Em foco – Como se deu sua paixão pela harpa ?
Cristina Braga – Com 3 anos já sabia ler, provavelmente por ser caçula. Diz minha mãe que aos 3 caiu em minhas mãos um livro com uma harpa linda desenhada… e desde então eu andava pela casa dizendo que tocaria harpa porque queria ser anjinho… Olha que poder um livro tem… Tive que esperar fazer 11 anos, passar por aulas de piano para crescer até alcançar as últimas cordas e os pedais. Amo o som do instrumento, a complexidade do instrumento, a demora do instrumento. No nosso tempo instantâneo, a harpa é uma mestra de longevidade, resiliência e profundidade. E, não bastasse, em um tempo em que a medicina das frequências ganha espaço, o instrumento é o que mais se aproxima do som puro, sendo uma das grandes estrelas da musicoterapia, ou harpaterapia. Tocar harpa é bom demais, e ouvir harpa mais ainda! Nunca subestime a música e a sonoridade que você ouve…a música tem um poder esquecido e potente de regenerar.
Em foco – Como é pertencer a uma família de músicos?
Cristina Braga – Uma delícia! Precisa ver nossas conversas… O músico é um arte-cientista de pensamento abstrato, do invisível…Somos escultores de ar…Minhas tias avós eram musicistas, meu pai (engenheiro) tocava piano, meu avô (engenheiro) gaita, Ricardo meu marido (compositor, produtor, contrabaixista pós graduado em composição em Londres e formado em música e engenharia) é um de meus grandes mestres – toca quase tudo, sabe quase tudo, e nossos filhos estudaram música como matemática e portugues. Dos 3, Antonia Medeiros @toniamedeiros nossa filha caçula, seguiu mesmo o caminho profissional, se graduou em música e se tornou uma excelente cantora e compositora…Tem uma música dela que permeou e é um sucesso enorme “Salve Todas”. Milhares de seguidores nas redes sociais… heheheh ficamos babando aqui… Mas é isso, amamos conversar sobre idéias, sobre soluções…Pedro está fazendo doutorado em economia e João é físico!
Em foco – Que papel desempenha o jardim Uana Etê em seu processo criativo e de amor à música ?
Cristina Braga – Uaná Etê é um grito que fala de terras fundamentais. Fala de consciência, de ligar os pontos… Vai desde os cristais que são base de nossa eletrônica, até estações repletas de flores em que as borboletas fazem um festival, ou outras em que os vagalumes enchem os campos… imagina isso para inspiração? É um conto de fadas!
O jardim é um projeto de vida meu e de Ricardo… quem me conhece de perto sabe que se não pudesse ter sido harpista, teria sido jardineira. Acho o reino das plantas, dos animais e dos minerais algo… mágico, como o som. Amo natureza, pássaros, aves, animais… É um jardim ecológico grande, com inúmeras instalações e que esconde esse grito dentro dos canteiros, uma exclamação em forma de arte: a música e a natureza são fundamentais: sem elas a vida perde a capacidade de se recriar.
Como diz Confúcio: preciso de arroz para viver e flores para ter por que viver… Hoje, Uaná Etê tem vários jardins, um orquidário que tem Lenine como patrono, o Labirinto da Música, um lavandário, a coleção de cactos e suculentas de Wilson das Neves, o oásis do lagarto para ouvir o som da água…um bosque de sinos…e muito mais,.. e vem mais por aí! Vamos inaugurar esse ano um Jardim dos Mistérios. O jardim está lindo…

Em foco – O que lhe levou a presidir o Vale do Café Convention & Visitors Bureau?
Cristina Braga – Amo o Vale do Café! Uma essência de brasilidade fascinante! O Vale do Café é incontornável como destino para entender o Brasil. Somos a maior bacia do sudeste, repleta de vida, lendas, música, tambores, rodeados de Mata Atlântica replantada por cidadãos… que coisa linda!
Aprendo tanto com o pessoal do turismo! Acho fascinante como o turismo faz o dever de casa e coloca tudo na prateleira. Bayard Boiteux por exemplo, é uma pessoa com quem aprendi muito!
