Em foco – Onde você nasceu? Sua família? Infância e adolescência? Formação básica?
João Ripper – Nasci no Rio de Janeiro, filho de pais cariocas. A família de minha mãe é oriunda do Mato-Grosso; a de meu pai veio do Pará e Portugal. Sou o mais velho de quatro filhos. Estudei em escola pública e cursei o segundo grau no Colégio Marista São José, na Tijuca.
Em foco – Como se deu o seu interesse pela música?
João Ripper – Cheguei à música através da poesia que comecei a escrever logo aos 8 anos incentivado por minha mãe, que era poeta e professora de Inglês. Aos 10, fui tema de uma reportagem no jornal O Globo e fui convidado para um programa de televisão onde tive meus poemas recitados pelo ator Sergio Cardoso. Quando tinha por volta de 12 ou 13 anos, não me lembro exatamente, comecei a transformar os poemas que escrevia em canções e iniciei aulas de violão apenas para aprender a acompanhar-me. Entretanto, o gosto pelo estudo da música foi crescendo incontrolavelmente e ocupando todo o meu tempo livre. Passei a compor canções incessantemente, estudei teoria musical por conta própria, participei de festivais e apresentei-me em shows até decidir, finalmente, abandonar a Faculdade de Arquitetura e fazer da música a minha vida.
Em foco – Você realizou a sua graduação em música e mestrado em composição na Escola de Música da UFRJ. Como foi a sua experiência? Quem foram os seus principais mestres? Como estava estruturado o currículo da Escola?
João Ripper – Foi fundamental, pois lá tive a oportunidade de estudar com excelentes mestres como Henrique Morelenbaum, que ajudou-me a encontrar uma linguagem pessoal na música de concerto sem abandonar a experiência da música popular. Tive o privilégio de estudar também com Ronaldo Miranda, que era um jovem compositor de sucesso iniciando sua carreira docente, e o maestro Roberto Duarte, professor de regência que encomendou e estreou na Itália minha primeira obra sinfônica.
Em foco – A sua pós-graduação foi realizada no exterior. Por que você priorizou esse viés internacional na complementação da sua formação?
João Ripper – Antes dos 30 anos eu era professor da Universidade Estácio de Sá e da Escola de Música da UFRJ. Assim que terminei o curso de Mestrado, decidi fazer o Doutorado para crescer na carreira acadêmica. Entretanto, não queria cursar um programa de PhD e dedicar-me exclusivamente à pesquisa na área de musicologia; meu objetivo era aprofundar meus conhecimentos em determinadas técnicas de composição e análise musical. Desejava, sobretudo, ter mais tempo para compor! Graças à bolsa do CNPq pude cursar o programa de Doctor of Musical Arts (DMA) na The Catholic University of America em Washington. D.C. onde fui orientado pelo compositor alemão Helmut Braunlich, que foi aluno de Paul Hindemith, e pela musicóloga argentina Emma Garmendia, diretora no Centro Latino-Americano de Estudos Musicais onde tive como colegas músicos de diversos países da América do Sul.
Após o Doutorado, estuudei regência orquestral na Argentina com o maestro Guillermo Scarabino e, mais tarde, cursei “Economia e Financiamento da Cultura” na Universidade Paris-Dauphine, na França.
Em foco – O que define um texto de ópera? Quais são as suas características?
João Ripper – O conceito de “texto de ópera” é tão elástico quanto o próprio conceito de ópera. Tecnicamente, o libreto constitui-se de um enredo em forma de poesia dramática com rubricas teatrais. Os versos podem ser métricos, livres ou brancos de acordo com passagens em recitativo, ária, coro, etc. Entretanto, compositores e libretistas contemporâneos têm buscado novas formas de estruturação de texto, narrativa e música dramática.

Em foco – Quais são os compositores de ópera que você mais admira, seja a nível internacional, seja a nível nacional?
João Ripper – Carlos Gomes será sempre a grande referência da ópera brasileira. Gosto do trabalho de Leonardo Martinelli, Guilherme Bernstein e do compositor paraibano Eli-Eri Moura, que traz para suas óperas a música armorial nordestina e escreve excepcionalmente bem para voz. Tenho compositores de referência por motivos diferentes, dentre eles Verdi (e Boito!), pela estruturação literária e musical de obras como “Otelo” e “Falstaff”; Puccini, pela invenção e condução melódica, excelente escrita para voz e controle do tempo dramático; Wagner, pela imaginação e fôlego de seus libretos; Strauss, pela linguagem harmônica e orquestrações; Kaaija Saariaho, pela condução da narrativa e criação de novos universos sonoros.
Em foco – Você dirigiu dois espaços importantes da música brasileira: a Sala Cecília Meireles, e o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Esboce uma comparação entre os dois espaços e comente sobre a sua experiência como diretor.
João Ripper – A Sala Cecília Meireles pertence à Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro – Funarj e sua direção concentra as áreas artística e executiva. Ocupei o cargo de Diretor por duas vezes (2004-2015 e 2019-2013). Durante esses 15 anos, programei as temporadas anuais de concertos, convidei os artistas, elaborei orçamentos, busquei recursos incentivados e realizei uma grande obra de reforma e modernização que colocou a Sala como local de referência para a música de câmara no Brasil e exterior.
