Em foco – Olá Ana Botafogo! Você é carioca! Onde você passou a sua infância? Família? Formação básica?
Ana Botafogo – Sou carioca da gema de uma família povoadora da cidade do Rio de janeiro.
Nascida e criada no Rio mais precisamente no bairro da Urca onde iniciei meus estudos no colégio do bairro (Externato Cristo Redentor) e também estudos de musicalização e ballet no Conservatório da Urca. Brincava no bairro onde tive meus primeiros amiguinhos. Depois dos 11 anos completei todo o curso de formação no Colégio Santa Úrsula e entrei para a faculdade de Letras que ficou incompleta até eu poder fazer outra faculdade onde me formei em Licenciatura em Dança. Família descendente de um lado de portugueses e de outro de italianos. Meu pai médico cirurgião, minha mãe dedicada à educação dos filhos e tenho um irmão economista.
Em foco – Como surgiu o interesse pela dança? Qual foi o espaço de sua formação? Quais foram os seus primeiros passos como bailarina?
Ana Botafogo – O interesse pela dança surgiu desde pequena, quando eu fui levada por minha mãe num conservatório de música no bairro da Urca, onde eu tive aulas de ritmo e música, e, logo depois, começaram as aulas de ballet ministradas por uma bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (TMRJ), Luciana Bogdanich. Ela me ensinou as primeiras noções e passos de ballet. A minha formação toda foi feita depois a partir dos onze anos de idade, na Academia de Ballet Leda Iuqui,(que foi também uma primeira bailarina do TMRJ). Mas minha vida profissional aconteceu, quando eu fui me aperfeiçoar na França. Fiz aulas na Academie Goubbé, com Ivone Meyer, e os donos da academia, Monsieur e Madame Goubbé. Surgiu a oportunidade de passar uma audição (teste para uma cia profissional) quando eu estava há apenas dois meses e meio na França, e dali já saí com contrato para uma companhia profissional muito importante na França, que se chamava Les Ballets de Marseille do Roland Petit. Essa foi a minha primeira trajetória.
Durante minha carreira profissional trabalhei em poucas companhias sob contratos fixos, mas como “guest” para fazer participações especiais estive em várias outras companhias. As companhias fixas foram Les Ballets de Marseille,França, o Ballet Guaíra em Curitiba, Paraná, a Associação de Ballet do Rio de Janeiro, RJ e depois passei a audição para o Theatro Municipal do Rio de janeiro, onde estou até hoje. São mais de quarenta anos dedicados ao Theatro Municipal, sendo que trinta e cinco anos, dançando sempre com o ballet do TMRJ.

Em foco – Ainda no âmbito da sua formação, quais foram os seus principais mestres?
Ana Botafogo – Os meus principais mestres foram: Julinha de Queiroz, a Leda Iuqui, depois, Ceme jambay, Edmundo Carijó, Eric Valdo, Tatiana Leskova, Eugenia Feodorova, Mr. Desmond Doyle, Rosália Verlangieri. Eu fiz aula com muitos mestres importantes. Esses que eu mencionei são alguns nomes importantes da dança no Brasil. Mas também tive alguns mestres importantes no exterior como Yvonne Meyer, Azari Plisetsky, Mme. Grandseva, Rosella Hightower e Madame Gabriela Darvash. Esta última foi muito importante porque durante seis meses eu fiz um aperfeiçoamento com ela em New York.
Em foco – Como você ingressou no Theatro Municipal? Foi por concurso? Como foi esse processo de seleção?
Ana Botafogo – Eu ingressei no TMRJ por concurso. Eu fiz um teste de dois dias, com aulas de ballet clássico, aula de moderno, uma variação de jazz, e uma variação clássica, no palco do Theatro (fada lilás do ballet A Bela Adormecida). Depois dessa audição, fui classificada como primeira bailarina para me juntar ao hall das primeiras grandes bailarinas que já estavam no Theatro como Alice Colino, Nora Esteves, e Cristina Martinelli, e que eram meus ídolos.
A minha entrada se deu através de uma audição. E, ao longo de muitos anos, sempre fui fazendo testes para os diferentes ballets, para ser conhecida por diferentes diretores, coreógrafos. A vida do bailarino é sempre de testes e audições. Em minhas palestras gosto de frisar para os jovens que bailarino e bailarina são sempre testados ao longo de toda vida profissional.
Em foco – Como você define uma bailarina? E como você se define?
Ana Botafogo – Uma bailarina deve ter determinação para querer sempre se aprimorar. O exercício diário é fundamental. Saber unir a técnica e a interpretação também é fundamental para que bailarinos não virem robôs de repetição. O treinamento é de repetição mas devemos colocar alma na nossa máquina corporal. Portanto bailarina é força, vigor, leveza e emoção – tudo ao mesmo tempo.
Eu me defino como uma bailarina essencialmente clássica e com muitas ambições. Sempre quis popularizar a dança aqui no meu país. Então, eu levei o ballet clássico para perto do povo, para perto do público. Participei de vários espetáculos ao ar livre, palcos montados em praças públicas, em praias do Rio de Janeiro. Participei de espetáculos teatrais, onde sempre quando precisavam de uma bailarina eu estava presente. Muitos espetáculos teatrais com a direção de Ginaldo de Souza. Isso tudo ajudou a popularização da dança, e claro, também a popularização do meu nome. Perguntam tanto porque eu sou tão conhecida. Acho que foi porque dancei muito, não só aqui no Rio de Janeiro, mas neste Brasil, de norte a sul, de leste a oeste.
