A peça é um monólogo cuja dramaturgia e interpretação é de Paulo Verlings. O espetáculo é uma realização da Companhia Teatro Independente.
O texto narra a história de Agenor Vitorino, médico-legista, casado, pai de dois filhos, e dono do cachorro Mike.
A peça tem início com a participação em off do ator Marco Nanini, interpretando o personagem na sua fase mais velha, quando reflete sobre a noção de tempo, e as relações presente, passado, e futuro.
A seguir, vem uma parte introdutória em que Agenor argumenta que sempre teve atração de observar os comportamentos em sociedade, e as máscaras sociais que os indivíduos vestem. Menciona o caso do vizinho, Ivan, um personal trainer, mas que era pedófilo, e foi preso pela polícia.
A seguir, Agenor começa a falar da sua trajetória de vida, da infância e adolescência marcada pelo isolamento, e do bullying que sofria na escola por causa do seu nome. Informa que pouco interagia, sendo bastante anti-social.
A mudança na vida de Agenor se deu quando ingressou na Faculdade de Medicina. Ele se especializou como médico legista, aquele que analisa a causa de óbitos, realizando autópsias e exames forenses. Ele atua no país chamado Instituto Médico Legal (IML).
Certo dia, Agenor, em sua sala de autópsias no IML, recebeu de sua chefe a solicitação para receber uma cantora pop a qual desejava realizar um clip no necrotério. Um pedido exótico!
Agenor a recebeu em sua sala. De súbito, ela lhe deu um beijo no rosto. Uma aproximação que nunca tivera antes. O contato aproximativo com a cantora levou Agenor a refletir sobre o corpo humano. Ela era uma mulher de extrema beleza, atraente. E, a mesma apresentou a proposta de assistir a uma autópsia. Nesse momento, ele percebeu que havia perdido o seu chão.

A cantora entrou na sala de autópsias, encontrou Agenor, e os dois olharam olho no olho. Ela falava sem parar. Informou que era fascinada pela morbidez do processo, e tinha fascínio pela vida e morte. Ele ficou fascinado por ela. E começaram a flertar no espaço, e acabaram se beijando como uma forma de relaxamento.
Na maca estava o corpo de Walter, um homem de 60 (sessenta) anos, que veio a óbito, e iria passar por uma autópsia. Ele então se propôs a mostrar à cantora o processo de embalsamar o corpo, que é o processo que mantém a beleza pós-morte.
Contudo, a tensão sexual na sala chegou aos limites, e eles não resistiram. Agenor e a pop star começaram a se envolver sexualmente, a ter intimidades. Ele a colocou numa banheira coberta de gelo por vinte e dois minutos. Ao deixar o local, teve alguns espasmos devido ao frio, e partes do corpo enrijecidas. A seguir, se amaram na maca, quando realizou uma autópsia das suas “entranhas íntimas”.
A história “baseada num fato real” deixa transparecer os limites entre ficção e realidade. E, aponta para a complexidade da existência humana. Até que ponto somos seres racionais, e agimos somente com a razão, impedindo estímulos irracionais de penetrar na nossa mente e bloqueando a realização de atos inconsequentes?
Agenor um médico-legista nos seus afazeres diários na sala de autópsias recebe a aproximação de uma mulher, uma pop star famosa, que o seduz, o envolve, e exerce sobre ele uma atração pulsante sexual. A pulsão foi tão intensa que ele não conseguiu controlar as suas paixões, e no espaço de trabalho, realizou uma fantasia sexual. Essa mulher que se aproximou dele, e almejou ter intimidades, acabou por despertar no médico desejos e sensações que ele nunca experimentara antes. O desconhecimento do “outro” que se aproxima de nós querendo uma intimidade é algo real, e compreender essas mentes humanas, irracionais, que se escondem por detrás de máscaras sociais é bastante relevante.
O texto redigido pelo próprio intérprete apresenta uma importante reflexão sobre a mente daqueles que sofrem de transtorno de personalidade anti-social, os chamados psicopatas sociais. Agenor narra o texto e procede por meio de uma linguagem acessível que possibilita ao espectador entender o tema que é duro e horripilante, mas que ele trata de forma que o torna possível ser levado a um palco de teatro. E, para falar sobre o transtorno, Paulo contou com o auxílio de áudios de voz em off da psiquiatra Viviane Luz, que apresenta informações técnicas sobre o chamado psicopata.
A interpretação do ator, associada aos movimentos coreográficos realizados, prendem a atenção do público, que acaba por se interessar e contagiar. A sua pronúncia também facilita o entendimento. Ele tem uma boa atuação, que alcança um nível bastante satisfatório e digno de receber elogio pelo esforço e perseverança de teatralizar um tema ácido.
Paulo é um jovem ator, que a cada dia que passa vem consolidando sua carreira artística. Ele está amadurecendo, despertando a atenção para o seu trabalho artístico, que é serio e dedicado. As produções teatrais que realiza, seja atuando como ator, ou diretor, ou mesmo agora como dramaturgo, como nesta que comentamos, são consistentes, fruto de muito ensaio e dedicação. E Verlings está no caminho certo!

Paulo é dirigido por Carolina Pismel, que faz as marcações corretas das diversas cenas que integram o monólogo. Ela o deixa a vontade no palco. Ele e uma maca.
O figurino foi criado por Karen Brusttolin. Paulo está elegantemente vestido com um vestuário típico não-realista de um médico-legista, com jaleco e calça brancos. A modelagem e o bom gosto do feitio do traje têm a marca de Karen.
A cenografia de Mirna Quental é o espaço do IML onde atua o médico. Por meio de uma estrutura com lâmpadas brancas, e uma maca, a cenógrafa reconstitui o espaço frio onde Agenor realiza as autópsias.
A direção de movimento é de Toni Rodrigues e Monique Ottati, que elaboraram coreografias adequadas ás situações da peça, conferindo assim uma boa movimentação ao ator.
A Iluminação de Paulo César Medeiros é adequada, e de acordo com a cenografia criada, intensifica ainda mais aquele espaço branco e gélido.
A produção é de Ártemis Amarantha que cuidou com zelo e cuidado de todas os aspectos que envolvem o espetáculo.
A peça teatral é bem produzida, apresentas cenário e figurinos adequados, criativos, e de bom gosto, uma iluminação incrível, e um ator dedicado e esforçado.
Ótima produção teatral!
Texto redigido por Alex Gonçalves Varela.