O título engana. Quem vai ao teatro acreditando que no monólogo estrelado pela atriz Vilma Melo o espectador vai visualizar uma mulher vestida toda de branco, com turbante na cabeça, não encontra nada disso. Portanto, o texto supera o arquétipo, os trajes e os adornos característicos da religião.
“Isso é o que eu queria ter dito, mas eu não disse”. Essa é uma afirmação repetida diversas vezes pela atriz ao longo do espetáculo. O grito preso na garganta, que sufoca, e você tem que guardar para si mesma. A vontade de colocar as mágoas para fora, extravasar, e dizer que a cor da pele é algo que não se muda, que não diminui ninguém, não deixa menos capaz, não afeta o caráter nem a dignidade de nenhum ser humano. O racismo é o assunto central do texto, em particular as histórias de mulheres pretas que passaram por situações racistas. E, todas elas são costuradas e amarradas numa narrativa inteligentemente construída e de fácil percepção pela dramaturga Renata Mizrahi, e que acaba por tocar o coração de todos.
Por razões que são claras, as mulheres pretas se identificam mais com as histórias. Quando a atriz narra histórias de mães de santo, ela está comentando sobre mulheres pretas que lutam para sobreviver diariamente nesse mundo racista em que vivemos. E, são histórias de mulheres empoderadas, mulheres de sucesso, que possuem um conjunto amplo de experiências as mais notáveis possíveis. Não são histórias de mulheres que estão em dificuldades. São narrativas daquelas que lutaram e enfrentaram. Talvez não falando o que elas queriam dizer, no exato momento em que elas queriam dizer, por mais empoderadas que elas pudessem ser. Como vivemos numa sociedade que oprime, essas mulheres acabam não podendo falar quando, de fato, elas querem falar. E, o racismo sufoca, incomoda, sobretudo no caso das mães de santo, o racismo religioso. “Respeita o meu sagrado!”.
Um exemplo de mulher preta bem sucedida que o texto menciona é Helena Theodoro. Mulher, preta, letrada, intelectualizada, escritora, sambista, estudiosa das religiões afro-descendentes, mulher de sucesso. Theodoro é a “gurua” da produção cênica, forneceu o embasamento teórico necessário para incrementar o texto. O argumento central foi por ela apresentado.
A atriz Vilma Melo tem uma atuação impecável. Narra o texto com segurança, força, firmeza, deixando transparecer emoção o tempo todo.
A direção é de Luiz Antonio Pilar, que deu um tom humano e de compromisso ao texto.
O figurino é adequado, trajando um conjunto de saia com vestido azul estampado, que num segundo momento vira um turbante e um tubinho bege.
Por sua vez, compondo o cenário, temos no centro uma cadeira. Do lado direito um alguidar suspenso. e do lado esquerdo uma espécie de muralhas de bambus, lembrando aquelas construídas pelos escravos nos quilombos. Ao redor de todo o palco diversos turbantes branco e preto. Portanto, adequado ao tema, e com uma iluminação bastante funcional.
A idealização e produção do espetáculo é do competente Bruno Mariozz.
Mãe de Santo é uma produção cênica impecável!