A exposição apresenta as formas como a arte produzida no Brasil ao longo das décadas de 1930 a 1980 incorporou questões colocadas pela condição de subdesenvolvimento do pais.
Diversos artistas brasileiros estavam preocupados com aquilo que mais caracterizava e afligia boa parte da população do país. E, reagiram ao conceito de subdesenvolvimento, endossando ou contestando, por meio das suas produções.
A mostra apresenta a produção artística de mais de vinte artistas brasileiros que buscaram fazer da sua arte um trampolim para compreender e combater a condição de povo subdesenvolvido.
A exposição inicia no andar térreo, no hall de entrada, onde se avista a instalação Sonhos de Refrigerador (Aleluia Século 2000), de Randolpho Lamonier, maio de 2024. A instalação se constitui como uma assemblage onírico de elementos representativos de sonhos de consumo da classe trabalhadora.

Visualizamos vários estandartes com diferentes sonhos de cidadãos brasileiros. O sonho de viajar, poder usufruir de serviços de educação e saúde de qualidade, gozar de benefícios previdenciários, ter casa própria, serviços de saneamento básico, entre outros, sonhos de qualquer cidadão que deseje ter uma vida digna, e que passa pelo nível das condições de desenvolvimento de um país.
Nas galerias do primeiro andar a exposição apresenta-se estruturada em cinco núcleos, ligados cronologicamente, por décadas. A leitura é clara, e de fácil compreensão.
A parte introdutória se dá com O Subdesenvolvido, produção de 1961, dos compositores Carlos Lyra, e Francisco de Assis, criada inicialmente para trilha de peça teatral, e, num segundo momento, lançada em disco do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, no ano de 1962.
O primeiro núcleo recebeu o título Tem Gente Com Fome.

Apresenta as primeiras discussões em torno do conceito de subdesenvolvimento. Argumenta que, nas décadas de 30 e 40, escritores, pintores, e artistas já estavam preocupados com a questão da privação de alimentos que afetava a população em diversas regiões do Brasil.
Apresenta telas de diversos pintores, dentre os quais Candido Portinari, retratando a infância por meio de uma menina ajoelhada (1945); e o enterro de um cidadão (1940). Há também a escultura de Abelardo da Hora retratando a fome, e uma pintura retratando os retirantes, de Lula Cardoso Ayres, de 1940.
Romances, livros de literatura, jornais, e obra de sociologia também denunciam o tema.
Exibe o Poema Tem Gente Com Fome, de Solano Trindade. E vídeo de Raquel Trindade recitando o poema.
Fotos de famintos, hospedaria, retirantes, seca e suas vítimas.
Trabalho e Luta é o título do segundo núcleo.

Trata das representações de trabalho e de luta na década de 50. Das péssimas condições de vida dos trabalhadores do campo, e do mundo rural, os camponeses.
Observamos telas de pintores retratando trabalhadores: mulher fazendo telha; cortador de cana; jangadeiro; trabalhadores na hora do almoço.
Há também gravuras e telas de artistas do Recife reunidos, entre 1952 a 1957, no Atelier Coletivo, como Wellington Virgolino, Jose Corbiano Lins, entre outros.
Visualizam-se gravuras de artistas de Porto Alegre reunidos no Clube da Gravura criado no ano de 1950 por Carlos Scliar, e Vasco Prado.
Em Recife ou Porto Alegre, nessas cidades começaram a proliferar as greves e as lutas por diretos e melhores condições de trabalho.
A terceira parte tem como titulo Mundo em Movimento.
Trata da questão da educação, da cultura, da arte e da política que se misturam de forma intensa.
Destaca o grupo formado por diversos profissionais que atuou no Recife a partir do ano de 1960 para combater o analfabetismo. Aliaram-se ao prefeito Miguel Arraes. O Movimento de Cultura Popular (MCP) criou uma rede municipal de escolas populares e um revolucionário programa de alfabetização de adultos.