Sérgio Ricardo, Marco Navega, Luciana Delamare, Dolores Piñero, Miriam Cutz, Cristiano Nogueira, Vaniza Schuler…queridos mestres nesta área. A cultura tem muito a aprender como turismo e viceversa, algo que a América do Norte, e a Europa já resolveram bem. No Rio, nosso maior sucesso econômico em termos de turismo, é cultural: o Carnaval. É uma força incrível esse binômio. Imagina se se expandir? Se nossos museus, a bossa nova, se tornarem foco também deste fomento?
O CVB do Vale nasceu do encontro de Marco Capute e Ronaldo Cezar Coelho, os investimentos na região com o espetacular Centro de Convenções de Vassouras e o Museu de Vassouras que está sendo feito, e a questão: o que podemos fazer? Lembrei da atuação do CVB do Rio, que conhecia como artista e sugeri então criarmos o nosso CVB, um Escritório de Turismo do Vale do Café. Depois da 1a gestão super bem sucedida, que pegou a pandemia, ninguém queria assumir…e eu fui. O CVB tem feito um trabalho maravilhoso, que vai desde pesquisa, um portal em 8 idiomas, que fala de um tudo que você vai encontrar aqui, inventário que relaciona as igrejas, mirantes, cachoeiras, açudes…temos hoje em torno de 70 associados que estão juntos contribuindo como cidadãos.
Em foco – Quais são os grandes desafios do Vale do Café?
Cristina Braga – Desenterrar todos os tesouros culturais, imensos, tantos, e apresentar o Vale do Café ao Brasil e ao mundo. Estamos a apenas 2h do centro do Rio em média…Imagina, uma região tão Mário de Andrade, tão Câmara Cascudo, tão Monteiro Lobato ao alcance de um dia de passeio do Cristo Redentor…Berço de Clementina de Jesus, Herivelto Martins, do poeta do Hino Nacional Osório Duque Estrada…até a família de Paulinho da Viola vem de Valença! Se você começar a puxar os fios verá que o Brasil é o Vale…aliás costumo dizer que quando o Brasil canta o hino está cantando o Vale do Café de Osório, onde os bosques tem mais vida e os campos tem mais flores… O Vale do Café CVB tem como meta internacionalizar a região, mapear rotas novas baseadas em cultura, divulgar as iniciativas, existentes, colocar os artistas e as manifestações culturais tão ricas em evidência. As rezadeiras, sanfoneiros, jongo, caxambu, calango, folias de reis, capoeira, maculelê de facão e de bastão…O patrimônio material histórico único das Igrejas e Fazendas… Os peixes do Paraíba do Sul, esse colosso lindo, do qual a vida nas metrópoles de Rio e São Paulo dependem…
“Se você quiser ser conhecido internacionalmente cante sua aldeia” Leon Tolstoi
Ano passado conseguimos ter um banner no Galeão com o apoio do RioGaleão, na saída de todos os voos internacionais apresentando pela primeira vez o Vale do Café como um destino internacional.
Os Conventions buscam oxigenar as regiões com Congressos e Convenções que potencializam a região. 60% das passagens aéreas são pagas por CNPJs. Estamos focados nisso!
O Vale do Café CVB existe também para unir organismos atuantes no Vale, pessoas, ideias, prefeituras, associações, acolher e colocar em evidência tantas iniciativas maravilhosas de instituições sérios e atuantes, como o SEBRAE, a UNIVERSIDADE DE VASSOURAS, o INSTITUTO VASSOURAS CULTURAL, o PRESERVALE, a SETUR do Estado do RJ, o PIM, os CIETHs, CEFETs, e o INSTITUTO AUPABA…Darmos as mãos e potencializarmos essa espiral virtuosa em torno desse grande tesouro de patrimônio da humanidade.
Em foco – Como é ser uma escritora que já produziu 5 livros nos últimos anos ?
Participei de 5 livros, não produzi…mas amo escrever! Agradeço os convites da Associação de Embaixadores do Rio! Feliz de ter estado ao seu lado, Chico, em alguns deles!
