Renato Marques, brasileiro, carioca e suburbano. É interessante como uma palavra pode soar de forma pejorativa e ao mesmo tempo muito forte quando quem a carrega sente orgulho.
Quem é o artista de múltiplas faces e por qual razão escolheu uma cultura estrangeira como sua forma de expressão? Adolescente, ingressei no meu estudo em artes cênicas sem nenhum tipo de pretensão artística e, sim, como forma de lidar com minha timidez. Um dia, durante uma aula de teatro, tivemos que mudar de sala e no espaço anexo em que faríamos a aula, estava acontecendo uma aula de dança de salão. Ali fui arrebatado.
Encantado pelas pessoas que dançavam, fui convidado pelo professor para uma aula experimental. Aquele primeiro contato ocorreu através da dança de salão e naquela turma pude conhecer minha professora de ballet. Foi uma vivência muito especial, uma sensação de encontro com o que existia de melhor em mim.
Consegui conciliar as atividades durante um período. Dança de salão, artes cênicas e ballet entre outras danças que tive o prazer de estudar. Fiz parte de um grupo de dança moderna durante alguns anos. Ainda assim, não enxergava nenhuma daquelas artes como profissão e, sim, como um momento de grande prazer e conexão com minha essência.
Lembro que, à época, um bailarino, Paulo Falcão, me perguntou sobre o que eu faria com os anos de dedicação à dança, pois ele me encontrava em alguns eventos e não percebia um movimento ou interesse de minha parte em investir naquela área.
Hoje entendo que ele viu em mim o que eu não percebia. Aquela conversa me fez querer ir mais além. Comecei a me dedicar e focar muito mais, não por querer ser profissional, mas para poder viver intensamente aquele ofício.
O tempo passou e com muito estudo e dedicação consegui fazer da arte o meu trabalho.
Aprendi muito com meus professores, com as oportunidades e com as escolhas que fiz. Porém, em um dado momento, surgiram questões sobre quem eu seria dentro do meu trabalho, se estava mesmo fazendo o que era o certo ou seguro. Percebi que são comuns esses questionamentos, independente do caminho a trilhar.
O fato é, o vazio que eu sentia, talvez fosse a lacuna que faltava dentro de mim.
Lembro que durante anos esbarrei com a cultura hispânica e sempre olhava com total indiferença. Achava belo, mas distante de qualquer possibilidade de identificação. Foi assim durante anos. Porém, um dia, resolvi fazer uma aula de flamenco, não por desejo de aprender, mas por uma necessidade de voltar a ser aluno e, por esse motivo, eu queria algo totalmente distante da minha realidade. Meu primeiro contato foi bom, mas não despertou nada além de uma nova atividade. Com o passar do tempo, fui sentindo que ali existia algo mais que movimento e isso foi uma descoberta incrível. Encontrei tudo que eu mais amava em todas as artes que eu tinha estudado. Artes cênicas e dança andando lado a lado.
Por causa do flamenco, estudei espanhol para compreender melhor a língua. Lembro que amava ouvir Bolero na aula de dança de salão e poder estudar o idioma me fazia crescer como artista e pessoa. Recordo que nas aulas ou nos temas relacionados ao Flamenco ouvia sempre o nome de Federico García Lorca, outro personagem que levei anos estudando para entender qual seria a relação do poeta com o flamenco.
Uma vez influenciado pelo flamenco e por todo esse universo ao qual está ligado, entendi que algo dentro de mim parecia reconhecer profundamente esse mundo e sigo nessa busca até os dias de hoje.
Continuo no processo de estudos, não só artístico, mas, também, dentro de outras áreas que atuo fora da arte. Porém meu foco é na arte e, em especial, no flamenco. Vivências em cursos internacionais dentro e fora do país, fazer aulas com maestros espanhóis no Brasil e, também, a experiência adquirida em Madri e Granada, de desfrutar de aulas, seminários e espetáculos me fez entender que mais do que dança, o flamenco é um modo de vida e, seguramente, é o que me move hoje.
Tive a sorte de fazer parte do Instituto Cervantes do Rio de Janeiro durante alguns anos; dois como professor e três anos como parceiro e assim representar a instituição em eventos comemorativos.
Sinto que o flamenco está em minha vida como um filho muito desejado e que, ainda, continua sendo gerado dentro de mim. Por mais que seja uma realidade na minha vida, estudar diariamente sobre essa cultura me alimenta o corpo e a alma.
Sou um bailaor espanhol? NÃO!
Sou um brasileiro que, através do flamenco, transmite o que sente de forma natural. Sou fruto de culturas diversas e por isso o que transmito é a minha verdade e a minha percepção sobre tudo que ouço, sinto e vejo. Não renego minha cultura, não ignoro que posso conversar e compartilhar tudo, com todos.
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