A exposição celebra 15 (quinze) anos de carreira do esculturista Flávio Cerqueira.
A potente curadoria da exposição é de Lilia Schwarcz. Ela deixou transparecer toda a sua capacidade de seleção ao escolher expressivas produções artísticas realizadas por Flávio, organizando-as de forma didática e construindo uma mensagem que relaciona memória, história e educação.
A exposição tem início no hall de entrada do térreo com a exibição de três esculturas inseridas num jardim, o “Jardim das Utopias”. Observamos uma escultura, imersa na água, banhada por um regador e da sua cabeça brotam plantas; outra com um jarro de vidro na mão; e uma olhando o céu com uma luneta. As esculturas estão em íntima associação com as plantas, numa interação harmoniosa. Visualiza-se o contraste entre o tom bronze das esculturas e o verde das plantas.
No segundo andar, no hall, visualizamos uma escultura em bronze interagindo com um sinal de trânsito.
Na primeira sala, cujo título é Labirinto da Memória, visualizamos um conjunto de esculturas de pequeno porte. Estas produções de bronze passaram por uma pintura eletrostática, ganhando uma tonalidade branca. São representações de indivíduos em alguma situação estática, um gesto, uma ação. Esses “momentos congelados da história” transmitem significados, que compete a cada visitante extrair seu conteúdo.
Há também duas esculturas suspensas. Uma de um indivíduo suspenso num galho. E outra em que três balões coloridos pairam no ar a escultura de um indivíduo. Ambas as obras dão a ideia do flutuar, uma vez que as produções não estão fincadas no solo, mas penduradas. E também a ideia da liberdade, alçar voo, ampliar horizontes.
Também visualizamos a escultura de um homem de frente para o espelho, refletindo a sua imagem num momento de reflexão.


A segunda sala tem como título Histórias – As Minhas Histórias, as Nossas…, espaço que nos convida a conhecer as histórias do escultor e do círculo de indivíduos que o rodeia, que a ele se conecta e interage.
São esculturas diversas de figuras humanas, de pessoas do quotidiano, como trabalhadores, pessoas em situação de rua, moleques, indígenas, entre outros, pessoas simples, humildes, cada uma com sua história de vida, sua individualidade, seu jeito de ser. Não são representações da elite, de homens públicos, que com frequência ornam monumentos, nem de pessoas ilustres. Flávio nos apresenta a “gente de baixo”, o “underground”. Ele tira o boné do poder das elites e coloca sobre a cabeça dos excluídos, dos hipossuficientes economicamente. Por meio da sua arte, ele produz uma inversão.
São esculturas bonitas, criativas, sofisticadas, de tamanhos diversos, bem confeccionadas, solucionadas, modeladas, e rijas. E todas expressam um conteúdo crítico, emitem um significado. Ainda que estejam fincadas ao chão, elas agem, produzem ações. Gritam contra os desmandos e o racismo estrutural.
Ganham destaque a escultura Amnesia, que expressa uma crítica ao racismo. Bastante criativa e crítica a escultura em bronze, em tamanho real, do garoto negro que segura uma lata sobre a cabeça, de onde escorre tinta branca que cobre parcialmente seu corpo; e O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui, que representa a figura de um indígena, o “dono da terra”. Flávio protagoniza a figura do nativo.
Ainda na mesma sala, a exposição nos apresenta como se dá o processo do fazer artístico do artista, informando as etapas de criação, os materiais que ele utiliza para confeccionar e as misturas que ele realiza. Remete ao ateliê do artista. Há ferramentas, moldes, aventais, protótipos. Há também vídeos com entrevistas do artista, e uma vitrine com reportagens sobre o trabalho do escultor.
A última sala tem como título Caminho Sem Volta, que apresenta produções do artista que deixam transparecer a importância dos livros em sua vida. Os livros servem para a instrução e para a produção do conhecimento. E consciente dessa importância, Flavio uniu os livros às esculturas. Essa interação é total: há esculturas em que os indivíduos estão sentados sobre os livros; em outra os exemplares estão sob o corpo do indivíduo; em outra sobre a cabeça; e, uma mulher na posição vertical segurando um livro com diversos furos. Ele produziu sublimes obras de arte, que apontam que o caminho está na educação e na cultura. E, por fim, uma pilha de livros e sobre os mesmos uma caveira e uma cruz. Sem livros, não há instrução, e o fim é trágico. A esperança está na educação!
É o momento ápice da exposição! Encerra com chave de bronze dourada!
A exposição é voltada para um público especializado, sobretudo artistas plásticos. Não é uma arte popular. Contudo, dada a organização didática e a sua mensagem que valoriza as figuras humanas simples e a educação e cultura como elementos de transformação, ela abre um leque de possibilidades para um público não especializado mas interessado em admirar produções artísticas.
Excelente produção de artes plásticas!


