A dramaturgia de Richard Riveiro, em formato de falso documentário, se propõe a reconstruir a trajetória de duas irmãs siamesas, Yvonne e Mabel. O texto mostra que elas nasceram no circo criollo, em meio a pobreza e a miséria, e grudadas. Tinham uma mãe dura e severa. Ela não deixava mexer nem desfrouxar o cinto que as mantinham ligadas. Atuando no circo, elas alcançaram sucesso, realizando tournées internacionais, construíram um teatro, aturam no teatro de revista, no cinema, e se tornaram amigas de personalidades como Carmem Miranda.
Portanto, duas irmãs que compartilhavam um mesmo corpo, e acabam também por compartilhar uma vida. A peça explora a relação entre irmãos, suas respectivas vidas, seus números no circo.
Momento difícil da vida das duas irmãs se deu quando os pais faleceram. Elas entraram em decadência, venderam o teatro, e retornaram ao circo. Viraram até faxineiras!

Esse também foi o momento de separação das duas. Elas se libertaram, tiraram as amarras que as ligavam. A farsa das irmãs siamesas chegava ao fim, a vil mentira. Mas era, ao mesmo tempo, um momento de reflexão, de medos, angústias, porque elas deixavam de ser siamesas. Foi um momento duro de descoberta da realidade de si próprias.
E pelo mundo se foram. Elas pegaram um navio até a cidade do Rio de Janeiro, e a seguir, outro para Cuba. Foram trabalhar no Hotel Nacional de Cuba como dançarinas.
Com a Revolução Cubana, toda uma transformação ocorre no país, pois a ilha se torna comunista.
A Revolução irá separá-las. Mabel se juntou com Ernesto Che Guevara e foram para a selva, lutar na guerrilha. Depois, ele a abandonou. E Yvonne seguiu seu rumo sozinha.
Depois de um tempo, já envelhecidas, elas irão se reencontrar, e buscam se entender. Dialogam e lembram do passado. De objetos que tem uma significância para as suas trajetórias, como o chocalho e as escovas. Produzem então um documentário para deixar registrado a memória da farsa das irmãs siamesas. O texto também tem esse caráter documental, uma vez que elas estão gravando o documentário.
As atrizes uruguaias Leonor Chavarría e Florencia Santángelo interpretam as irmãs siamesas. Elas se apresentam de forma convincente, interpretando, cantando e dançando. Elas aliam uma boa interpretação com emoção. Elas dominam o texto e o palco, estão sintonizadas e ajustadas, e atuam com graciosidade e simpatia. Também deixam transparecer um ar cômico durante a encenação. Apresentam uma linguagem simples e de fácil compreensão. Ainda que falem o texto em castelhano, a pronúncia é compreensível sem grandes dificuldades.
As atrizes tem sucesso ao transmitir a forte ligação que as mantinham juntas num primeiro momento, como siamesas. Num segundo momento, com a separação dos seus corpos e a descoberta da farsa, e a decadência, fica evidente as semelhanças e diferenças entre ambas. Elas dão um tom cômico a apresentação, e expõe a bela performance, mostrando versatilidade e vigor físico.
O espectador participa assistindo a montagem do documentário, quando toda a trajetória de vida das irmãs Mabel e Yvone é apresentada. O público assiste a um show circense, que vai do brilho, esplendor, e glamour, a um momento de decadência e ostracismo.
Um momento notável da peça, no nosso ponto de vista, se dá quando elas fazem um número de atrizes circenses guerrilheiras, com armas na mão, e uma delas se apresenta com barba na face, lembrando Fidel e Che. Cena hilária e bem executada!
As duas atrizes foram dirigidas por Richard Riveiro, que focou no texto, e as deixou a vontade no palco, enfatizando a livre a interpretação das mesmas.
Os figurinos criados por Catalina Peraza são de bom gosto, criativos, femininos, e adequados. Eles tem um caráter circense, com exceção dos últimos, quando já envelhecidas, as atrizes vestem casacos revestidos na gola com peles de animais, sapatos e bolsas finas.
A cenografia criada por Lucía Tayler é bonita, adequada, e disposta de forma correta no palco. Ela é constituída, no centro, por um carromato, uma espécie de cabine móvel usada em circos; uma penteadeira; arara de roupas; e um biombo. Recria uma atmosfera circense.
A iluminação criada por Leticia Martínez apresenta um bonito jogo de luz, e realça a interpretação das atrizes em suas diversas cenas.
A direção musical é de Agustín Flores Muñoz, que criou e selecionou um repertório adequado para dar substancia ao show circense.
Demasiado Juntas apresenta uma dupla de atrizes com uma boa atuação, associando interpretação e emoção; figurinos e cenografia de bom gosto, e adequados ao espetáculo.
Ótima produção cênica!