Em uma cena com ares vitorianos que poderia estar no século XIX, como nos dias de hoje, diferentes vozes e corpos femininos se entrelaçam na construção de Uma Mulher, persona destituída de um nome ou características específicas, mas definida por seu gênero. É entre a intimidade da cozinha e o campo de convivência – e confronto – da sala de jantar, que a personagem entra em um delírio ao receber um quilo de carne para preparar ao marido. A ação cotidiana adquire ares espetaculares quando ao tentar cortar a carne ela vê Jesus Cristo à sua imagem e semelhança e passa a contar e questionar o seu passado atravessado pela violência patriarcal num mundo representado por um Deus no masculino, enquanto ela busca algum tipo de redenção frente a uma tragédia anunciada em sua vida cotidiana. Um dos primeiros textos escritos pela autora Luh Maza, aos 16 anos, o monólogo de fluxo de consciência, declaradamente uma tragédia, flerta com elementos do terror. A obra mistura o sagrado da liturgia cristã ao profano da violência doméstica, evocando o papel onde a mulher foi aprisionada socialmente. Através da ficção, a peça questiona o papel designado à mulher na instituição matrimonial ocidental, historicamente manipulado e subjugado pela domesticação servil e violenta, com a mulher muitas vezes vista como posse de seu marido, como um pedaço de carne.
Escrito inicialmente como monólogo, para dar conta de sua Coreografia Dramatúrgica, ou seja, a partitura de movimentos e musicalidades que compõem suas encenações, Luh Maza decidiu então multiplicar a personagem incorporando outras duas atrizes em uma versão polifônica, o que contribui para a amplificação da força do texto e da cena. Fractais, cada atriz carrega em si o todo da personagem e evoca diferentes mulheridades.

A dramaturgia foi originalmente escrita em 2003 – partindo da pesquisa de Luh Maza sobre a mulher na história, com o recorte do papel de esposa na cultura ocidental dos séculos XIX e XX –, em formato de fluxo de consciência, a ação se passa dentro da mente de uma personagem que a partir do contato com um pedaço de carne para preparar para saciar a fome de seu marido, entra em uma vertigem onde ela se vê como Jesus Cristo – o Deus masculino da sociedade patriarcal. Entre a cozinha e a sala de jantar, a personagem, descrita apenas como “Uma Mulher”, se desloca dos papéis de gênero e passa a questionar seu passado atravessado pela violência doméstica e por sua resiliência, enquanto busca algum tipo de redenção frente a uma tragédia anunciada em sua vida.
Trata-se de uma história com linguagem lírica, e, sobretudo, de uma fabulação para alimentar a instância do eu lírico, essa outra pessoa, que não anuncia um discurso direto, mas convida à alteridade com sua existência específica e através da reflexão permite aos espectadores fazerem suas próprias correlações, analogias e traduções para suas experiências individuais. Para a cena, Luh Maza traz o gênero da tragédia, fazendo relação com outro gênero próximo: o terror. A proposta é provocar uma experiência de sinestesia dentro da sala do teatro, numa fruição que não tem sido tão experimentada no teatro atual – mais voltado a depoimentos e discursos pessoais que à fantasia -, mas que se aproxima da linguagem cinematográfica (a diretora também tem se dedicado ao audiovisual) onde o público ainda se permite imergir.
Ficha técnica
Direção, texto e cenário: Luh Maza
Elenco: Christiane Tricerri, Mawusi Tulani e Tenca Silva
Diretora-assistente: Michelle Boesche
Direcionamento vocal: Soraya Ravenle
Música original: Bruno Campos
Design de som: Malka Julieta
Iluminação: Aline Santini
Figurino: Telumi Hellen e Mari Morais
Visagismo: Louise Helène
Ilustração: Erica Mizutani
Foto de divulgação: Paulo Vainer e Bob Sousa
Serviço
Temporada: de 20/3 a 20/4, quintas às 19h, sextas e sábados às 20h, domingos e feriados, às 18h. NÃO HAVERÁ APRESENTAÇÃO no dia 18 de abril, Sexta-feira Santa (Paixão de Cristo), por isso HAVERÁ SESSÃO EXTRA no dia 19 de abril, sábado, às 17h.
Local: Teatro do Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109, República, São Paulo (350 metros da estação República do metrô). Lotação: 216 lugares.
Ingressos: Compra pelo no site sescsp.org.br ou através do aplicativo Credencial Sesc a partir do dia 11/3 e nas unidades do Sesc SP a partir do dia 12/3 – R$60 (inteira), R$30 (meia) e R$18 (Credencial Sesc).
Serviço de Van:Transporte gratuito até as estações de metrô República e Anhangabaú. Saídas da portaria a cada 30 minutos, de terça a sábado, das 20h às 23h, e aos domingos e feriados, das 18h às 21h.
Duração: 60 minutos
Classificação: 16 anos