O teatro musical brasileiro carrega em sua essência uma mistura vibrante de talentos, histórias e inovação. No coração desse universo, o dramaturgo e diretor Marllos Silva tem realizado um trabalho importante não somente na criação e montagem de musicais, mas também no resgate histórico desse segmento, valorizando a memória desse ofício. Com mais de 20 anos de carreira dedicados ao teatro musical, Marllos não só explora todas as possibilidades dessa arte, como também é um dos responsáveis por consolidar espaços e oportunidades para a sua valorização no Brasil.
De suas iniciativas pioneiras, o Prêmio Bibi Ferreira é, sem dúvida, uma das mais emblemáticas. Criado sob os pilares da valorização dos profissionais, preservação histórica e união da comunidade teatral, o prêmio se tornou uma referência nacional e contribuiu para colocar o teatro musical em um patamar de respeito. Porém, a jornada de Marllos vai além. Autor de espetáculos emblemáticos como “Itapuca – o Musical”, “Nos Embalos da Jovem Guarda”, “Musical nos Arcos”, entre outros, Marllos Silva mostram a inquietude de um autor que busca, acima de tudo, contar boas histórias. Marllos está na expectativa por estrear no estado do Rio o emocionante musical “Kafka e a Boneca”, a partir de 13 de fevereiro no Teatro Popular Oscar Niemeyer, em Niterói, com ingressos gratuitos para o público.
Em entrevista ao jornalista Rodolfo Abreu, Marllos Silva fala sobre suas obras, o papel fundamental do registro histórico e a importância do investimento no crescimento do teatro musical no Brasil. Mais do que uma conversa, é um mergulho em um universo criativo onde música, dança e dramaturgia se encontram. Acompanhe.
Rodolfo Abreu: Marllos, você tem mais de 20 anos de dedicação ao teatro musical e foi pioneiro em diversas iniciativas nessa área no Brasil. Qual foi o momento decisivo em sua carreira que consolidou seu interesse por esse gênero?
Marllos Silva: 25 anos atrás nós ainda tínhamos as atividades separadas na formação dos artistas. Você era ator, ou cantor ou bailarino. O meu início na área artística é com a música, e quando o teatro entra na minha vida eu passo a ter uma crise artística porque não sabia se seguiria na música ou no teatro. Até que um professor me apresenta o teatro musical. E a solução de todas as minhas crises foram encontradas. Porque nesta expressão artística eu poderia colocar todas as minhas possibilidades. Foi neste momento que eu descobri que eu poderia trabalhar duas das minhas paixões e expressar a minha arte. Viver de e para o teatro e a música. Ser teatro musical.
Rodolfo Abreu: O Prêmio Bibi Ferreira é considerado a mais importante premiação de teatro musical no Brasil. Como surgiu a ideia de criar essa premiação, as referências e os foram os principais desafios para torná-la tão relevante no cenário nacional?
Marllos Silva: O prêmio foi criado sob três pilares. A valorização dos profissionais de teatro musical, na época era pouco usual vermos artistas e criativos de produções de teatro musical serem indicados nas premiações e isso se dava, porque a união das três artes tornava muito difícil de entender a expressão, não se conseguia avaliar um musical como uma peça de prosa, isso acabava deixando o musical a margem das premiações.
Outro ponto é a preservação da nossa história, ao criar uma premiação você está registrando um panorama da produção teatral da cidade. Hoje conseguimos saber quais espetáculos estavam em cartaz apenas olhando para a lista de indicados. Um povo que preserva a sua história sabe para onde ir.
E o terceiro pilar é a união da nossa comunidade. A cerimônia é uma oportunidade de todos nós nos reunirmos para celebrar o nosso ano de trabalho.
A união destes pilares fez com que o prêmio rapidamente ganha respeito. A partir dele realizamos diversas ações direcionadas a comunidade teatral, desde workshops a lançamentos de livros. Em relação ao formato o prêmio emula o Prêmio Tony. Muitas das ações que fizemos são similares ao Tony, mas colocamos os nossos diferenciais.
Rodolfo Abreu: O FPTM (Festival Paulista de Teatro Musical) é o primeiro festival do Brasil voltado exclusivamente para musicais. O que motivou a criação desse evento, e como você vê o impacto dele no desenvolvimento de novos talentos e produções no país?
Marllos Silva: Tudo que faço é pensando em ações que eu gostaria que outro tivesse feito antes para que eu tivesse mais oportunidade. O FPTM tem como objetivo atender e ser espaço para novos artistas. Quando comecei não existia este espaço, e o festival se tornou este local para experimentos dos dramaturgos e diretores. Isso cria oportunidades para que eles possam mostrar seus trabalhos ainda em desenvolvimento, criando portas de exposição e conexão entre produtores e autores.
Rodolfo Abreu: Entre suas peças, destacam-se “Kafka e a Boneca”, “Amor & Pólvora”, “Old B’dway”, “Nos Embalos da Jovem Guarda”, “Itapuca – o Musical”, entre outros. Como você costuma escolher os assuntos e temas para suas obras autorias?
