Em foco – Você está completando 40 anos de carreira. É um momento de comemoração, de celebração! Quais são os momentos mais marcantes da sua trajetória como artista, autora e realizadora?
Karen Acioly – Às vezes, eu tento eleger os momentos mais marcantes e penso naquele personagem, um dos Buendía, do Gabriel Garcia Marquez, que tinha o corpo todo tatuado. As realizações são como tatuagens, elas continuam no seu corpo. Vou eleger seis momentos: De repente…no recreio 1985°, ao primeiríssimo musical que escrevi com meu amigo de escola, Michael Reade; O garoto Noel, sobre a infância de Noel Rosa, que escrevi com o meu parceirinho Carlos Didier, com meu filho no elenco, em 1997; Bagunça, a ópera Baby, em 2003, em que escutamos os bebês para escrever e encenar para eles, com meu dois filhos em cena; o I Encontro da Diversidade Brasileira, que roteirizei e dirigi em 2010, com 500 artistas do Brasil inteiro, em cada um dos três dias; Fedegunda, uma ópera franco-brasileira que escrevi e dirigi, com músicas de Camille Rocailleux, que circulou França e Brasil. Há também as óperas mais recentes, Bem no meio, que só realizamos virtualmente, mas que teve um dos processos mais intensos e delicados até então, e Larilá, ópera que escrevi com o Arrigo Barnabé.
Em foco – Por que o interesse em trabalhar e produzir para o público infantil?
Karen Acioly – Trabalhar com – e para-crianças é uma honra, pois nos coloca em contato com o que há de mais sensível na humanidade. Como não trabalhar para-e com- a infância?
Em foco – Quando você começou a se interessar pelas artes cênicas? Quais foram os seus primeiros passos teatrais? Quais os grupos de teatro em que você atuou?

Karen Acioly – Comecei a fazer teatro bem nova, com minha mestra e musa Lucia Coelho, aos 6/7 anos. Minha primeira personagem foi uma pastorinha num auto de natal. Eu era muito silenciosa e gostei da experiência. Depois, cresci junto com o Teatro Amador do Colégio Bennett. Comecei a gostar cada vez mais de viver aquelas experiências de me inventar e me ver no lugar do outro. Era acabar a aula e ir correndo para o palco encontrar amigos e criar histórias. Vivia no teatro. Fui crescendo e ‘adolescendo’ assim. Depois a Coelha, como chamávamos a mestra, me convidou para dar aula para crianças, na escola dela, a Nau (Núcleo de Arte da Urca) De lá, comecei minhas passagens pelo Grupo Navegando, Manhas e Manias, Asdrúbal Trouxe o Trombone, até que comecei a entrar em peças memoráveis como Sábado Domingo e Segunda em que eu contracenava com Paulo Gracindo, Yara Amaral…2 sessões de 3 horas cada no sábado e domingo…quando eu vi estava fazendo novelas e teatro, ao mesmo tempo, sem me dar conta.
Em foco – Você é de uma geração que cresceu assistindo produções infantis na TV. Hoje não há mais o Sítio do Picapau Amarelo, Turma do Balão Mágico, Castelo Rá-Tim-Bum, entre outros. Como você analisa essa ausência?
Karen Acioly – Sendo bem cética: a TV Aberta não faz mais programações infantis porque, entre outras coisas, a propaganda para crianças em horário infantil é proibida. Assim, as tvs abertas optam por incluir um ou outro personagem infantil em suas novelas para capturar a audiência também de crianças, o que é um artifício.Vê-se que as crianças ficam como seres estranhos ao contexto do universo da novela, que é repleto de conflitos para adultos. A meu ver, seria muito mais inteligente pensar que existem valores bem mais importantes do que vender produtos…hora da TV aberta perceber que as programações para crianças tem hoje um papel muito importante na sensibilização e formação humana e que esse valor pode significar muito mais para uma empresa de telecomunicaçåo e para as empresas anunciantes.
Em foco – Como você vê a situação da infância no Brasil?
Karen Acioly – Ainda está invisibilizada e correndo riscos sérios de extinção simbólica e real. Temos todos que mudar isso.
Em foco – Quando surgiu o FIL? O que te levou à criação do Festival? Quais são os seus objetivos? Que tipos de espetáculos são apresentados?

