A mais recente exposição do Brooklyn Museum, intitulada “É Pablomático: Picasso Segundo Hannah Gadsby”, (It’s Pablo-matic – título original que faz trocadilho do nome do artista com a palavra problemático) está causando muita discussão no mundo das artes. A exposição aborda o complexo legado de Picasso através da perspectiva de Hannah Gadsby, comediante australiana conhecida pelo especial da Netflix “Nanette”, e não poupa críticas, chamando Picasso de “monumentalmente misógino e autoritário doméstico abusivo” e afirmando que ele “ocupa muito espaço”. A exposição propõe uma nova abordagem para estudar Picasso, incluindo seu comportamento problemático e suas inclinações colonialistas.
Mesmo antes de sua inauguração, a exposição gerou críticas intensas, o tipo de fervor que raramente se vê nos círculos de crítica de arte contemporânea. Rapidamente, surgiu uma “contra-reação”. O crítico do New York Times, Jason Farago, expressou sua visão sobre a exposição, afirmando que “há pouco para ver” e que “não há catálogo para ler”. Ele argumentou que a exposição se afasta do enfoque nos aspectos afirmativos da cultura pop com temas de justiça social. A abordagem revisionista de Gadsby busca corrigir a imagem inflada do ego de Picasso, suas atitudes misóginas, o documentado abuso de mulheres e suas imagens colonialistas. No entanto, essa crítica se estende além do próprio artista para abranger todo o movimento do Modernismo, em que Picasso é apenas um dos muitos “gênios” masculinos em um cenário em que as mulheres artistas frequentemente foram negligenciadas. “Se fosse mulher, Picasso seria considerado gênio?” A artista levanta essa questão. Em resposta, Gadsby combinou peças de Picasso com obras de mulheres artistas pioneiras do século 20 e 21, como Nina Chanel Abney, Dara Birnbaum, Käthe Kollwitz, Faith Ringgold e Betye Saar. No entanto, algumas críticas argumentam que a conexão entre essas artistas e Picasso é tênue, sendo criticada também por não abordar profundamente seu tema escolhido, com alguns críticos considerando-a uma investigação superficial.
Além disso, a exposição faz uso do humor como dispositivo curatorial, com citações de Gadsby que incluem o estilo das redes sociais. Embora seja uma tentativa de tornar o assunto mais acessível, alguns críticos argumentam que essa abordagem trivializa questões sérias.
No entanto, defensores da exposição, incluindo a diretora do Museu do Brooklyn, Anne Pasternak, argumentam que a exposição não busca cancelar Picasso, mas sim convidar à complexidade da discussão sobre sua obra e legado. Eles acreditam que a voz de Gadsby e a abordagem da exposição são valiosas para ampliar a compreensão da arte e da história.
Picasso era um homem de seu tempo. E, como tal, certamente tinha atitudes e aplicava em sua arte uma visão impregnada do mundo em que vivia, onde os questionamentos sobre o papel das mulheres nas artes e na vida em geral não tinham destaque como nos dias de hoje.
Levantar discussões sobre como a arte e a história sempre caminharam e foram conduzidos de um ponto de vista masculino é sempre interessante e se faz necessário. Mas será que a exposição “É Pablomático” acaba pesando a mão ao utilizar Picasso quase como um bode expiatório, reduzindo sua importância ao utilizar o revisionismo para ler sua produção artística com a cabeça de hoje? Fica o questionamento.
Texto: Rodolfo Abreu (@rodolfoabreu)
Imagens: Divulgação