Em foco – Olá Paula! A Nova Bienal de Arte e Tecnologia termina dia 29 de outubro no Museu do Amanhã. Unir arte e tecnologia numa megaexposição, com artistas do mundo inteiro e instalações que mexem com nossa imaginação, oferece uma oportunidade rara para o público. E ainda sabemos pouco sobre temas como Supercriatividade, por exemplo, que é um dos conceitos que orientam parte do que vemos em exposição… Pode falar um pouco sobre a Supercriatividade?
Paula Perissinotto – A criatividade humana e a criatividade da inteligência artificial são dois conceitos interligados que têm sido objeto de debate e discussão nos últimos anos. Embora possam parecer diferentes, eles compartilham algumas semelhanças fundamentais e até se complementam de algumas maneiras. A criatividade humana tem sido a força motriz por trás de muitas das maiores conquistas de nossa espécie, desde a invenção da roda até a criação de obras de arte. É um aspecto único da consciência humana que nos permite imaginar, inventar e trazer novas ideias à existência.
A inteligência artificial, por outro lado, é um campo em rápido crescimento que tem o potencial de revolucionar muitos aspectos de nossas vidas, da saúde ao entretenimento. Baseia-se na ideia de que as máquinas podem ser projetadas para simular processos de pensamento humano, permitindo que tomem decisões, aprendam com a experiência e resolvam problemas complexos de maneiras novas e inovadoras.
Apesar dessas diferenças, a criatividade humana e a criatividade da inteligência artificial compartilham uma base comum em sua capacidade de gerar novas ideias e resolver problemas. Por exemplo, artistas humanos podem usar ferramentas de IA para gerar novas ideias e até mesmo auxiliar na criação de suas obras de arte.
Da mesma forma, os sistemas de IA podem ser treinados para reconhecer padrões nos dados e usar essas informações para gerar soluções novas e criativas para os problemas. Este treinamento é conhecido como aprendizado das máquinas. Aprendizado das máquinas é um subconjunto da IA que envolve o treinamento de um sistema de computador para melhorar seu desempenho em uma tarefa específica, analisando dados e reconhecendo padrões.
Em termos de criatividade, inteligência artificial e aprendizado das máquinas têm o potencial de aprimorá-la, fornecendo novas ferramentas e técnicas para artistas e criativos experimentarem. Por exemplo, algoritmos de IA podem ser usados para gerar nova arte ou música, ou para analisar trabalhos existentes e sugerir novas direções para o artista explorar. Embora tenham o potencial de aumentar a criatividade de maneiras novas e interessantes, são tecnologias que não devem ser vistas como um substituto para a criatividade e imaginação humanas, mas sim como uma nova ferramenta no kit de ferramentas criativas, estas ferramentas juntamente com a criatividade humana geram a Supercriatividade
A exposição Supercriatividade –pensada como tema expositivo na Nova Bienal convida os visitantes a conhecer projetos artísticos que trabalham num espectro diverso de aplicabilidade estética tais como instalações interativas, vídeo, realidades virtuais, animações, jogos juntamente com a inteligência artificial em seus processos criativos.
Em foco – A relação entre arte e tecnologia é um campo em expansão e sem volta?
A história da arte e tecnologia é uma narrativa que remonta a várias décadas e reflete as interações complexas entre a criatividade artística e os avanços tecnológicos.
Paula Perissinotto – Década de 50/60- as origens
As sementes da arte e tecnologia foram plantadas com os movimentos artísticos do século XX, como o Dadaísmo e o Surrealismo, que exploraram o potencial criativo da tecnologia.
A incorporação de máquinas e eletrônicos em obras de arte começou a surgir. Um exemplo notável é a “Máquina de Pintar” de Jean Tinguely, que era uma escultura móvel que criava pinturas abstratas.
Década de 60
A década de 1960 testemunhou o surgimento da arte cinética, que incorporou movimento e interação em obras de arte. Artistas como Alexander Calder e Naum Gabo exploraram a relação entre arte e tecnologia.
O movimento Arte Cinética também influenciou a arte cinética, que se baseava em efeitos visuais em constante mudança, muitas vezes utilizando projeções de luz e imagens em movimento.
Anos 70
A década de 1970 viu o surgimento da arte de vídeo, à medida que a tecnologia de gravação de vídeo se tornou mais acessível. Artistas como Nam June Paik e Bill Viola experimentaram com vídeo como meio artístico.
Nesse período, o computador começou a desempenhar um papel significativo na arte. Os artistas exploraram a arte digital, usando programas de computador para criar obras de arte.
Década de 80
A década de 1980 testemunhou o surgimento da arte de mídia, que incluía instalações interativas e experiências envolventes que incorporavam tecnologias como sensores e computadores.
Artistas como Jenny Holzer usaram tecnologias de exibição de LED para criar mensagens públicas em espaços urbanos.
