A direção e dramaturgia original é de Luiz Felipe Reis. Por sua vez, a atuação é de Renato Livera. Deserto é o sétimo espetáculo teatral da Cia. Polifônica.
A dramaturgia nos apresenta elementos da trajetória existencial e artística do escritor e poeta chileno Roberto Bolaño (1953-2003), buscando refletir sobre as condições de existência e de criação dos artistas no universo contemporâneo, num mundo em vias de desertificação. Não é um monólogo biográfico. Se atém a apresentar fragmentos da vida e obra do escritor, de forma contextualizada.
Roberto Bolaño foi um romancista chileno. Ele teve uma intensa atuação na militância política, participando inclusive do movimento popular responsável por colocar Salvador Allende no poder. Com a derrubada do governo socialista e a ascensão dos militares, foi preso e torturado. Ao ser libertado, se exilou e viajou por diversos países. Era um indivíduo politicamente de esquerda.
Em paralelo a sua vida política, Bolaño se imiscuiu nos assuntos literários. Ele passou a escrever poesias, e, num segundo momento, obras no campo do romance de ficção. Foi contemplado com diversos prêmios literários e reconhecido internacionalmente como um expressivo escritor.
Renato Livera tem uma atuação de grande expressividade. Ele faz um Bolaño que mesclou durante toda a sua vida a literatura e a política, um lutador, um guerreiro, que terminou a sua vida cansado e esgotado. Os seus ideais de esquerda não conseguiram vingar num mundo cada vez mais capitalista. Quando vingaram, eles foram “assassinados” de forma brutal, e, no solo onde germinaram, foi como jogassem sal grosso, para que nunca mais brotassem.

A atuação política do romancista foi além da militância, e esteve presente também em seus escritos. Como poeta e romancista, ele também fez política, e expressou a sua insatisfação contra um mundo capitalista-tecnológico que valoriza a razão, o indivíduo, o mercado, a técnica, em detrimento da vida em comunhão, que valoriza o partilhar. Esse mundo cada vez mais individualizado e técnico, leva ao desaparecimento dos poetas e romancistas, que são indivíduos sensíveis, de extrema sensibilidade, mas que desaparecem, sofrem violências e não conseguem se inserir no mundo machista-capitalista-neoliberal em que vivemos. Por outro lado, nesse mundo que é razão pura, o lugar do imaginário e das subjetividades é mínimo. Não há espaço para poetas e romancistas!
Seguindo as palavras do diretor do monólogo presentes no release do espetáculo, a dramaturgia busca realizar “uma reflexão de um mundo em vias de desertificação e de desvitalização, um processo de desertificação “exterior”, ambiental, e um outro processo simultâneo de desertificação dos imaginários, das subjetividades. Em ambos os casos o que há são corpos vivos sofrendo inúmeras formas de violência e de exploração, submetidos a uma lógica extrativa, extenuante, que perfura, exaure e desvitaliza tudo o que é vivo. Vivemos e sofremos, atualmente, as consequências nefastas desta lógica de exaustão e de desvitalização da Terra e de tudo o que é vivo. (…) Então o deserto enquanto metáfora do estado atual do mundo, assim como a nossa peça, têm a ver com esse processo, em que a poesia ou a possibilidade de uma vida criativa, lúdica, sofre inúmeras formas de violência num mundo cada vez mais orientado por uma lógica quantitativa, numérica, regida pela maximização infinita do lucro e das finanças”.
O espetáculo é lindo, robusto, impactante, e de grande valor, um grito contra o estado desértico em que o mundo se encontra, consequência da nefasta política neo-liberal, que reforça cada vez mais os valores do individualismo e da lógica do mercado, da livre iniciativa.
O ator Renato Livera interpreta o romancista de forma brilhante, segura, determinada, com muita firmeza. Ele nos proporciona um show de interpretação, passando emoção em sua fala. Apresenta uma boa movimentação sobre o palco, dominando-o. É uma atuação de louvor!
A direção de Luiz Felipe Reis deixa o ator a vontade no palco. Ele foca no texto, e na atuação e interpretação do ator. Este apenas é atravessado pela utilização de vídeo-filme e fotografias, que contribuem para complementar a atuação de Livera.
O figurino de Miti é adequado ao personagem, um letrado, escritor, que traja calça, camisa, e um blazer.
A cenografia de André Sanches e Débora Cancio também é adequada, e acreditamos que reconstrói o espaço onde ele produzia seus escritos. Há uma cadeira, e uma mesa de trabalho com materiais de escritor.
A cenografia também serve como uma tela ao fundo que exibe vídeo, filme, projeções e fotografias que ajudam a narrar o texto, e nos permite uma melhor compreensão da vida do romancista chileno.
A iluminação criada por Alessandro Boschini é adequada as diversas cenas do espetáculo.
Deserto apresenta uma dramaturgia original; um ator com atuação potente; e a utilização de elementos como vídeos, filmes e fotografias que complementam a narrativa da dramaturgia.
Ótima Produção Cultural!
Texto redigido por Alex Gonçalves Varela.