A idealização e performance é de Fábia Mirassos.
O texto da chilena Cláudia Rodriguez é crítico, denunciador, potente, questionador, reflexivo, mas também expressa afeto, carinho, amor, poesia. É um texto escrito por uma dramaturga travesti para uma atriz travesti, que entende do corpo travesti, das suas questões, das suas demandas, do seu mundo, dos seus conflitos.
A dramaturgia da peça fala sobre a liberdade travesti em poder dialogar, sem estar presa às amarras da sociedade, e assim se libertar do patriarcado. É um texto humano, que clama pelo direito das travestis de exercerem a sua liberdade, de criar novos imaginários, novas histórias, quebrar padrões sociais opressores, que trazem medo e insegurança.


Fábia Mirassos é uma atriz travesti. Ela é bonita, tem classe, e postura. E a sua fala deixa transparecer o seu desejo de poder sonhar, exprimir seus desejos, experienciar a liberdade, e voar pela imaginação. Fugir da realidade!
Fábia Mirassos implora para deixar as travestis falarem, conversarem, pois elas são pessoas capazes de se expressar. Elas podem e devem falar de todos os assuntos que se referem ao contexto humano, pois são seres dotados de capacidade de pensar e refletir como qualquer outro, e, portanto, podem fazer uso da sua razão pública de forma livre e soberana, sem a intervenção de ninguém. Fábia clama pela ousadia das travestis de fazerem uso da palavra e denunciar os preconceitos, e a violência física e sexual contra os seus corpos
Ao longo do espetáculo, são apresentados relatos de travestis que foram mortos e assassinados de forma brutal, e exibidas as suas fotos. A peça denuncia!
Fábia tem uma atuação correta. A atriz interpreta de forma consistente, apresentando uma boa técnica, e expressa emoção, ao passar o texto com poesia e suavidade, mesmo nos momentos em que denuncia, quando faz arrepiar. Domina o texto e o palco, apresenta uma boa movimentação, dança, fala ao microfone, toma vinho, e tem uma retórica que facilita a compreensão pelo público.

Fábia ao mesmo tempo, em que narra o texto, ela revela seus dotes gastronômicos. Ela prepara uma salada de beterraba. O público acompanha todo o processo: descasca e rala o legume, tempera, corta o pão, prepara, e degusta. Encerra o espetáculo convidando a degustação. Toda a peça é atravessada pelas iguarias: sushis, arroz, beterraba, entre outros.
A direção é de Janaína Leite, que focou no texto, e deixou a atriz a vontade para realizar a sua interpretação.
O figurino criado por Amanda de Moura e Fábia Mirassos é simples e de bom gosto. Num primeiro momento, a atriz veste um vestido branco de botões. E, num segundo momento, um vestido vermelho.
A cenografia é mínima. Ela é constituída por mesa com duas cadeiras, taça, garrafa de vinho, prato e talheres.
A iluminação é de Aline Santini, que apresenta um bonito desenho de luz, variações de tons como vermelho e rosa, e realça as interpretações da atriz.
Vienen Por Mí é um monólogo que apresenta uma dramaturgia que repensa o lugar do travesti na sociedade; apresenta uma atriz com uma boa interpretação; e relaciona teatro e gastronomia.
Boa produção cênica!