Anos 90
Nas décadas seguintes, a arte digital continuou a se desenvolver, com artistas explorando a programação, a realidade virtual e a realidade aumentada.
A Internet também se tornou um meio para a arte, com artistas criando obras colaborativas e interativas online.
Na Arte Contemporânea
Hoje, a arte e a tecnologia estão mais interconectadas do que nunca. Artistas utilizam uma ampla gama de tecnologias, como inteligência artificial, impressão 3D e realidade virtual, para criar obras inovadoras.
A arte de dados e a visualização de informações também se tornaram áreas de interesse crescente, à medida que os artistas exploram a representação visual de grandes conjuntos de dados.
Várias instituições e festivais, como o FILE Festival, têm desempenhado um papel fundamental na promoção da arte e tecnologia, proporcionando um espaço para a exposição e discussão de obras nesse campo. A história da arte e tecnologia é dinâmica e em constante evolução. À medida que a tecnologia continua a avançar, novas possibilidades se abrem para os artistas explorarem e expandirem os limites da criatividade. Essa interação contínua entre arte e tecnologia promete continuar a moldar o cenário artístico de maneiras imprevisíveis.

Em foco – Você é uma das fundadoras do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE). Já são mais de 20 anos dessa mostra que é uma referência em todo o mundo pela seriedade da organização que você e Ricardo Barreto guiam a curadoria. Essa expertise surgiu de que maneira?
Paula Perissinotto – Em meados de 1999 concebemos, Ricardo Barreto e eu, o FILE, Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (https://file.org.br). O nome “FILE” foi inspirado na aba do canto superior esquerdo presente em quase todos os programas do Windows e outros sistemas operacionais, que em português se traduz simplesmente por “Arquivo”. Inicialmente, nós “arquivávamos” as manifestações estéticas especificamente produzidas a partir de mídias digitais, mais especificamente a Internet. O Ricardo e eu viemos das artes visuais. Ele foi meu professor na FAAP. Na época a rede era um espaço em expansão – ambiente aberto, fluido e libertário. Nela os artistas expunham-se livremente como agentes das suas próprias obras. Sem o intermédio de galerias e instituições culturais, pílulas estéticas pululavam acessíveis a todos. Nas primeiras edições do festival, em 2000, 2001 e 2002 participaram artistas de mais de 32 países com obras produzidas a partir de alguma tecnologia digital.
Em foco – O que significa a expressão poéticas visuais?
Paula Perissinotto – As poéticas visuais são uma forma de expressão artística que se baseia principalmente em elementos visuais para transmitir significado, provocar emoções ou contar histórias, oferecendo uma experiência estética única e uma maneira de explorar o mundo por meio da visão e da criatividade.
A expressão “poéticas visuais” se refere a uma categoria de expressão artística que se concentra na criação de obras de arte que comunicam mensagens, ideias ou emoções principalmente por meio de elementos visuais, podem ser encontradas em diversas disciplinas artísticas, como pintura, escultura, fotografia, vídeo, design gráfico, instalações artísticas etc.
Em foco – O Museu do Amanhã é um museu de ciências. No seu ponto de vista, qual é a importância de um museu do gênero na dinâmica das artes no Brasil?
Paula Perissinotto – A escolha do Museu do Amanhã como local para a exposição Nova Bienal é significativa. O Museu do Amanhã é conhecido por seu foco no futuro, na inovação e nas transformações sociais. Ele busca explorar os desafios e as possibilidades que o amanhã trará. Nesse sentido, a exposição NOVA-Supercriatividade se encaixa perfeitamente na proposta do museu, trazendo uma abordagem criativa e consciente das ferramentas tecnológicas para compreender e moldar o futuro. Os espaços culturais são sempre bem-vindos independente dos seus gêneros.
Em foco – Disquetes de 3 1/2 na década de noventa do século XX eram muito utilizados. Hoje são obsoletos. Registros que gravamos nesses materiais dificilmente conseguimos recuperar as informações. Como você pensa a relação entre a modernização dos meios técnico-científicos e a preservação dos acervos, no seu caso específico os acervos artísticos?
Paula Perissinotto – Estou trabalhando numa tese de doutorado que estuda justamente estes desafios. O estudo intitulado Arquivo Vivo pergunta como nos manter atualizados sobre a produção das manifestações estéticas digitais? O que pretendemos fazer com a história desses 23 anos de FILE? Como compartilhar este conteúdo com futuras gerações?
