Em foco – Você tem uma dupla formação: arquitetura e museologia. Por que você optou por escolher essa dupla formação? Como foram os respectivos cursos?
Ruth Levy – Sou uma carioca apaixonada pelo Rio de Janeiro, por suas histórias e pelo rico patrimônio arquitetônico e cultural da cidade. Acho que isso influenciou nas escolhas da minha vida acadêmica e profissional.
Na hora de ir para a universidade minha primeira escolha recaiu sobre o curso de arquitetura. Estudei na UFF, em Niterói, e foi um período maravilhoso. Meu interesse sempre esteve mais ligado às questões do projetar, do espaço, e também do campo da história e da teoria da arquitetura. E foi na arquitetura que acabei descobrindo o curso de museologia, através de uma professora da disciplina de história da arte. Me interessei de imediato e, antes mesmo de finalizar a faculdade de arquitetura, ingressei no curso de museologia da Unirio. Me formei como arquiteta e exerci a profissão por alguns anos, primeiro em escritório e depois já na área de preservação do patrimônio. Mas alguns anos depois de me formar em museologia fui convidada a atuar na Casa Museu Eva Klabin. Ainda consegui conciliar as duas profissões por um tempo, mas depois, quando tive que escolher, optei pela carreira na museologia.
Como a paixão pela arquitetura continuou viva, passei a me dedicar ao campo da pesquisa, o que me levou a trabalhar com a história da arquitetura no mestrado e no doutorado.
Em foco – Quando você começou atuar na Casa Museu Eva Klabin ? Qual é a especificidade da instituição? Quais são as suas principais coleções? Como está estruturada?
Ruth Levy – Comecei a atuar na Casa Museu Eva Klabin há 30 anos, depois de me formar em museologia, de cursar pós-graduação em História da Arte e da Arquitetura no Brasil, na PUC-Rio, e de fazer um estágio na Corcoran Gallery, em Washington, D.C. Às vezes, nem eu mesma acredito que já faz tanto tempo! Trabalhar naquilo que a gente gosta é um dos grandes privilégios da vida e aí a gente nem sente o tempo passar. A Casa de Eva virou praticamente a minha segunda casa.
Eva Klabin reuniu ao longo de sua vida um acervo precioso que inclui pinturas, esculturas, peças de mobiliário, tapetes orientais, prataria e objetos de arte decorativa; e os distribuiu pelos diversos ambientes da sua espaçosa residência na Lagoa, formando um conjunto que é a expressão de sua personalidade única. As peças contam a história da arte do Egito Antigo ao impressionismo e, ao mesmo tempo, narram a história da colecionadora, refletindo seu modo de viver e de morar. Assim, a instituição enquadra-se com perfeição na tipologia de casa-museu de colecionador.
Viúva e sem filhos, Eva Klabin acalentou durante anos o desejo de legar ao público e à cidade do Rio de Janeiro o precioso acervo que reuniu e, em 1990, um ano antes do seu falecimento, criou a fundação cultural que leva o seu nome, transformando sua residência em uma casa-museu, aberta oficialmente ao público em agosto de 1995.
Ao longo desses anos de existência, a Casa Museu Eva Klabin tem preservado a coleção e a memória de sua instituidora e tem oferecido uma programação cultural variada e de qualidade que inclui, além das visitas ao acervo, atividades como exposições, concertos e shows musicais, cursos e conferências, ações educativas e oficinas, tornando-se referência na vida cultural da cidade e do país.
Aqui é um lugar onde aprendo coisas novas todos os dias, compartilho a experiência adquirida ao longo dos anos e busco responder ao desafio fundamental que a profissão apresenta, o de fazer o museu cumprir seu importante papel social na construção de um mundo melhor.
Em foco – Como surgiu o projeto de redigir a obra “A Casa da Lagoa – arquitetura e história do cenário de vida de Eva Klabin”?
Ruth Levy – A ideia de escrever este livro sobre a Casa da Lagoa surgiu da minha própria vivência na casa e do contato com o arquivo histórico da instituição, no qual as plantas de arquitetura, as fotos antigas e inúmeros documentos relativos ao imóvel e às obras que nele ocorreram sempre me despertaram o interesse e me levaram pesquisar a história da casa, buscar sua origem e entender como ela tomou a forma que tem hoje.
Além disso, essa pergunta sempre é feita por quem visita a casa, existe essa curiosidade. Qual é a história da casa? Quando ela foi construída? Ela foi construída para a Eva Klabin? São perguntas que a gente sempre ouve no museu. Então isso também me motivou a contar essa história e poder responder essas perguntas para o nosso público. Como estou há tanto tempo na casa e como, além de museóloga sou também arquiteta, compartilhar as “memórias arquitetônicas” desse lugar tão importante para a cidade me pareceu uma ótima ideia.