Karen Acioly – O FIL surgiu em 2003, junto com o Centro de Referência do Teatro Infantil, que se localizava no teatro do Jockey. Percebi que não existia um festival voltado para todos os públicos aqui no Rio. Percebi também que a gente não se dava conta das belezas culturais que existiam nos cantos do Brasil. Daí que na primeira edição convidei meus amigos Yawanawá do Acre, alguns artistas do Mato Grosso de música cênica, amigos do sul de teatro de marionetes e o FIL nasceu assim, nacional e sensacional. Em 2005 fui convidada a expandir a geografia do FIL, ao visitar a França. Daí comecei a misturar nacionalidades, linguagens, coisas curiosas, elaboradas, que nem sempre eram espetáculos de alguma linguagem conhecida. Essas misturas foram dando o tom, ano a ano do que é o FIL: uma pérola rara do oceano.
Em foco – Comente sobre a experiência que você teve atuando em dois cargos: coordenadora de Teatro Infantil do Município do Rio de Janeiro (2001), e fundadora e diretora artística do Centro de Referência Cultura Infância, no Teatro do Jockey (de 2003 a 2015).
Karen Acioly – De 1997 ao ano 2000 eu desenvolvi um trabalho continuado no Centro Cultural da Light. Foram criações incríveis de espetáculos originais que apresentávamos gratuitamente numa região do Rio, de pouca oferta cultural. O trabalho continuado sensibilizou e formou plateias. Sabendo disso o Arthur da Távola me chamou, em 2001 para “criar algo para crianças”, já que não existiam programas para este público. Sugeri então que houvesse programação de qualidade para crianças nos teatros da rede municipal. Ele topou na hora. Fomos convencendo os diretores a aceitarem essa possibilidade, pois por incrível que pareça, era uma ideia que nem sempre era bem recebida. Pouco a pouco, criamos um circuito chamado Altamente-recomendável escola, em que as escolas assistiam a várias programações em todos os teatros da rede. Em 2003, com Fabio Ferreira, Miguel Falabella e Ricardo Macieira sugeri que o Teatro do Jockey se transformasse no Centro de Referência do Teatro Infantil. De 2003 a 2014, o CRCI recebeu mais de 645 atividades -de excelência- entre espetáculos, residências artísticas, performances, oficinas e tantas outras coisas. Foi um período profícuo e lindo.
Em foco – Dentre a sua intensa produção de livros infantis, qual ou quais que você considera que alcançaram de forma mais eficaz o coração dos pequenos?
Karen Acioly – Tuhu, o menino Villa-Lobos; Os meus balões; Viva o Zé Pereira; Fedegunda; Cabelos Arrepiados; A Excêntrica Família Silva; e Os Bichos. Todos os prêmios recebidos por esses livros impulsionaram programas como o PNLD Literário, em que os livros chegam às escolas públicas gratuitamente.

Em foco – Há no Brasil uma política pública eficaz e concreta voltada para a cultura da infância? Justifique.
Karen Acioly – Acredito que estamos, há anos, num caminho de construção coletiva. Porém, há avanços e retrocessos. Precisamos continuar, sem deixar que interrompam as conquistas. Sou bem realista em relação ao funcionamento das políticas públicas: é preciso arregaçar as mangas todos os dias e lembrar a todos: nenhuma infância a menos; lugar de criança é em todo o lugar, inclusive no orçamento.
Em foco – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para as crianças do nosso Brasil.
Karen Acioly – Meus projetos futuros incluem sempre ouvir as crianças, aprender o que é ter tempo de qualidade no convívio com elas e dar o melhor que eu puder pra alegrá-las e fazê-las crescer com o imaginário e o afeto de mãos dadas.
Uma mensagem: aproveitem cada segundo para brincar !