O monólogo é encenado pelo ator Márcio Vito, direção de Cesar Augusto, e texto de Rogério Corrêa.
O ator Márcio Vito interpreta três personagens que se cruzam em um prédio empresarial do centro de uma metrópole.
O primeiro personagem é um ascensorista, Marcelino, de origem nordestina, e que tem como referencia “mainha”. Ela lhe disponibilizou um cordão com uma medalha de Nossa Senhora de Aparecida para lhe dar proteção. Ele veio para a cidade grande em busca de emprego, e com os rendimentos remete dinheiro para os seus familiares.
Ele fica sentado o dia inteiro, confinado no elevador, naquele local de luz tremida, enclausurado, solitário, escutando uma mesma música, e vendo o entra e sai das pessoas. Apertando os botões. Subindo e descendo ao longo do dia de acordo com as solicitações. Quão distinta era a sua vida no sertão nordestino, quando corria livre e solto!
O segundo é uma executiva ambiciosa, de nome Stella. Ela adentra o edifício para iniciar uma nova função. Ela é chique, elegante, perfumada. Ela é ambiciosa, quer dinheiro.
E, o terceiro, o porteiro Webberson. Da portaria, ele controla a todos e a tudo por meio das câmeras. Ele acompanha tudo o que se passa no edifício. O seu sonho é ser policial, e portar uma arma para ter poder e matar.
Os três personagens estão localizados num mesmo espaço social: um edifício de centro empresarial. E, mais especificamente, todas as ações convergem para dentro do elevador, espaço onde atua o ascensorista.
O ascensorista, conforme representado no monólogo, segue o tipo daqueles que exercem a função na sociedade brasileira. São pessoas simples, de pouca instrução, residentes de comunidades ou áreas periféricas. Eles ficam sentados em seus respectivos elevadores, observando as pessoas entrar ou sair, subir ou descer. Portanto, eles estão confinados, enquadrados naquele “mundinho”, produto da engrenagem capitalista e da desigual sociedade brasileira.
A função de ascensorista no mundo contemporâneo, cada vez mais regido pelos modernos meios tecnológicos, está em processo de extinção. Hoje entramos em diversos edifícios empresariais e nós mesmos tocamos os botões dos elevadores, e aguardamos chegar ao andar solicitado. Contudo, em nosso país, a realidade socioeconômica ainda persiste em manter essa atividade. Ainda vemos muitas pessoas exercer a função, metáfora da alienação do capitalismo, do trabalho contemporâneo.
Conforme salientou o autor do texto, Rogério Correa, no programa da peça, a imagem do ascensorista se revelou como “metáfora do capitalismo no Brasil. Uma metáfora que se expressa através dos gestos repetitivos e inúteis de um ascensorista, como os de milhões de trabalhadores alienados e desempoderados no nosso país, muitos deles migrantes econômicos do Nordeste”.
O tipo do porteiro é bastante parecido com o do ascensorista. Também exercido por pessoas simples e com pouca formação, maioria migrantes nordestinos, Webberson também está confinado na portaria, observando pelas câmeras, tudo aquilo que as pessoas fazem. Qualquer alteração ou atitude suspeita, lá vai ele verificar. Almeja melhorar de vida desejando ser um policial, um agente de segurança pública. O sonho de portar uma arma é a realização de ter poder, ser um homem empoderado.
E, por fim, a executiva Stela. Diferente dos demais, ela tem formação superior, tem uma condição social melhor. É ambiciosa, quer ganhar dinheiro e ser rica. É arrogante, trata mal seus subalternos.
Os três personagens deixam transparecer o viver caótico nas grandes metrópoles. Eles estão exercendo as suas funções, lutando pela sua sobrevivência. Nessas horas, a razão fala mais alto do que o coração. Eles vivem aprisionados e oprimidos. Estão presos aos papéis sociais que desempenham, presos aos sistemas de opressão, presos “dentro da caixa metálica”, o elevador. E a dramaturgia de Rogério Correa deixa transparecer de forma explícita a exploração e a alienação ao qual estão submetidos.
Cada um dos três personagens representa uma peça da engrenagem da monstruosa máquina do capitalismo brasileiro. Selvagem por natureza, excludente e desigual por estrutura!
Ao final da apresentação, o ascensorista derruba as paredes do elevador e grita: Livre! Livre! Livre do confinamento, do enclausuramento, da usurpação, da divisão social do trabalho, do consumo e da economia capitalista. O texto apresenta uma crítica ácida da sociedade contemporânea em que vivemos.
A interpretação de Márcio Vito está impecável. Ele domina o texto e o palco com maestria. Apresenta o texto com clareza, de forma que conseguimos compreender claramente de qual personagem está interpretando. O texto não é fácil. Piscou o olho, perde o fio da meada. Contudo, Marcio passa com emoção, com sensibilidade, com o coração, que ele acaba por nos prender o tempo todo. Ele está feliz, satisfeito, empolgado, e quando o ator interpreta o texto que gosta, o resultado é um espetáculo de qualidade.
A direção é de Cesar Augusto, que não inventa nada, foca no texto, e na atuação e interpretação do ator. Ele deixa Marcio Vito a vontade no palco, para livremente realizar a sua performance.
O figurino criado por Cesar Augusto e Beli Araújo é um macacão preto, uma roupa de operário, de trabalhador, e calça e bota pretas.
Por sua vez, o cenário, também criado por Cesar Augusto e Beli Araújo, é uma instalação de metal suspensa, pendurada no teto, em formato quadrado, um elevador. As partes da estrutura são destacadas, tanto que ao final o elevador é destruído.
A iluminação é de Adriana Ortiz, correta e adequada as cenas do espetáculo.
O elevador do edifício de escritórios é um microcosmo das relações humanas, sociais e trabalhistas do país. Nele, os três personagens já referidos se encontram, um acontecimento que une a vida de três pessoas, com diferentes objetivos, sonhos, e medos. O monólogo é uma crítica feroz ao sistema capitalista selvagem brasileiro.
Excelente monólogo!
Texto redigido por Alex Gonçalves Varela.