A produção teatral caminha na relação entre teatro e literatura, uma vez que o texto é uma adaptação realizada pela atriz Ana Barroso do livro de ficção histórica de autoria de Maria Valéria Rezende intitulado Carta à Rainha Louca.
No século XVIII, nas diversas regiões coloniais que constituíam a América Portuguesa, quando éramos parte do Império Português, havia mulheres e homens livres e pobres, e escravos que circulavam pelas cidades. Eram os excluídos daquela sociedade, que raramente encontravam ocupação produtiva e “não tinham certo modo de vida”. Viviam pelas cidades coloniais vagando e submetidos aos desmandos dos colonizadores e colonos.
Isabel da Santas Virgens (dama de companhia de Blandina, filha do senhor de engenho para o qual seu pai trabalhava) foi uma dessas mulheres livres e pobres nascida em Portugal e que viveu no final do século XVIII nas regiões coloniais, sobretudo da Bahia e Pernambuco, submetida aos desmandos dos poderosos, dos proprietários de escravos, terras e equipamentos. Ela sabia de forma surpreendente ler e escrever. E utilizava da força da escrita e da leitura para gritar contra os exageros dos dominadores. Por meio da carta que redigiu à Rainha Dona Maria I, no ano de 1789 (ano da Revolução Francesa), quando estava presa no Convento do Recolhimento da Conceição, em Olinda, ela ganhou visibilidade. Não importa se a destinatária recebeu ou não a missiva. A história de Isabel das Virgens é a história da violência que sofreu, da não submissão, da sua loucura, dos seus amores e sentimentos.
Antes de ter ficado presa no convento de Olinda, Isabel passou pelo Convento do Desterro em Salvador na Bahia, quando seguiu os passos de sua senhora Blandina a fim de ocultar a desonra de ter engravidado ainda solteira. Após deixar o convento onde Blandina faleceu, em suas perambulações pela Bahia e por Minas Gerais, Isabel passou a copiar documentos, muitos deles falsos, redigindo cartas e elaborando textos diversos.
E, Isabel era abusada! Se travestiu de Joaquim para ganhar a vida. Ela queria circular pelas ruas livremente, queria trabalhar, queria procurar possibilidades de sobrevivência. Mas, o sangue da mestruação escorrendo pelas suas vestes a desmascarou. E, foi presa pelos funcionários régios.
Ana Barroso é a narradora do texto vivendo na pele Isabel das Santas Virgens. Ela interpreta de forma clara, com poesia e sedução, inebriando a todos com sua simpatia na arte de interpretar, e trazendo a tona o silêncio daquela mulher que já lá no setecentos gritava contra a opressão. E, por meio da sua escrita, clamava contra os maus tratos. E, dessa forma, Ana conquista o público que está lhe assistindo, porque é cativante, apaixonante.
O figurino é simples e adequado a uma mulher livre e pobre da colônia. Ele foi confeccionado por Luciana Cardoso. A atriz veste uma blusa branca, e uma saia. Em relação à saia da personagem, a figurinista seguiu os costumes da época, ao fazer bem artesanalmente com matéria-prima bem antiga, e foi utilizada as camadas, os tecidos rústicos, e os acabamentos de algodão. A saia foi confeccionada de forma bem deteriorada, representando a longa trajetória de dificuldades e encarceramento da personagem. E, para finalizar, a atriz usa um cinto de couro que remete à masculinidade para a qual a personagem precisa apelar para sobreviver. A atriz usa ainda um óculos.
Por sua vez, o cenário é constituído por cadeira, mesa com papéis que integram a carta, ploter ao fundo como se fossem cartas, e um móvel com uma jarra e um copo.
A direção é de Fernando Philbert que não inventa nada, foca no texto, e na atuação e interpretação da atriz. Ele deixa Ana Barroso a vontade no palco, para livremente realizar a sua performance.
Isabel das Santas Virgens e a Sua Carta à Rainha é um excelente texto que denuncia a violência e a opressão do império português contra os grupos vulneráveis, no caso uma mulher livre e pobre. É a luta contra a opressão. E dar voz aos oprimidos, aos que foram calados e silenciados, é também uma função que o teatro deve cumprir.
Excelente produção teatral!
Texto redigido por Alex Gonçalves Varela.