Em foco – A música tem um papel transformador na Humanidade
Cristina Braga – Totalmente. Para a música não há idade, cor, credo, sexo – diferenças são desejadas e vistas como partes da harmonia. Somos apenas seres humanos iguais embaixo do sol. Recomendo a todos os pais que coloquem seus filhos para estudarem música. Se puderem enviar pra estudar harpa melhor ainda. O pensamento se expande como o universo. Serão melhores físicos, matemáticos, padeiros, empresários. A música é uma semente misteriosa, simbólica que expande e clareia o cérebro, enquanto lava o coração. A expansão do universo começa com um grande som…o big bang…somos som. Pessoa vem do latim per sona, aquele através de quem o som passa…

Em foco – Você foi escolhida como Embaixadora de Turismo do RJ através dos concertos que realiza no Brasil e no exterior. Pode nos falar um pouco sobre tal trabalho.
Cristina Braga – Outro dia amei, saí numa revista de palavras cruzadas: qual o instrumento popularizado por Cristina Braga: a resposta era claro em 5 quadradinhos – harpa. Achei o máximo, ri uma semana inteira…Sempre vivi num mundo sem fronteiras…ocupei o cargo de 1a harpista da Ópera do Rio quase 30 anos, e enquanto tocava para Ana Botafogo dançar sob a batuta de Rostropovich, Celibidache ou Sílvio Viegas ou Sílvio Barpato, tive meu primeiro album lançado nos EUA com o OPU5 que unia harpa, percussão brasileira, violino, flauta e contrabaixo, com improvisos e composições nossas e que foi a maior sucesso…um de meus 1os concertos foi com um amigo flautista com composições próprias, no banheiro da casa de minha avó, tudo por causa do som, do eco lindo de lá…tinha gente no chuveiro, na banheira hehehe… Quando comecei, todo mundo dizia no Brasil que harpa era instrumento de guaranias e de música de Natal, não queriam me programar no Rio Jazz Clube, no Jazzmania…demorou mas fui convidada a tocar lá inúmeras vezes…Depois gravei o 1o disco de samba em que a harpa fez toda a base harmônica…toquei em muitas das principais salas do mundo, e também com grandes artistas brasileiros, Titãs, Lenine, Dado Villa Lobos, Marcos Valle, Nara Leão, Ana Carolina, Zizi Possi, Menescal, gravei em discos de Marisa Monte, Ed Motta, Zeca Pagodinho…o resto é história e ainda tem muitos capítulos por vir…viva a música!
Em foco – Você tem inovado com vários eventos .Como se processa sua criatividade e realização ?
Cristina Braga – Ah…acho que é porque sou apaixonada pela vida…a gente não deve se especializar, sou contra a especialização. Não se especializem nunca! Existe uma riqueza enorme em manter a luz de um farol girando em volta e iluminando a vida da gente. Imagina se o farol não girasse… Para tocar bem, tem que viver. Para criar tem que viver. Tem que ser curioso, apaixonado, tem que aprender que a solução de muitas coisas começa com você mesmo. Tem que consumir arte e natureza sem preconceitos, tem que buscar se alimentar de coisas magníficas como uma teia de aranha brilhando de orvalho, um amanhecer, um por do sol, o canto de um Assum Preto, uma Chiquinha Gonzaga, um Villa Lobos, Tom Jobim, um Bach, um Aleijadinho, um Portinari…
Criei o Festival Vale do Café lá nos anos 2000 porque urgia mostrar estes tesouros tão nossos, tão brasileiros do Vale. Somos uma raiz essencial do Brasil. Tinha o perigo de colocarem um presídio de segurança máxima na região à época…Então fiz o que sabia fazer: cultura. Chamei Turíbio Santos, Luiz Cláudio Paiva, Rogério Carnasciali e trabalhamos com muita paixão criando um Festival fantástico que é referência no Rio. Hoje o Festival Vale do Café é dirigido pela Backstage, e completa mais de 20 anos de existencia. Depois fizemos o FLOR Atlântica, Ric e eu, um lindo festival de primavera – Festa Livre Ornamental do Rio que reúne botanicos, escritores, mateiros, paisagistas, artistas, músicos, um encontro de profissionais de várias áreas em trno da beleza e da natureza… aí veio a Festa das Luzes, com Paulinho Medeiros, a Festa dos Chapéus com a Vale do Café Hat Parade…Medo e Coragem são os antônimos na língua portuguesa… E coragem nada mais é do que agir com o coração, ou seja, com Amor. Meu lema recebi de meu pai: ”Fé em Deus e pé na tábua” . Vamos que vamos!