O espetáculo apresenta o encontro fictício entre Sigmund Freud (Odilon Wagner), considerado o pai da psicanálise, e C.S. Lewis (Marcello Airoldi), escritor, poeta, e crítico literário. São dois intelectuais, que ainda que partilhem pontos de vista contrários, eles se sentaram, conversaram, e se respeitaram.
A dramaturgia é de Mark St. Germain, autor norte-americano, que nos brinda com um excelente debate científico-filosófico. O texto de Mark St. Germain é baseado no livro Deus em Questão, escrito pelo Dr. Armand M. Nicholi.
De um lado temos Freud, crítico ferrenho da crença religiosa. Do outro lado, temos C.S. Lewis, defensor da fé baseada na razão.
Sigmund Freud é um indivíduo que expressa os valores do mundo contemporâneo, cada vez mais secularizado, em que o peso da tradição e o valor da religião tendiam a desaparecer. Estes são substituídos pela ideia de progresso e a noção de maleabilidade do ser humano. Passou-se a valorizar a ciência, a história, e a pedagogia. É uma visão secularizada do mundo.
Os dois letrados debatem de forma intensa, o dilema entre ateísmo e crença em Deus. Freud quer entender por que um ex-ateu, um intelectual como C.S. Lewis, pode, tornar-se um cristão convicto.
Os dois estabelecem um diálogo de altíssimo nível, expondo as suas visões sobre a existência de Deus, o sentido da vida, a natureza humana e a fé, e também sobre sexualidade.
No palco vemos um Freud interpretado por Odilon Wagner atormentado pela doença, com câncer na boca, tendo que ir ao lavatório por diversas vezes lavar a prótese dentária. Também estava desencantado com a ascensão do nazismo, uma vez que foi levado pelos agentes para depor e teve diversos livros queimados. Ele viveu na Áustria por boa parte de sua vida. Quando ocorreu a invasão dos nazistas, em função de sua ascendência judaica, refugiou-se na Inglaterra. Ele vivia com sua esposa, filha, e um cachorro.
Por sua vez, Lewis interpretado por Marcello Airoldi deixa transparecer sua crença na fé religiosa e na salvação futura da cristandade. Ele está saudável e com vigor físico.
O diálogo não é ríspido. Eles jamais chegam as vias de fato. É um debate intelectual, onde não há vencedor nem perdedor. Conversam em tom elegante, com muita finesse e politesse. Eles tem opiniões distintas, mas se compreendem, respeitam as diferenças. São dois intelectuais que fazem uso público da sua razão, de forma independente, soberana, e civilizada. Portanto, são duas pessoas polidas e esclarecidas.
Um dos momentos mais marcantes da peça, no nosso ponto de vista, foi a menção a perseguição a Galileu Galilei e a sua prisão numa cela em que mau cabia. Galileu argumentou que para a produção do conhecimento a Bíblia não tinha mais nada a dizer, e que os cometas eram fenômenos celestes. A Igreja não perdoou! Acusou de herege! Quase foi parar na fogueira!
Ainda que a conversa seja um diálogo intelectual, havia tensão também. Eles estavam atentos ao toque da sirene e do voo dos aviões. O ataque nazista ao território inglês poderia ocorrer a qualquer momento. A guerra deixa a todos em estado de tensão e insegurança.
Os dois atores apresentam uma atuação impecável. Eles dominam o texto e o palco de forma absoluta. Atuam com garra, segurança e firmeza, e uniram interpretação e emoção. Estabelecem um diálogo marcado pela sintonia e entrosamento. Apresentam uma linguagem simples, de fácil compreensão.
A direção de Elias Andreato deixou os dois atores a vontade no palco. Ele focou no texto, e na livre interpretação dos personagens.
A cenografia criada por Fabio Namatame é arrojada, de extremo bom gosto e muito bem idealizada. É o consultório onde Freud desenvolvia sua psicanálise e seus estudos, com estantes de livros, mesas, cadeiras, e poltrona, objetos de decoração da Antiguidade, rádio, e uma pia.
Os figurinos criados também por Fabio Namatame são elegantes e de extremo refinamento. Freud veste um bonito terno cinzo. E Lewis um terno marrom
A iluminação criada por Nádia Hinz é bonita, adequada, e realça as interpretações dos atores em suas diversas cenas.
A Última Sessão apresenta uma dramaturgia potente e intelectualizada; uma excelente dupla de atores; e bonitos cenários e figurinos.
Excelente produção cênica!