Em 2015, fui convidado a ocupar o cargo de Presidente da Fundação Theatro Municipal do Rio de Janeiro onde permaneci até 2017. Tinha uma estrutura com 30 funcionários na Sala; passei a ser responsável por 450 no Theatro Municipal, incluindo três corpos artísticos! Naturalmente, escopo de meu trabalho e minha responsabilidade ampliaram-se imensamente. Convidei o maestro André Cardoso para ocupar a Direção Artística, onde ele realizou um trabalho excepcional. Reorganizei o planejamento financeiro e o cronograma de produção dos espetáculos. Busquei patrocínios para complementar os recursos que o Governo do Estado do Rio de Janeiro disponibilizava para as produções da casa e estabeleci parcerias com outros teatros brasileiros. Assim, além de trazer produções prontas e co-produzir óperas com outros teatros, o Theatro Municipal pôde trazer ao público uma programação própria, regular e consistente de óperas, balés e concertos.
Em foco – Você tem produzido óperas sobre temas brasileiros como Onheama, Domitila, Piedade, entre outras. Essa valorização dos temas nacionais é uma escolha sua ou não? Justifique.
João Ripper – Trata-se sempre de uma escolha minha, desde que o tema seja interessante. Busco prioritariamente, mas não exclusivamente, assuntos relacionados à história do Brasil (Domitila, Candinho), à literatura brasileira (Piedade, O Diletante) e à mitologia indígena (Onheama). Temos um manancial inesgotável de personagens e enredos à disposição de libretistas e compositores. Mas, escrevi também “Cartas Portuguesas”, baseada no clássico homônimo da literatura portuguesa, e “Kawah Ijen”, cuja história se passa na Indonésia.
Em foco – Carlos Gomes, no Império do Brasil – século XIX, e Heitor Villa-Lobos, na República, são dois compositores importantes de ópera brasileiros. Comente sobre a importância histórica dos dois autores. Qual foi o legado das suas produções para a música brasileira?
João Ripper – Mesmo escrevendo como um compositor italiano, Carlos Gomes colocou o Brasil no mapa da ópera com “Il Guarany” e “Lo Schiavo”. Falta em nosso país um festival anual, a exemplo do Festival Wagner em Bayreuth, que incentive novas leituras de sua obras como assistimos recentemente no Theatro Municipal de São Paulo. Gomes não deixou discípulos. Francisco Braga (1868-1945), outro bom compositor de óperas e autor de “Jupyra” (1900), estudou com Massenet em Paris e adotou uma estética mais próxima à escola francesa.
Villa-Lobos usou elementos de correntes musicais modernistas da Europa e da música popular para forjar uma linguagem musical muito pessoal que identificamos como brasileira. O nacionalismo musical preconizado por Mário de Andrade associou-se à caudalosa produção do compositor para criar um ideário que influenciou a geração seguinte que tem Camargo Guarnieri, Francisco Mignone e Frutuoso Vianna entre outros. Entretanto, as óperas de Villa-Lobos não representam o melhor de sua produção. Nunca assisti a uma produção de “Izath” (1914). Gosto de “Magdalena” (1947), que funciona bem como uma opereta. Produzi “A menina das nuvens” (1958) quando era Presidente do TMRJ e conheço a partitura de “Yerma” (1955). Em ambos os casos, Villa-Lobos dispensou o libreto e colocou música diretamente sobre o texto literário com pouquíssimas alterações. Por isso, na minha opinião, há problemas de condução dramática, pois o tempo no teatro é diferente do tempo na ópera.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para os futuros compositores de ópera que estão por vir a surgir no Brasil.
João Ripper – Estou trabalhando em encomendas de novas óperas para o Palácio das Artes de BH, Orquestra Ouro Preto e Teatro Colón de Bogotá. Além disso, “Domitila” será apresentada em setembro do próximo ano na Temporada de Óperas de Câmara da Fundación Juan March de Madri. Também em setembro, a Filarmônica de Minas apresenta “Abertura Cartagena” e a produção de “Piedade” criada no Festival Amazonas de Ópera deste ano será apresentada em Bogotá. Finalmente, “Candinho” faz sua estreia no brasileira em novembro no Theatro São Pedro de Porto Alegre.
A criação de uma ópera é um processo longo e árduo, mas também é tremendamente transformador. Digo sempre aos jovens compositores decididos a empreender essa “aventura” para estudarem e se municiarem das melhores referências. Partindo do pressuposto de que o candidato domina as técnicas de composição — principalmente contraponto, harmonia, serialismo e orquestração — recomendo que aprendam técnica vocal, leiam partituras, ouçam gravações, analisem comparativamente os principais libretos e suas fontes literárias (“Otelo” de Verdi e Boito com o original de Shakespeare, por exemplo), leiam os grandes autores teatrais e os grandes poetas, assistam a teatro de prosa e ópera. Sobretudo, escrevam, escrevam e escrevam! Basta examinar a biografia dos compositores que se dedicaram à ópera para verificar que todos aperfeiçoaram seu ofício através de experiências sucessivas.