Em foco – Qual é a importância da sua família na sua vida enquanto bailarina? O quanto a sua família foi importante no seu crescimento profissional?
Ana Botafogo – A família sempre foi muito importante, sempre esteve presente em todas as minhas conquistas, em todos os meus desafios. Até mesmo em muitos dos meus convites internacionais, eles tentaram estar presentes para me fortalecer enquanto jovem artista dando-me suporte emocional e psíquico para a vida profissional. Mas também a família foi um suporte na minha vida pessoal. Estivemos sempre juntos nos momentos alegres e tristes. A família sempre foi meu alicerce e até hoje meus pais com mais de noventa anos continuam sendo um pilar e um exemplo para toda a família.
Em foco – Você é uma bailarina reconhecida no âmbito nacional e internacional. Como foi a construção do nome e da trajetória da bailarina Ana Botafogo?
Ana Botafogo – Acho que a construção do nome foi a consequência da constância do meu trabalho. Depois dessa minha primeira experiência no exterior, eu ter voltado ao país e ter criado raízes, ter feito minha carreira aqui contribuiu para fortalecer o nome. A constância de estar sempre presente nas temporadas do TMRJ fez com que eu pudesse ter um público fiel, um público que sempre esperava as próximas temporadas. Acho que fui fidelizando esse público. Foi muito importante, a determinação de não sair de forma, ter foco e disciplina das aulas diárias, dos ensaios; Tudo isso me levou à uma carreira tão longa, Por todos os cuidados e a determinação me levaram a estar no palco como bailarina durante muito tempo.
Em foco – Hoje em dia você já não dança mais. Já se retirou dos palcos do Theatro. Nenhuma profissional é insubstituível. Como você avalia as novas gerações que estão surgindo? No âmbito do corpo de bailarinos do Theatro está havendo renovação? Como está ocorrendo esse processo?
Ana Botafogo – Sim, há novos talentos, muitos bons bailarinos se formam a cada ano. Os festivais de dança estão aí para apontar e para que nós possamos descobrir os jovens talentos. Infelizmente ainda temos o campo de trabalho muito pequeno aqui no Brasil. Temos exportado muitos talentos. Temos primeiros bailarinos e primeiras bailarinas espalhados em muitas companhias no exterior. O Brasil é um celeiro de bons bailarinos. Muitos jovens estão conquistando espaço e cada vez mais técnica mas não podem esquecer que tem que ter muita emoção, mais alma. A junção dessa técnica extraordinária com a alma de artista é a chave para que eles possam progredir. É dever deles emocionarem essa platéia que está ávida por ver boa dança.
No TMRJ também tem tido uma renovação muito grande. A direção do teatro fez uma nova audição no ano passado e contratou trinta novos bailarinos. Hoje temos uma companhia bastante jovem, com alguns solistas e primeiros bailarinos mais experientes. No mais, toda companhia é muito jovem, que vem se aprimorando e conquistando os espaços pouco a pouco. É uma companhia que não tem a tradição, como antigamente, pois são apenas contratados por períodos. Mas, eles estão nesse momento abrilhantando as temporadas do TMRJ.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros?
Ana Botafogo – Festival de Dança Grand Prix Ana Botafogo 2023 na cidade de Macaé, o primeiro festival que eu estive a frente e que leva o meu nome. Foi uma experiência fantástica! Já estamos trabalhando para o Grand Prix Ana Botafogo 2024. Então esse é um projeto futuro.
Neste momento estou dedicada à preparação dos espetáculos de fim de ano da Escola Âmbar+Ana Botafogo, escola a qual eu estou associada. E ainda neste momento, estou trabalhando com o casal de mestre-sala e porta-bandeira da Imperatriz Leopoldinense, realizando a direção artística para o carnaval de 2024.
Em parceria com Marcelo Misailidis, tenho um espetáculo que queremos refazer, que se chama ST Tragédias, que junta Shakespeare e Tchaikovsky. Gostaríamos de fazer uma itinerância pelo Brasil. Estamos na captação de recursos.
Minha rotina ao longo do ano é dar aulas em festivais pelo Brasil, realizar palestras de incentivo aos jovens bailarinos, e participar de workshops e apresentação de espetáculos ligados à dança.
Em foco – Vale a pena ser bailarina em terras brasileiras? Qual a mensagem que você deixa para as futuras bailarinas?
Ana Botafogo – Sempre valeu muito a pena porque o público brasileiro gosta de dança, gosta de bons espetáculos mas nesses últimos tempos, sobretudo com a pandemia, temos cada vez menos grandes temporadas e muitos bailarinos agora procuram o mercado internacional para ter mais constância de espetáculos. Aqui no Brasil temos apenas duas companhias que fazem o repertório clássico: o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, e a São Paulo Companhia de Dança.
Então, quando se fala em bailarinos clássicos muitos estão procurando o campo internacional. Por outro lado, em dança contemporânea, temos muito boas companhias, excelentes! Mas até poderíamos ter mais algumas.
Vale a pena?! Eu digo que vale porque precisamos muito desses artistas para construir a história da dança e a história da arte da dança em nosso país. Valeu muito a pena tudo que eu fiz até esse momento aqui no meu país. Devemos lembrar que a cultura do nosso país tem e teve altos e baixos. Então, eu tive sorte de participar de momentos áureos de lindas temporadas artísticas, como também peguei momentos em que passamos dificuldades como a falta de espetáculos, a falta de verbas para as produções, mas esse é o nosso país. Se me perguntarem se valeu a pena, eu digo que valeu cada minuto, cada momento em que eu estava em cena, em prol de construir a história da dança no nosso país.