A segunda parte tem início quando Eric convida seus amigos a um encontro entre eles e seu futuro companheiro, Henry. Eric (interpretado por Bruno Fagundes) e Henry (interpretado por Reynaldo Gianecchini) estão próximos a se casar.
Henry é um gay mais velho, republicano bilionário, dono de construtoras, que cultiva valores mais conservadores, e pouco avesso à causa gay. Ele foi casado com Walter (interpretado por Marco Antonio Pâmio) que cuidou durante a década de oitenta do século XX em sua residência dos amigos infectados pelo HIV. Ele viveu na pele o medo e o desespero de ver amigos, amantes e conhecidos tombando, um a um, sem nenhum amparo familiar ou social.
Por sua vez, Eric é um gay jovem, da geração 2000, simples, amoroso, e rodeado por amigos democratas.
Eric e Henry são homens gays que pertencem a gerações diferentes.
No encontro já referido há um tenso debate entre o “conservador” e os “democratas”, deixando transparecer um confronto de ideias e visões de mundo.
De repente, Tobby, ex de Eric, interpretado pelo ator Rafael Primot, aparece na “cerimônia matrimonial” e irrita Henry. Este retorna para a casa deixada por Walter. E, lá encontra Margarete, interpretada pela atriz Miriam Mehler. Ela expressa a dor materna de quem perdeu o filho para o HIV.
Por sinal, um dos momentos de ápice da segunda parte é aquela que Mehler numa longa fala deixa transparecer todo o lado sentimental e emocional de uma mãe cujo filho faleceu vítima da AIDS. Ao final da apresentação, o público aplaude calorosamente a atriz pela performance brilhante.
O tema da liberdade é o que mais sobressai nesta segunda parte. Sendo entendida aqui em sentido amplo.
A geração dos gays a partir de 1998 e anos 2000 passou a experimentar uma explosão de liberdade, que tinha estado controlada na geração anos oitenta em função da pandemia do HIV. O surgimento dos medicamentos retrovirais freou a letalidade do “vírus mutante” e as preocupações dos gays passaram a ser outras. Experimentar passa a ser a palavra-chave. Novas possibilidades, novos caminhos, novas lutas. A discussão geracional do que é ser gay atravessa todo o texto.
O elenco permanece ajustado e com uma força de interpretação singular. Nesta segunda parte Gianecchini tem uma atuação mais intensa, se fazendo mais presente no palco, e de forma potente.
Os cenários são simples e funcionais. Por sua vez, os figurinos adequados aos personagens.
A Herança Parte II é um verdadeiro manual sobre a comunidade gay deste século, sobretudo a que vive os anos 2020. A herança que a geração anterior deixou foi traumática. Contudo, ela contém também a força das estratégias coletivas de sobrevivência e de apoio mútuo da comunidade gay. São novos problemas, novas questões.
Convém sublinhar que a herança que se trata na peça é humana, de uma geração que dialoga com a outra. É uma conversa geracional sobre existência, saudade, amor, perda, amizade, HIV. É como essas questões passam de geração em geração.
É preciso quebrar tabus. É preciso reforçar a comunidade dos gays. E a peça trata sobretudo desse fortalecimento.
A temporada é curta! Quem ainda não assistiu, corre para garantir o ingresso. O espetáculo é excelente!
Texto crítico redigido por Alex Gonçalves Varela.