O arquivo do FILE consiste hoje numa documentação histórica de todos os eventos que foram realizados. Textos bilíngues, palestras traduzidas, vídeos das performances, imagens em alta definição das obras. Conteúdo nos mais diversos formatos que somam algo em torno de 12 mil referências. Organizar este conteúdo e torná-lo disponível ao público num ambiente acessível e a par e passo com as mídias que lhe são inerentes é um dos grandes desafios: reunir publicamente a documentação acumulada num único arquivo online, confiável e tão dinâmico quanto o conteúdo que ele visa amparar e preservar foi o objetivo da criação do archive.file.org.br (ainda em execução). Criamos um sistema de organização para o arquivo do FILE Festival, abarcando tanto o ambiente digital quanto o material. Dedicamos atenção especial à sistematização do acervo digital, enfocando a ampliação da conexão das informações contidas nesse conteúdo por meio da criação de filtros e instrumentos de acesso. Essas ferramentas permitiram uma interconexão por meio de termos e palavras-chave, selecionados e avaliados empiricamente por estudiosos e artistas, tornando o acervo digital mais acessível em informações. Trata-se de documentação das obras e não das obras de arte em si. Acreditamos que as informação bem tratada são fontes efetivas de regaste do passado estético digital.

Em foco – Quando é que fato foram fundamentais para despertar seu interesse nas artes plásticas?
Paula Perissinotto – Desde sempre. Não me lembro da vida com graça sem as artes. Mas, decidi estudar artes plásticas depois de visitar o museu da van Gogh em Amsterdam, na década de 80. Ainda sem saber o que estudaria, meus pelos arrepiados em cada tela que eu via dentro daquele museu ajudaram a tomar esta decisão.
Em foco – Programas de computador, disciplinas dedicadas à tecnologia, teóricos do tema: hoje de que forma os cursos de graduação em artes visuais incluem esses temas na formação? Existem faculdades com essa especialidade?
Paula Perissinotto – Os cursos de graduação em Artes Visuais no mundo têm evoluído ao longo dos anos para incorporar a tecnologia e a interdisciplinaridade como elementos essenciais na formação de artistas visuais contemporâneos. Isso ocorre devido à crescente importância da tecnologia na produção artística, bem como à necessidade de preparar os artistas para as novas formas de expressão que surgem no mundo digital. Muitos cursos de Artes Visuais incorporaram disciplinas dedicadas à tecnologia, como arte digital, multimídia, realidade virtual e aumentada, entre outras. Essas disciplinas ensinam aos estudantes como usar software, hardware e outras ferramentas tecnológicas para criar obras de arte contemporâneas. A interdisciplinaridade é incentivada em muitos programas de Artes Visuais, permitindo que os estudantes explorem áreas relacionadas, como design gráfico, cinema, fotografia, programação, entre outras. Isso amplia as perspectivas criativas dos artistas e os prepara para colaborações em projetos interdisciplinares. Os cursos não se limitam apenas à prática artística, mas também incluem componentes teóricos que ajudam os estudantes a compreender o contexto cultural, histórico e conceitual em que estão inseridos. Isso é importante para desenvolver uma compreensão crítica e conceitual de sua própria prática artística. Existem varias instituições de ensino superior no mundo que se especializam em arte e tecnologia. Algumas delas são conhecidas por oferecer programas altamente avançados nesse campo, tais como:
KHM- Na Alemanha em Colônia, hoje tem pós-graduação nesta área
CalArts (Califórnia instiute of the arts oferece programas de graduação e pós-graduação em Artes Visuais com foco em novas mídias e tecnologia.
School of the art institute de chicago possui programas inovadores em arte e tecnologia que integram a criação artística com a tecnologia. NYU- Embora não seja especificamente um programa de Artes Visuais, é um exemplo de um programa interdisciplinar que permite que estudantes explorem a convergência entre arte e tecnologia. Embora seja mais orientado para a pesquisa, o MIT Media Lab é um exemplo de uma instituição de ponta que explora as interseções entre arte, ciência e tecnologia.
No mundo, Europa, EUA, Canada, Australia, Korea e até a China muitas escolas de Artes Visuais estabelecem parcerias com outras disciplinas e instituições, como engenharia, ciência da computação e laboratórios de pesquisa, para permitir que os estudantes explorem projetos interdisciplinares e tenham acesso a tecnologias de ponta. Já tem mais de 20 anos que os cursos de graduação em Artes Visuais estão se adaptando para incluir a tecnologia e a interdisciplinaridade como componentes importantes da formação artística.
Em foco – Até aqui, já é possível fazer um balanço sobre a Nova Bienal de Arte e Tecnologia do Rio? Quando você começa a preparar a próxima edição? Quais são os seus projetos futuros?
Paula Perissinotto – Para um balanço acho prematuro, mas podemos dizer que a proposta foi lançada e fomos bem acolhidos. Acreditamos que o Rio de Janeiro é a cidade ideal para este projeto, não apenas pelo seu caráter inovador, mas pela sua abrangência internacional, compartilhar este projeto com a cidade do Rio está sendo uma experiencia incrível, principalmente com o publico da praça Mauá nas primeiras duas semanas, com as obras da área externa que estavam disponíveis de forma gratuita. Estamos elaborando juntos com o patrocinador estratégias para esta continuidade e certamente a Nova Bienal Rio estará na nossa lista de prioridade de projetos futuros.