Marllos Silva: Eu nunca comecei um projeto pensando pelo tema, sempre foi com o objeto de contar uma história. O que eu quero como dramaturgo é contar uma boa história.
Rodolfo Abreu: “Kafka e a Boneca” é um trabalho que mistura literatura e teatro musical de uma forma bastante peculiar e lúdica. Como foi o processo criativo para adaptar esse momento da vida de Franz Kafka para o palco?
Marllos Silva: Foi um longo período de pesquisa. Passei vários meses pesquisando sobre o Kafka e tentando achar vestígios desta história. Depois passei a desenvolver os personagens e as suas gêneses, para em seguida trabalhar escaletas e beat scenes. Foi nesta fase que inseri outros personagens.
Só aí o Daniel entrou no processo para juntos trabalharmos as letras das canções e o Daniel trazer as referências musicais. Este período foram mais alguns meses de idas e vindas. E desenvolvimento de roteiro, letras e música.
A fase mais complicada na adaptação foi a parte das viagens porque tínhamos que torna lá interessante para as crianças de 2023, o que Kafka propôs para uma criança de 1923 onde as viagens eram mais complexas. Trazer as discussões de temas entre pais e filhos foi um diferencial que trabalhamos na peça que não existe em nenhuma adaptação feita seja na literatura ou outras peças.
Rodolfo Abreu: Ainda sobre “Kafka e a Boneca”, como avalia levar o universo de Kafka para um público tão diverso, incluindo o público infanto-juvenil?
Marllos Silva: Esse Kafka que nos apresentamos é um Kafka que traz um olhar diferente do qual o público está acostumado! Ele não tem os dilemas que a sua obra traz. E um Kafka mais leve, a proposta do roteiro é apresentar um outro olhar sobre aquele gênio da escrita, e trazer a reflexão de como aquele homem reagiria naquela situação, tendo em vista que nós não temos registros do que foi escrito nas cartas, apenas os relatos da Dora.
Rodolfo Abreu: “Kafka e a Boneca” fez uma temporada linda em São Paulo e em cidades do interior paulista. Qual sua expectativa da nova temporada gratuita em Niterói, no Teatro Popular Oscar Niemeyer, em parceria com a Scuola di Cultura e Marcenaria de Cultura?
Marllos Silva: São as Melhores possíveis. Estou muito ansioso por trazer este espetáculo para o estado do Rio de Janeiro pela primeira vez. Pra mim é muito especial que a nossa estreia no Rio seja em Niterói, por conta das minhas ligações afetivas com a cidade. Espero que seja uma temporada muito afetiva e emocione ao público.
Rodolfo Abreu: Você também é o idealizador e organizador do livro “20 Anos de Teatro Musical na Cidade de São Paulo”. E ao longo do tempo você tem publicado materiais que fazem um registro histórico do teatro musical no nosso país. Quais lacunas essas publicações buscam preencher e como você enxerga o papel delas na formação de novos profissionais do setor?
Marllos Silva: Acredito que uma parte importante da nossa profissão é o registro histórico. Saber de onde partimos nos dá a possibilidade de entender onde estamos como chegamos e principalmente para onde podemos ir.
Rodolfo Abreu: Quais são os maiores desafios enfrentados pelo teatro musical brasileiro atualmente, e o que você acredita ser essencial para que o gênero continue crescendo e ganhando força no país?
Marllos Silva: Vou ser clichê, mas infelizmente este ainda é o nosso dilema. Investimento! O que o teatro musical precisa é investimento. Hoje somos um dos maiores mercados do mundo, exportamos profissionais de diversas áreas. O que precisamos é investimento público e privado.
Rodolfo Abreu: Com uma carreira tão produtiva e relevante, o que podemos esperar de Marllos Silva nos próximos meses/anos? Algum projeto em especial que você já esteja desenvolvendo e que possa compartilhar conosco?
Marllos Silva: Estou trabalhando em três roteiros novos para espetáculo de teatro musical, a produção de dois espetáculos e a publicação de uma coletânea de roteiros de teatro e um song book. mas todos estes projetos estão em fases diferentes. Agora junto com a temporada em Niterói vamos lançar o primeiro livro da coletânea, que é o roteiro do “Kafka e a Boneca”. Tenho muito orgulho deste projeto porque é pouco comum vermos roteiros de teatro serem publicados com um custo acessível. Então espero que possamos atingir o grande público.
Acompanhe Marllos Silva e seu trabalho nas redes sociais:
Instagram Marllos Silva: @marllossilva
Espetáculo “Kafka e a Boneca”: @kafkaeaboneca
Prêmio Bibi Ferreira: @premiobibiferreira
Marcenaria de Cultura: @marcenariadecultura
Festival Paulista de Teatro Musical: @fptm2023
Entrevista por: Rodolfo Abreu (@rodolfoabreu)
Imagens: Divulgação