Yorick é um dos personagens mais misteriosos criados por Shakespeare: é o crânio que Hamlet segura no quinto ato da tragédia, com o qual dirige perguntas a um coveiro e ao amigo Horácio. Yorick foi o bobo da corte do rei, pai de Hamlet, e alegrou a infância do filho.
A imagem de Hamlet com uma caveira erguida é a mais simbólica da tragédia. Essa imagem traz a comédia dentro de si, na cabeça de Yorick, a caveira, elemento que deixa transparecer a associação entre a morte e o riso.
No espetáculo do grupo Parlapatões três palhaços partem da imagem da caveira de Yorick para realizar uma inversão, levantando imagens trágicas dentro do ambiente cômico. Serve para refletirem sobre a morte. É o olhar da palhaçaria sobre o tema, num mundo tão marcado por calamidades. São eles que nos fazem rir neste espetáculo, ridicularizando e zombando do medo, da morte, do prazer, e das limitações humanas de superação.
O texto de Hugo Possolo tem o riso como um aspecto fundamental, o seu caráter demolidor. E nessa situação a figura do palhaço torna-se um elemento central, pois é ele quem vai criticar as verdades consideradas universalmente válidas e indestrutíveis. É ele quem vai refletir por meio da potencia do humor sobre o sentido da morte.

A peça apresenta os três palhaços em diversos quadros, ligados apenas pelo fio temático que conduz a montagem, a vida e a morte. Dentre as partes há o quadro da palestra motivacional sobre a vida eterna;
um sobre o super homem sensível, mas desconstruído; um sobre o ébrio apaixonado; Epitáfio; a surpresa do encontro de um cadáver de um palhaço; sobre maneiras de se suicidar, entre outras. Em todas as partes, os personagens destacam – e encaram – a tragédia que se esconde por debaixo das cenas.
O elenco é constituído por Hugo Possolo, Raul Barretto, e Nando Bolognesi, este último artista PCD, cadeirante (portador de ELA). Eles estão sintonizados e ajustados. Se apresentam com uma técnica de interpretação perfeita, e emocionam, ao tratar o tema da morte de forma cômica e crítica. Eles são engraçados, divertidos e jocosos. Fazem rir de um assunto sério! Dominam o texto e o transmitem com uma linguagem de fácil compreensão. Por sua vez, se movimentam intensamente pelo palco, ocupando todos os espaços. Eles tem uma forte interação com o público, sobretudo na parte em que narram histórias e solicitam ao público dizer se é verdade ou mentira. Para tal são dados dois cartões, vermelho e verde. Ao final de cada narrativa, o público levanta com uma das mãos um dos cartões, informando se considera verdadeira ou falsa.

A direção de Hugo Possolo focou no texto, e deixou os palhaços a vontade na ribalta para, de forma livre, realizarem as suas interpretações.
Os figurinos são roupas simples de palhaço, em tom branco, e o tradicional nariz vermelho. Ao longo do espetáculo, de acordo com as cenas, vestem outros figurinos, como no quadro do super-homem.
A cenografia é mínima, em que se visualizam caveiras de crâneos, e alguns outros elementos cenográficos.
A iluminação criada por Reynaldo Thomaz é correta, apresenta tons variados, e realça a interpretação dos atores.
A Cabeça de Yorick é um espetáculo de teatro cujo texto reflete sobre a morte por meio do olhar do palhaço; apresenta um texto crítico e cômico; e três atores palhaços que têm uma atuação de qualidade, associando interpretação e emoção.
Excelente produção cênica!