Comprada por Eva Klabin em 1952, a casa que abriga a Casa Museu data de 1934, sendo das primeiras residências da então recém-urbanizada Lagoa Rodrigo de Freitas. Suas dimensões eram modestas e seu estilo normando foi um modismo característico da época, bastante empregado nas casas “balneares” da cidade. Na minha pesquisa consegui identificar o arquiteto que construiu a casa original, o alemão Ricardo Wriedt, autor de importantes projetos no Rio de Janeiro, como os cinemas Odeon e Pathé, na Cinelândia, e em outras cidades do país.
Quando Eva e o marido compram o imóvel, a intenção era demolir a casa e dar lugar a um imponente palacete. Mas, ao ficar viúva, Eva desiste da demolição e parte para a grande reforma que deu à Casa da Lagoa o aspecto que conhecemos hoje. A ideia do livro foi justamente resgatar os diferentes momentos desta casa que acabou tornando-se tão importante graças ao legado da colecionadora.

Em foco – Por que você teve interesse em estudar as exposições cariocas realizadas em 1908 e 1922?
Ruth Levy – Como mencionei anteriormente, apesar de dedicar minha vida profissional prioritariamente à museologia, a paixão pela arquitetura me motiva a estar sempre estudando e pesquisando. Quando ingressei no programa de pós-graduação na Escola de Belas Artes da UFRJ me identifiquei muito com uma linha de pesquisa que estava sendo desenvolvida ali, de resgate da importância da arquitetura do ecletismo, uma produção que até então era muito desvalorizada.
Como as exposições universais sempre foram verdadeiras vitrines da produção arquitetônica, acreditei que o estudo sobre as exposições cariocas – a Exposição Nacional de 1908 e a Exposição Internacional de 1922 –, para as quais foram construídos muitas dezenas de palácios e pavilhões, seria um terreno muito fértil para o estudo do ecletismo no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro. E como o riquíssimo material textual e iconográfico sobre a arquitetura destas exposições ainda não tinha sido tanto explorado e sistematizado, achei que seria uma importante contribuição para este campo de estudo.
Quando comecei o mestrado imaginei estudar as duas exposições, a de 1908 e a de 1922, dentro do próprio programa de mestrado, mas logo vi que pela quantidade e riqueza de material textual e iconográfico seria impossível. Então, no mestrado me dediquei à Exposição Nacional de 1908, realizada na Praia Vermelha, e a Exposição Internacional de 1922, que ocupou a área do Castelo, ficou para o doutorado, que fiz logo em seguida, e o tema das Exposições virou uma grande paixão.
Meus dois primeiros livros são então minha dissertação e minha tese, que foram publicadas pela editora da Escola de Belas Artes da UFRJ. Depois, nos 90 anos da Exposição Internacional do Centenário de 1922 fui curadora de uma exposição sobre o tema no Centro Cultural dos Correios. E em 2022, na celebração dos 100 anos da Exposição do Centenário, participei de muitos eventos, produzi um guia sobre a exposição, fui uma das entrevistadas do documentário “Independência 100 por 100” e criei um perfil no Instagram para compartilhar esse material tão rico. Com esse novo livro, A Casa da Lagoa, de alguma forma, eu dei também continuidade a essas pesquisas sobre a arquitetura do ecletismo no Rio de Janeiro, a partir do estudo sobre a casa original de 1934 e sobre os projetos de palacetes encomendados por Eva Klabin para a sua residência.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para os seus seguidores.
Ruth Levy – No ano que vem a Casa Museu Eva Klabin completa 30 anos de sua abertura para o público e é uma data que planejamos celebrar com uma programação muito intensa e especial, com a vontade de atrair cada vez mais interesse sobre esse legado tão importante no cenário das artes da nossa cidade e do nosso país.
Pretendo continuar as pesquisas nos documentos do arquivo pessoal de Eva Klabin, desvendando outros aspectos da trajetória da colecionadora e do acervo incrível que ela formou. Além disso, as exposições cariocas de 1908 e 1922 estão sempre no meu radar e quero continuar pesquisando e fazendo novas descobertas sobre esses eventos tão significativos para a história do Rio, para que este patrimônio não seja esquecido e sim cada vez mais conhecido e valorizado. Por fim, deixo aqui meu convite para todo mundo visitar a Casa Museu Eva Klabin, conhecer seu rico acervo e participar das nossas atividades. Venham!