O Instituto Inclusartiz e a Casa Museu Eva Klabin uniram esforços em uma parceria inédita para lançar o programa de residência artística e pesquisa ÉDEN. Idealizado pelo Instituto Inclusartiz e realizado na Casa Museu Eva Klabin, o projeto tem como objetivo investigar a casa e a coleção resultante das oito décadas de colecionismo de Eva Klabin (1903-1991). Contando com um dos mais importantes acervos de arte clássica do Brasil, que abrange um arco temporal de quase 50 séculos, a união das duas instituições se funda no desejo de convidar artistas contemporâneos para promover novas frequências dentro da casa e da coleção por meio da criação de trabalhos inéditos, feitos a partir da pesquisa realizada em conjunto com as equipes de curadoria e museologia.
Nesse contexto, o curador Lucas Albuquerque, convida a artista carioca Ayla Tavares, para inaugurar a primeira edição do projeto e mergulhar no acervo da Casa Museu Eva Klabin, desenvolvendo sua pesquisa, que envolve artefatos arqueológicos, sagrados, da arquitetura ou daquilo que manuseamos no dia-a-dia, buscando promover deslocamentos no acervo existente para trazer novas leituras.
“Partindo da palavra éden, que cria uma relação direta com o nome de uma das maiores colecionadoras da nossa história, pretendemos pensar esse espaço ideal que Eva dedicou sua vida a construir. Entendendo as especificidades e limites do acervo, convidamos artistas a profanarem e promoverem novas leituras e discussões alinhadas com a contemporaneidade, pensando, assim, passado, presente e futuro de maneira entrelaçada”, comenta o curador do projeto, Lucas Albuquerque.
O resultado da residência artística é a exposição “Ustão”, homônima à série e cujo título faz referência ao ato de queimar — com trabalhos inéditos produzidos ao longo deste período. A partir de sua série Ustão (2022-2023), cuja relação com o fogo é tensionada em esculturas de cerâmica, a artista irá investigar os vínculos da coleção de Eva Klabin com o elemento em ícones e objetos funcionais.
“Ustão foi uma série que teve seu início em 2020, um processo que se originou de modo bem diferente dos outros em minha produção. Ustão vem de um sonho. Estava no auge da pandemia de COVID-19, o país passava por um período desastroso na gestão da saúde pública, operando no constante aniquilamento da capacidade de imaginar, vislumbrar outros futuros. Sonhei com uma vela que queimava de ponta-cabeça, em uma “gravidade ao revés”. Ao despertar, fui pesquisar possíveis relações sugeridas a partir dessa imagem sonial e cheguei a simpatias destinadas a virar a cabeça (mudar pensamento), mandar de volta o que te fazem de mal, reverter feitiços. Tais velas sugeriam a ideia da inversão pelo corte e utilização do pavio na extremidade oposta, evocando nesse movimento uma reação de oposição e/ou mudança de um estado ou condição”, explica a artista Ayla Tavares sobre o processo de criação das obras da série Ustão.
“Neste contexto em que vivíamos, a imagem da chama invertida e a associação dessa ação de reversão me provocaram muito. Pensava em como sustentar a vela e o fogo ao revés. Comecei a desenhar e produzir alguns testes com corpos cerâmicos que tivessem em suas extremidades uma angulação máxima de torção para baixo, contendo uma vela e queimando ao menos por segundos até ser apagada por seu próprio corpo em estado líquido. O primeiro grupo destes corpos cerâmicos é realizado em 2022, depois de um processo de estudos com diferentes angulações de queima e formatos”, complementa Ayla.
“É no encontro com o acervo da casa museu Eva Klabin que a reflexão acerca das diferentes temporalidades que perpassam Ustão se realiza de modo mais potente. Me interesso então por pensar a multitemporalidade deste espaço. Erguida a casa, disposta museu, onde sua habitante vivia em um regime de horas particular, um dia que se iniciava às 16 horas em um ambiente já muito escuro e repleto de candelabros. Um espaço que contém obras e objetos de períodos diferentes e muitas provenientes de culturas com diversas percepções de passado, presente e futuro. A vela também prenuncia um marcador temporal, tal qual uma ampulheta, mas que posta ao revés, se consome em segundos e coloca a marcação do tempo em suspenso”, diz a artista.
