Azira’i Guajajara é o nome da mãe da atriz Zahy Tentehar, e também o título da peça. Ela foi a primeira mulher pajé da reserva indígena de Cana Brava, no Maranhão, região onde ambas nasceram. Ela não está mais presente fisicamente em nosso mundo. Já foi para o andar de cima. Mas, Zahy a trouxe para o palco, espiritualmente. Elas estão juntas, dialogando e narrando as vivências, as histórias, as memórias afetivas construídas a partir da relação entre mãe e filha.
A dramaturgia do espetáculo é da própria Zahy e de Eduardo Rios. Ela foi narrando suas histórias de vida para Eduardo, e ele foi selecionando e costurando todas, amarrando-as, dando uma unidade ao texto, dando ao mesmo tempo um caráter poético e delineado. A estrutura narrativa caminha pela história relacional entre a mãe e a filha por diversos pontos de vista, como os da própria Zahy, e os de sua mãe. As histórias são a memória constituída por Zahy a partir da vivência e da relação com a sua mãe.
Zahý é uma mulher nativa, que nasceu na aldeia, cresceu e foi educada entre os nativos. A sua língua original é o Z’eng eté, a “língua mãe”, a “fala verdadeira”. Daí as inúmeras passagens da apresentação que são faladas nessa língua, se alternando com outras na língua portuguesa. Zahy ao sair do seu universo e migrar para o espaço do homem branco teve que se ajustar e adequar a esta nova geografia, acabando por absorver as referências culturais brancas. E o aprendizado do idioma português foi necessário para que ela pudesse se inserir na sociedade e conseguir um lugar no mercado de trabalho. E conseguiu! Está brilhando nos palcos!
Zahy tem uma atuação impecável. Ela atua com garra, com vibração e passa emoção o tempo todo. Ela é espontânea. Interpreta, canta e dança de forma expressiva, deixando transparecer o seu talento. A comunicação com o público é intensa, sobretudo quando solicita a platéia para repetir termos em Z’eng eté, ou para perguntar quantos filhos seu pai produziu.
O canto é a sua preciosidade. Zahy herdou a vocação de cantar de sua mãe. Esta última puxava os cantos nas cerimônias mais importantes da aldeia. E, a filha também faz muito bem, de forma afinada, com imponência de voz. No musical, ela canta lamentos ensinados por sua mãe, suas memórias, bem como canções originais compostas por ela com Eduardo Rios sob a direção musical de Elísio Freitas.
Azira’i além de dominar o canto, ela também sabia manejar as ervas e o seu poder curativo. Como sublinha Zahy no espetáculo, sua mãe curou a todos. Só não conseguiu a cura para si. E, na função de pajé, ela tinha uma espiritualidade evoluída. Ademais, era uma verdadeira contadora de histórias. Foi essa matriz cultural que Zahy herdou da convivência com o lado materno.
A direção é de Denise Stutz e Eduardo Rios, que não inventam nada, focam no texto, e na atuação e interpretação da atriz. Eles deixam Zahy a vontade no palco, para livremente realizar a sua performance.
O cenário é simples e funcional. É constituída por uma cortina de fios de corda crua, e uma cadeira, e há projeções.
Na mesma linha da simplicidade estão os figurinos de Carol Lobato. Roupas simples do quotidiano, ajustadas à característica da personagem. Zahy, num primeiro momento, utiliza top e calça, que acredito que seja de moletom. E, num segundo momento, veste as roupas que sua mãe utilizava, que ela ganhava nas doações, como bermuda, blusa com bolso e botões, e o boné.
Para finalizar, vale sublinhar que o espetáculo é produzido pela Sarau Cultura Brasileira, de Andréa Alves, e Leila Moreno, competentes como sempre.
O monólogo é excelente! Transparece a força de uma atriz que deixa transparecer a sua matriz cultural nativa!
Texto crítico redigido por Alex Gonçalves Varela.