A música popular brasileira é recheada de cantores e compositores. Todos de excelente qualidade e reconhecidos a nível nacional e internacional. Prestar-lhes homenagem é algo sempre bem-vindo. E o musical em tela é uma excelente homenagem ao cantor e compositor matogrossense Ney Matogrosso, que tem na direção Marília Toledo e Fernanda Chamma. Ambas emprestam sua experiência, para dirigir uma produção de excelente nível, grandiosa, e de extremo bom gosto.
A produção teatral é um musical biográfico sobre Ney. Narra a vida do personagem do nascimento até os dias atuais. Mas, a narrativa não se confunde com cronologia. Apresenta um enredo, que segue uma linha horizontal, mas que também navega pela vertical, apresentando as reviravoltas e rupturas que Ney causou na sociedade em que vive. Nesse sentido apresenta uma dramaturgia idealizada por Marília Toledo e Emílio Boechat que enfatiza essas quebras, esses ziguezagues, montando pequenos quadros da vida do personagem, mas que se relacionam entre si, formando uma espécie de teia, capaz de enredar a história. A narrativa do texto caminha também na direção de uma conclusão, e busca dar ordem aos inúmeros fatos da vida do cantor, articulando as várias informações. Foca na sua atuação no universo musical, as suas lutas para conseguir obter espaço e reconhecimento, os sucessos, os amigos como Rita Lee e Cazuza, a luta contra o preconceito, os grandes shows.
Convém sublinhar que a dramaturgia é complementada pelas canções selecionadas interpretadas por Ney ao longo de sua carreira artística, que ajudam a narrar a sua biografia.
Uma característica marcante da trajetória de Ney destacada no musical é a autenticidade. Ele é autêntico, verdadeiro, sincero, traduz boa vibração. E assim ele tem sido a vida inteira.
Um primeiro momento exemplar fornecido pelo musical com relação a essa característica é apresentada no início do espetáculo. Ney realizou um show pelo grupo Secos e Molhados, e alguém do público da platéia o chamou de viado. Tal fato não o intimidou. E, reforçou ainda mais a sua ânsia de se afirmar como homossexual perante a sociedade.
Um segundo exemplo foi o embate com o pai, militar linha dura, que o passou a perseguir quando ele assumiu a sua homossexualidade. Em função dessa atitude hostil paterna, Ney saiu de casa. Liberdade!
E, um terceiro exemplo dessa autenticidade é a sua irreverência ao usar, em pleno contexto político dos regimes militares, figurinos extravagantes, irreverentes, escandalosos, que direcionavam para a sensualidade do corpo. E, na década de setenta, essa postura era considerada como um atentado aos bons costumes, à moral, e à família. E, Ney não estava nem aí. Ele é irreverente! Liberdade de expressão!
Renan Mattos, o ator que interpreta Ney, está perfeito. Dono de um físico escultural, Renan usa e abusa da sensualidade, e apresenta um corpo todo definido a la Ney. O ator canta, dança e interpreta de forma magistral. Muito bem coreografado por Fernanda Chamma, a grande dama das coreografias dos musicais. Portanto, uma atuação brilhante, digna de um forte elogio.
Os figurinos criados por Michelly X para Bruno interpretar Ney são muito próximos da realidade, quase uma cópia fiel, de excelente nível.
Por sua vez, os cenários de Carmem Guerra ajudam na movimentação dos atores. Há uma espécie de “arquibancada” de ferro com subidas e descidas, onde os atores podem atuar, e rampas.
O elenco como um todo é perfeito. Bem produzido, ensaiado e coreografado. É de alto nível.
O musical é encerrado da maneira mais sábia possível, com a canção Homem com H, e a interpretação singular de Renan Mattos. E, Ney tem sido ao longo de sua vida um homem com H.
Excelente musical! Vamos ser feliz com Ney Matogrosso!