“A partir da minha vivência na coleção, Ustão, essa quimera, passa também a aglutinar em seus corpos partes de elementos da casa, e se espalha por ela em uma relação de estranhamento e familiaridade. Por vezes sobre bases, erguendo-se desde o chão, por vezes ocupando espaços antes destinados aos candelabros, sobre móveis. Juntos dos já descritos corpos cerâmicos que sustentam velas invertidas, são apresentados também desenhos, tanto de processos como em composições que propõem pequenos frames, sugerindo ações e recortes de uma narrativa descontínua”, complementa Ayla.
A mostra, primeira individual da artista, apresenta 30 obras, sendo 12 inéditas; 20 esculturas em cerâmica esmaltada e 10 desenhos, todos espalhados pelo primeiro andar da casa, em diálogo com a coleção presente nas salas e aberta ao público do dia 27 de maio (sábado) até 23 de julho de 2023.
Segundo o curador, em sua prática, Ayla investiga a relação da modulação do material como um retorno às práticas ancestrais, buscando uma memória do gesto que ultrapassa o tempo presente. Partindo disso, tece narrativas que se relacionam com sonhos, práticas ritualísticas e energias elementais – todas presentes em ustão mediante o uso do fogo e da vela invertida.
“Entendendo as condições da casa museu e da coleção de Eva, a inserção da prática perseguida pela artista fazia sentido como um primeiro ato em direção à busca de outras formas de acessar a coleção e construir novas ficções em torno da história de Eva”, afirma o curador.
A exposição “ustão” aberta ao público no museu no dia 27 de maio, irá propor uma inflexão do uso do fogo em velas sustentadas por grandes peças de argila esmaltada, por sua vez resultados da queima do material. A entrada é gratuita!
Sobre Ayla Tavares
Nascida no Rio de Janeiro em 1990, Ayla Tavares é mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com especialização em produção cerâmica e arqueologia. Em seus trabalhos, investiga artefatos arqueológicos e sagrados, arquitetura e objetos do cotidiano, estabelecendo relações com diferentes camadas de tempo para pensar o dia a dia, a memória e a vida em comum. Compreendendo a materialidade com todas as suas complexidades, Tavares cria constelações de objetos sob outras ordens, gerando a partir desses novos corpos relações de estranhamento, especulação e narrativa.
O Instituto Inclusartiz
Fundado em 1997 por Frances Reynolds, o Instituto Inclusartiz é uma organização cultural não governamental sem fins lucrativos sediada no Rio de Janeiro, que tem como ambição promover a arte contemporânea global por meio da formação de artistas, curadores e pesquisadores em diversas etapas de suas carreiras. Desde 2021, o instituto conta com um centro cultural na Praça da Harmonia, na Gamboa, região portuária do Rio de Janeiro. O polo cultural e criativo abriga um conjunto de iniciativas nas áreas da arte, educação e sustentabilidade, com uma programação orientada a partir de núcleos diversos: residências artísticas; educativo; comunitário; expositivo; pesquisa e publicações; sustentabilidade e engajamento social. O espaço fica aberto ao público de terça-feira a domingo, das 11h às 18h e tem entrada franca. Mais informações em https://inclusartiz.org/
SERVIÇO
Exposição: “Ustão”, de Ayla Tavares
30 obras (20 esculturas em cerâmica esmaltada e 10 desenhos )
Curadoria: Lucas Albuquerque
Local: Casa Museu Eva Klabin
Av. Epitácio Pessoa, 2480 | Lagoa | RJ |
Abertura: sábado, 27 de maio, 14h às 18h
Período: de 27 de maio a 23 de julho de 2023
Visitação: quarta a domingo: 14h às 18h, última entrada às 17h30
Segunda e terça: fechado
Livre e gratuito.
Retirada do ingresso direto da bilheteria do museu
http://evaklabin.org.br
E-mail: cultura@evaklabin.org.br – IG @evaklabinoficial