pesquisou, cruzou entre si, e catalogou, 5.400 obras e 30 mil documentos.
Mais de 95% das obras estão em mãos particulares, o que motivou a pergunta-denúncia de Antonio Callado, formulada dois anos antes (1977) do início do Projeto Portinari (1979): “… Segregado em coleções particulares, em salas de bancos, Candinho se vai tornando invisível. Vai continuar desmembrado nosso maior pintor, como o Tiradente que pintou? …”
Em foco –Inúmeras exposições das obras de seu pai tem sido realizadas, como Portinari Raros, que já esteve no CCBB RIO, e agora esta sendo exibida no CCBB BH. Comente a importância das exposições para a divulgação da obra do seu pai.

Candido Portinari – O importante, no meu sentir, não é “divulgar a obra de Portinari”.
Ele não precisa disso.
Seu legado permanecerá para sempre.
O que é importante, é DAR ACESSO, especialmente para as novas gerações, para os excluídos, para os sem-bússola (e são tantos, não?), ao legado pictórico, ético e humanista de Portinari.
Tudo o que ele expressou através de sua pintura, de seus poemas, de seus escritos, cartas, depoimentos e conferências, na defesa intransigente de valores, mais atuais e imprescindíveis do que nunca: repúdio a todas as formas de violência, defesa da paz e fraternidade entre os povos e as pessoas, da solidariedade e do espírito comunitário, da compaixão, e do respeito à dignidade da vida, da justiça social, etc.
Por este motivo decidimos, há 25 anos, que a missão principal do Projeto Portinari, é o seu Educativo.
As exposições, é claro, são fundamentais, inclusive como suporte às ações do nosso Educativo.
Mas não deslocadas de seu contexto, como muitas vezes acontece.
Mas sim contextualizadas à luz dos valores expressos acima, que vão além do pictórico, e lhe dão sentido e significado.
Em foco – No exterior, você também tem realizado exposições?
Candido Portinari – Sim, a título de exemplo, levamos a exposição “Guerra e Paz, de Portinari: Uma Obra-Prima Brasileira para a ONU”, para o Salão de Honra do Grand Palais, em Paris, em 2014, e estamos, neste exato momento, indo levá-la para a Itália (Roma 2024) e China.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros?
Candido Portinari – Os mais imediatos são os mencionados acima:
Levar a exposição Guerra e Paz para a Itália e para a China.
Mas há muitos outros, nas áreas do Educativo, Editorial (publicação de livros), Tecnológica (reestruturação dos nossos web sites), Acervo (finalizar a digitalização e organização da nossa base de dados), Palestras, Congressos e Simpósios, atendimentos a pesquisadores, estudantes, e ao público em geral, continuidade de nossa interação de toda a vida com as áreas de Ciência e Tecnologia, etc.
Em foco – O que você ainda não conseguiu concretizar no âmbito do Projeto?
Candido Portinari – O mais importante talvez seja assegurar ao Projeto Portinari uma fonte de recursos regular, que nos permita fazer um planejamento a médio e longo prazo.
Temos lutado muito com a irregularidade, e muitas vezes a precariedade, de aportes financeiros ao Projeto Portinari, que garantam sua permanência e a eficácia de suas ações.
E também o problema da sucessão (já completei 84 anos, 44 dos quais dedicado à condução do Projeto Portinari….
Em foco – Uma frase preferida.
Candido Portinari – São muitas. Vou citar três:
1. “Quem se chega ao povo está entre Mestres, e se torna aprendiz”.
2. “Aprender a ver é a mais longa, a mais difícil, de todas as Artes”.
3. “Uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende.
Só o coração nos poderá tornar melhores, e é esta a grande função da arte”. (Portinari)