Visualizam-se fotos de inaugurações de escolas, de reunião de professoras, sala de aula; cartaz para combater o analfabetismo; livro de leitura; folheto de exposição; programa do festival de cinema do Recife; programas de peças de teatro; programa de festa de natal de Recife; dialfilme produzido segundo o método Paulo Freire Para a Alfabetização de Adultos; hino do camponês, por Francisco Julião; trecho inicial do filme Cabra Marcado Para Morrer.
Visualizamos a obra Meninos do Recife, de Abelardo da Hora, de 1963, com gravuras, e prefacio de Miguel Arraes. A obra impressa inaugurou a coleção de cultura popular do MCP Recife.
Num segundo momento, criado no ano de 1961 no Rio de Janeiro, destaca o Centro Popular de Cultura (CPC), movimento associado à União Nacional dos Estudantes. Buscou criar uma dramaturgia voltada à conscientização das camadas mais pobres da população brasileira acerca de sua condição subalternizada na sociedade, tornando-as capazes de transformar esse estado de coisas.
Tratou a questão do subdesenvolvimento nos campos do teatro, música, cinema, editoração.
Observam-se livros de Ferreira Gullar; programa da peça Eles Não Usam Black-tie, apresentada no teatro de Arena, 1958; livro de Franklin de Oliveira; calendário popular de 1963 do CPC – SP; Serie Cadernos do Povo Brasileiro, 1961-1963; fotos de peças de teatro, e inauguração do teatro do povo.
Estética da Fome è o titulo da quarta parte da exposição.
O tema central das produções artísticas é a pobreza.
Abre com a instigante obra da artista plástica Anna Bella Geiger intitulada E as Vísceras Mergulharam Num Profundo Mar Azul, de 1967.
Destaca o papel do Cinema Novo, liderado por Glauber Rocha, emergindo no campo cultural do Brasil, no período entre o golpe civil-militar de 1964 e o final da década.
Cartazes dos filmes Terra em Transe; Deus e o Diabo na Terra do Sol, bem como a exibição dos trechos dos dois filmes.
A questão da fome pensada por Josué de Castro, Geografia da Fome (1946).
E também por Carolina Maria de Jesus, em suas obras Quarto de Despejo, e Diário de uma Favelada, de 1960.
Glauber Rocha redigiu Eztetyka da Fome, 1965, pensando também a questão da fome.
E não poderia faltar Celso Furtado e sua obra Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, de 1961.
As produções de Hélio Oiticica, seus parangolés, capas feitas com tecido e outros materiais para serem vestidas e animadas por qualquer indivíduo. Algumas assumiram o formato de capas-protestos.
Por sua vez, Caetano Veloso liderou a Tropicália, em 1968. Junto com ele, Gilberto Gil, Miserere Nobis, 1968; Marginalia II, 1968, Tropicalia. Paris et Circenses, incorporando também Gal Costa, Nara Leão, os Mutantes, e Tom Zé.
As engajadas peças de teatro e shows do grupo Opinião.
Nessa parte da exposição visualizam-se livros, LPS, pinturas, vídeos, cartazes de filmes, programas de espetáculos
O titulo da quinta parte é O Brasil é Meu Abismo.
Destaca o ambiente político restritivo e repressivo do país de 1968 até a década de oitenta, fato que leva a pensar novas maneiras de representar a complexidade do país.

O golpe civil-militar de 1964, e, num segundo momento, o AI-5 de 1968 destruiu o ambiente em que todas essas produções artísticas que vimos comentando se gestava. Foi o “discurso interrompido, sufocado, e arrebentador”, nas palavras de Jomar Muniz de Britto.
Artistas passam a exprimir em suas produções uma condição de abjeção em que o sujeito tem suas certezas postas em xeque e surge uma sensação de alertas e tensão face ao desamparo.
Surge o slogan dos militares Brasil: ame-o ou deixe-o.
Por sua vez, Hélio Oiticica redige Diarreica, 1973, sobre a nossa formação cultural, argumentando que é resultado de um fluxo de excrementos expelidos de um corpo social que tem fome e que come tudo o que encontra.
Observam-se adesivos; discos de vinil, gravuras, desenhos, fotos, vídeo, instalação Trouxas de Sangue, de Artur Barrio; jornais; discos; pinturas; cartazes de filmes; trechos de filmes; a fotografia da performance “O Brasil é meu Abismo” do artista pernambucano Daniel Santiago/texto de Jomard Muniz de Britto, 1982; obra A Terceira Aquarela do Brasil, de Jomard Muniz de Britto, 1982.
A exposição encerra com três produções artísticas.
O quadro O Pão Nosso de Casa Dia, de Anna Bella Geiger, de 1978.
Dois desenhos de Paulo Bruscky intitulado Fome, de 1970.
E, a instalação Monumento a Fome, de Anna Maria Maiolino, de 1979/2012, composta por uma mesa, e sobre a mesma um saco de feijão e outro de arroz, ambos unidos por um lado preto. O luto da fome!
A fome é uma permanência da sociedade brasileira!

A exposição apresenta um conteúdo denso e crítico, com uma pesquisa bem realizada e profunda, e um didatismo que facilita a compreensão da mostra pelo público, uma vez que apresenta uma estrutura que conecta seus cinco núcleos de forma cronológica e um volumoso material iconográfico que corrobora e ilustra os argumentos da curadoria.
O mérito da curadoria de Moacir dos Anjos reside na forma como ele exibe, de forma associada e em diálogo, pinturas com obras literárias, fotografias, filmes, músicas, peças teatrais, entre outros, produções que questionaram o titulo de subdesenvolvido dado ao nosso país.
A exposição é para todos os públicos que querem conhecer mais sobre a história do Brasil republicano pós-1945, quando o conceito de subdesenvolvimento foi promovido, e a nossa elite cultural e artística em relação ao mesmo irá reagir e refletir. Para os alunos que estão no ensino médio, próximos ao vestibular, o conteúdo da mostra ajudará bastante.
Arte Subdesenvolvida é uma excelente exposição que apresenta o percurso histórico sobre o Brasil, com foco no período dos anos 1930 ao início dos anos 1980, enfocando na questão do subdesenvolvimento; apresenta um trabalho de pesquisa primoroso; e um conteúdo denso e crítico.
Excelente produção de artes plásticas!