O espetáculo é protagonizado por Luiz Machado.
A dramaturgia é de Regiana Antonini que redigiu um texto que passeia pela loucura e a lucidez de um indivíduo que tem sua vida transfigurada em consequência de um plano econômico da era Collor. O texto deixa transparecer o lado cruel da vida política de um país, que no início da década de noventa era afetado pelo “monstro da inflação” e inúmeros planos econômicos governamentais foram adotados com medidas as mais inescrupulosas possíveis e que, muitas das vezes, penalizavam a vida dos cidadãos.
Anderson é um indivíduo de classe média, bem sucedido, que junto com sua avó, tem uma empresa de viagens. Leva uma vida boa, com carro na garagem, e muitas viagens.
Com a ascensão do presidente Fernando Collor de Mello, no ano de 1990, este lança um plano econômico cuja medida principal foi o confisco das poupanças. Anderson, como diversos brasileiros e brasileiras, tiveram suas economias retidas pelo governo e foram à falência.

A empresa de viagens gerida por Anderson e sua avó faliu. A última cometeu um suicídio e veio a óbito. Nesse momento, Anderson entrou em parafuso e sua saúde mental degringolou. Foi parar num manicômio. Levou inúmeros choques, fato que atenuou ainda mais seu processo de insanidade. Nesse momento, ele teve o carinho de quem mais amava, mas logo também a perderia.
Após a saída do manicômio, Anderson optou por dar continuidade a sua vida indo residir nas ruas, tornando-se um mendigo. Passou a levar uma vida insólita, mas sem problemas e preocupações, oscilando entre momentos de loucura e sanidade mental.

O texto deixa transparecer que Anderson é um indivíduo, que como outro qualquer, está inserido numa conjuntura social, econômica e política, e interage e é afetado pela mesma. O plano econômico do governo Collor afetou a saúde mental de Anderson e o levou a viver num estado de penúria socioeconômica, transformando-se num louco e esfarrapado, vivendo de sonhos e quimeras, delírios e loucuras. Mas foi essa a sua opção para continuar a viver. Sua avó optou por deixar esse mundo, e ele ainda quis ficar mais um tempo por aqui.
O ator Luiz Machado tem uma correta atuação. Ele atua com uma técnica perfeita, e a associa com a emoção. Ele comove o público que assiste, pois passa a situação trágica do personagem que interpreta de forma sensível. Ao fazer da rua um espaço de moradia, ele deixou transparecer que ainda havia algum fio de esperança, e valia a pena continuar a viver, por mais periclitante que aquele momento fosse.
Luiz domina o texto e o palco. Ele utiliza uma linguagem simples, de fácil compreensão, e estabelece uma boa comunicação com o público. Ainda que fique bastante sentado em sua carroça, ele se movimenta pelo palco e pela plateia também.

A direção é de Fernando Philbert, que deixou o ator a vontade no palco, valorizando o texto e a sua capacidade de interpretação.
O espetáculo conta ainda com a supervisão artística de Amir Haddad.
O figurino criado por Teca Fichinski é simples, recria o vestuário de um morador de rua, sujo, amarrotado, e maltrapilho.
A cenografia criada por Teca Fichinski reconstitui uma cena típica de um morador de rua, com sua “carroça” repleta de papelão e outros objetos.
A iluminação criada por Vilmar Olos é adequada, e busca realçar a interpretação do ator nas diversas cenas.
Nefelibato é um ótimo monólogo com uma dramaturgia densa e reflexiva, e um ator com uma atuação correta, reconstruindo da forma mais próxima possível o viver nas ruas.
Ótima produção teatral!